Nos últimos anos, a prática da medicina tem evoluído significativamente, impulsionada por avanços tecnológicos e científicos. No entanto, em muitas organizações de saúde, a investigação clínica ainda é vista como uma atividade secundária, relegada a segundo plano em comparação com a prática clínica diária. É necessária uma profunda mudança de mentalidade para que se passe a reconhecer que a investigação e a inovação não são meros acessórios à prática clínica, mas sim motores fundamentais para a melhoria contínua dos cuidados de saúde e uma potencial fonte de receita para os hospitais. Esta mudança cultural deve ser fomentada a todos os níveis da organização, desde os conselhos de administração até aos profissionais de saúde na linha da frente.
Integrar a investigação clínica como um dos pilares das organizações de saúde requer a criação de Centros de Investigação e Inovação Clínica (CIIC) altamente profissionalizados. Para tal, é imperativo que as administrações hospitalares invistam em 1) planos estratégicos, 2) equipas profissionalizadas e 3) tecnologia/digitalização.
O plano estratégico deve definir as áreas terapêuticas e as tecnologias prioritárias, o volume de estudos clínicos a alcançar, as possíveis fontes de financiamento de projetos, entre outros elementos relevantes. Tem de definir a equipa mínima, as infraestruturas e os recursos financeiros necessários para concretizar os objetivos estratégicos, bem como identificar métricas que permitam monitorizar a progressão e implementar eventuais medidas corretivas. Este é um documento orientador imperativo para o sucesso de um CIIC, ainda pouco adotado a nível nacional (e é diferente de um plano de ação/atividades).
As equipas dos CIIC têm necessariamente de ser multidisciplinares e especializadas, idealmente em dedicação exclusiva. Não podemos ter profissionais dedicados à investigação a tempo parcial e muitas vezes recorrendo a tempo pessoal após assegurarem as funções assistenciais. Além disso, é imprescindível que desenvolvam a sua atividade com base em processos e procedimentos bem definidos, que garantam a eficácia das suas operações. Uma das queixas frequentes por parte dos promotores e das equipas dos centros é a morosidade na aprovação interna dos estudos/projetos. Não podemos perder oportunidades porque nos atrasamos a responder.
Por fim, tem de ser reconhecido o papel diferenciador que a tecnologia pode desempenhar na atividade de um CIIC. Ferramentas digitais e plataformas de gestão de dados têm a capacidade de "industrializar" a investigação, otimizando processos e reduzindo custos. A automação de tarefas rotineiras, a integração de informações e a garantia de conformidade com normas regulatórias são algumas das vantagens oferecidas por essas tecnologias. Ao adotar essas soluções, os CIIC podem poupar tempo e recursos, agilizar a tomada de decisões e melhorar a qualidade da sua atividade.
O futuro das organizações de saúde está intrinsecamente ligado à sua capacidade de inovar e de integrar a investigação clínica na sua prática diária. Para isso, é necessário um compromisso sério das administrações hospitalares em transformar a investigação clínica numa prioridade estratégica. Não podemos continuar a escudar-nos na falta de financiamento, temos de ver esta aposta na sua dimensão estratégica e de investimento. São escolhas que temos de assumir. Portugal deve acompanhar as tendências emergentes relativas aos ensaios clínicos descentralizados e aos estudos de real world evidence, bem como deve agarrar as oportunidades emergentes da utilização de dados clínicos para fins de investigação, de acordo com as diretrizes do Espaço Europeu de Dados de Saúde. Ao investir em CIIC profissionalizados e ao adotar as tecnologias mais recentes, os hospitais podem não só prestar melhores cuidados aos doentes, mas também melhorar a sua sustentabilidade financeira a longo prazo. Em última análise, esta mudança trará benefícios não só para os hospitais, mas para toda a sociedade, ao promover uma medicina mais avançada, eficiente e acessível.
Um artigo de opinião de Patrícia Calado, Head of Clinical Innovation na NTT DATA Portugal.
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