As organizações sindicais constituem uma das traves-mestras de um regime democrático e são espaços de livre associação e reunião dos vários setores de trabalhadores do país.
O nº 4 do Artº 55º da Constituição da República Portuguesa estabelece que: “as associações sindicais são independentes do patronato, do Estado, das confissões religiosas, dos partidos e outras associações políticas, devendo a lei estabelecer as garantias adequadas dessa independência, fundamento da unidade das classes trabalhadoras”.

Em democracia, a participação cívica desenvolve-se com a participação nos diversos espaços institucionais consagrados constitucionalmente.
As organizações sindicais têm sido um dos exemplos mais marcantes de uma participação democrática de base e na criação de formas diretas de envolvimento e de discussão dos assuntos que dizem respeito aos respetivos setores laborais.

No plano da intervenção sindical, tem de existir sempre a preocupação central de constituir consensos alargados na elaboração dos documentos reivindicativos, de modo a não serem criadas clivagens cujo resultado será sempre debilitador da força da intervenção sindical e para isso são indispensáveis métodos de funcionamento transparentes e de plena liberdade de opinião.

Em cada setor laboral existe uma natural e inevitável diversidade de opções político-partidárias e o papel de cada organização sindical é agregar o maior número possível de trabalhadores atingidos pelos mesmos problemas, além de desenvolver todos os esforços na criação de laços fundamentais que se traduzam num espírito de coesão profissional.

Um dos princípios caracterizadores das organizações sindicais é a sua natureza solidária entre os seus associados e a formação de uma consciência de classe profissional que os fortaleça na defesa dos seus legítimos direitos e interesses socioprofissionais.

Como sabemos, o trabalho sindical é muito diferente de qualquer outra intervenção política, a começar pela vida partidária.

No trabalho sindical, a constante da sua atividade é lidar com as diferenças e ter a capacidade de tolerância democrática em harmonizar vontades e visões muito diferenciadas em relação aos mesmos problemas.

Na atividade partidária, existe, à partida, uma unidade de pensamento político e ideológico dentro de cada partido, que é logo um elemento facilitador das suas tomadas de decisão.

A nível dos médicos portugueses, a sua cultura reivindicativa, durante largas décadas, sempre foi a de tomar a iniciativa na identificação dos seus próprios problemas profissionais e proceder à correspondente elaboração de documentos estratégicos que corporizavam as reivindicações que melhor permitissem defender os seus interesses e a sua própria dignidade profissional.

A publicação da Lei nº 12-A/2008, que procedeu a uma reforma da Administração Pública, teve um impacto muito significativo em todas as carreiras profissionais.

Esta lei da Assembleia da República determinou que as negociações das carreiras profissionais passassem a estar enquadradas pela contratação coletiva.

Ora, se até aí os diplomas legais das carreiras médicas se encontravam em decretos-lei, que em qualquer altura um governo podia alterar ou revogar unilateralmente, com a contratação coletiva isso deixou de poder acontecer, dado que só com o acordo entre as partes negociais essas medidas podem existir.

A contratação coletiva impõe que qualquer proposta apresentada por uma das partes negociais tenha de ser apresentada por escrito e devidamente fundamentada, o mesmo acontecendo à resposta da outra parte.

Neste contexto, assume particular importância a negociação prévia do protocolo negocial.

No protocolo têm de estar inseridos os prazos da negociação e descrição das matérias a negociar e até a composição das respetivas delegações negociais.

Nesse sentido, é óbvio que a recusa em negociar esse protocolo é sinónimo de inviabilizar todo o processo negocial.

Ao longo dos anos do regime democrático houve organizações sindicais que desvalorizaram sempre o terreno das negociações e colocaram na primeira linha da sua ação as greves e as manifestações.

Na sua essência, as greves e as manifestações têm como objetivo promover a maior adesão possível dos trabalhadores e com isso aumentar a força sindical à mesa das negociações, impondo as melhores soluções na defesa dos seus direitos e interesses profissionais.

Se o terreno das negociações e da possibilidade de acordos é desprezado, qual o papel das lutas sindicais?

A experiência existente nos planos nacional e internacional mostra, de forma clara, que as organizações que não apresentam resultados palpáveis da sua intervenção reivindicativa, acabam por ser encaradas como não tendo utilidade e consideradas descartáveis.

Esta situação tem conduzido a múltiplos exemplos de definhamento e perda de representatividade dessas organizações, o que tem dado espaço para o aparecimento de entidades populistas e com práticas antissindicais como já vimos em alguns setores profissionais no nosso país.

Um dos direitos constitucionais das organizações sindicais é o direito à negociação e este nunca pode ser negado na sua intervenção reivindicativa.
Num regime democrático, a defesa firme dos direitos e interesses laborais só se consegue por via negocial, a não ser que existam alguns que considerem ser possível recorrer à luta armada para impor as suas propostas a qualquer governo.

O realismo e o sentido de responsabilidade política e reivindicativa não podem ser ludibriados por fraseologias aparentemente radicais e sem consequências negociais.

Estamos numa encruzilhada quanto ao futuro imediato da nossa profissão e esta grave situação impõe uma viragem imediata no curso dos acontecimentos e nos métodos de ação.

Nas competências específicas de cada organização médica, colocam-se diversos problemas que exigem uma urgente elaboração de documentos com as propostas de solução e que suscitem uma ampla mobilização da classe.

O ato médico tem se dispor de uma redação muito clara que inviabilize que outros setores se apropriem de competências médicas como é esta perigosa ideia governamental de as farmácias prescreverem medicamentos.

Os estatutos da Ordem dos Médicos têm de ser urgentemente alterados para impedir que elementos não médicos das clientelas partidárias sejam colocados em órgãos importantes da sua estrutura organizativa.

A intervenção sindical não pode afunilar todo o pensamento reivindicativo em aspetos economicistas. A par dos salários, existem áreas como as condições de trabalho, a organização autónoma da atividade assistencial dos serviços e participação dos médicos no processo de tomada de decisões que têm também de estar em cima da mesa das negociações.

No que diz respeito aos salários, é inadiável desencadear uma discussão sobre a sua estrutura de desenvolvimento e as suas componentes em intima conexão com a progressiva diferenciação técnico-científica no contexto da carreira médica.

Sem métodos democráticos e de amplo envolvimento dos médicos na própria definição dos documentos reivindicativos, não será possível levar por diante esta luta, que já é de vida ou de morte, na sobrevivência da classe médica.

Nesse sentido, os médicos, globalmente considerados, têm, na minha simples opinião, de ser muito exigentes com as organizações que no plano legal os representam.

Se não o fizerem, ficam à mercê de jogos e joguinhos de bastidores com objetivos alheios aos seus interesses.

Em momentos desta gravidade, qualquer transigência com práticas duvidosas conduzem em linha direta ao suicídio de uma classe profissional.
Se os médicos se voltarem a unir em amplas plataformas de convergência e de mobilização, não há nenhum governo que se lhes consiga opor. É esta a experiência existente.

Nessa tomada de consciência há um aspeto que tem de estar sempre presente, é que os governos passam, os ministros ainda passam mais depressa, mas os médicos continuam sempre presentes para tratar os seus doentes.

Este papel torna a classe médica insubstituível na garantia da defesa dos doentes e da segurança e qualidade dos cuidados prestados.
Se tivermos isto sempre presente, o movimento médico será imparável, por mais “cavalos de Tróia”, de qualquer tipo, que coloquem no seu seio.

Artigo publicado na revista #29 HealthNews, aceda a mais conteúdos aqui