Não é raro ouvir-se a crítica que os processos de violência doméstica não atingem bons resultados porque as vítimas não prestam declarações, em suma, que não colaboram com o sistema.

Certo é que, há muitas vítimas que aceitam falar no âmbito do processo-crime e continuam, ainda assim, a existir muitas dificuldades em congregar meios de prova que corroborem as suas declarações. O que significa que há também muitos processos-crime que são arquivados por falta de meios de prova apesar das declarações prestadas pelas vítimas. Mas não só!

Perante a enormíssima dificuldade em conseguir elencar pessoas que tenham conhecimento presencial dos factos denunciados atendendo a que a violência doméstica é uma realidade maioritariamente ocorrida entre quatro paredes, e perante a inexistência das mesmas, coloca-se a questão de saber qual é o efetivo valor que é atribuído às declarações da vítima.

O mesmo será questionar se é atribuída credibilidade às declarações da vítima perante um agressor que usa o seu direito ao silêncio processualmente consagrado como forma de não se comprometer, sabendo-se de antemão que o seu silêncio não o pode beneficiar nem prejudicar, mas sabendo-se também que o silêncio dos agressores tem como objetivo da parte dos mesmos o aproveitamento claro da inexistência de meios de prova no processo-crime.

Ora, os princípios de intervenção com vítimas de violência doméstica estatuídos na lei que estabelece o regime jurídico aplicável à violência doméstica, assim como a Jurisprudência que tem vindo a ser produzida nos últimos tempos, são inequívocos no sentido de se valorar a prova testemunhal, mesmo que a convicção do tribunal se forme apenas com base no depoimento de uma única testemunha, ainda que essa testemunha seja a vítima, desde que o seu relato, atentas as circunstâncias e modo como é prestado, lhe mereça credibilidade.

E mesmo nas situações em que as declarações da vítima não são alicerçadas em documentos, havendo dúvidas a respeito da credibilidade das mesmas, pode sempre o tribunal socorrer-se de uma perícia de credibilidade de testemunho por forma a melhor alicerçar e sustentar as declarações prestadas.

O que não pode acontecer é que num sistema em que se apregoa o combate à violência doméstica e o apoio das suas vítimas, se desvalorize no caso concreto a importância das declarações prestadas pela vítima, pois isso sim, representa o total falhanço do sistema legal e protetivo das vítimas de violência doméstica.

Um artigo de opinião da advogada Ana Leonor Marciano, especialista em Direitos Humanos, violência de género, violência doméstica, Direitos das crianças.