HealthNews (HN) – Considerando que a saúde é apontada como uma das principais preocupações dos portugueses, qual é a visão do LIVRE sobre o futuro do Serviço Nacional de Saúde? especificamente, como preveem a articulação entre os setores público, privado e social no programa eleitoral?

Livre (Raquel Pichel – RP) – O LIVRE tem um compromisso inabalável com um Serviço Nacional de Saúde (SNS) público, universal, gratuito e verdadeiramente acessível a todas as pessoas. Consideramos que a saúde é um direito fundamental e o SNS um pilar do Estado Social, pelo que a sua gestão e a prestação dos cuidados de saúde a todas as pessoas devem ser orientadas por critérios de qualidade, eficiência e sustentabilidade, para além dos ciclos políticos e das conjunturas governativas. Nos últimos onze meses de governação da Aliança Democrática (AD), assistimos a um agravamento dos problemas estruturais do SNS, marcado por uma instabilidade sem precedentes: a Direção Executiva teve 3 diretores e foram nomeadas 15 novas administrações hospitalares. Esta instabilidade comprometeu a capacidade de planear respostas eficazes aos períodos críticos de sobrecarga e dificultou a implementação e o acompanhamento das reformas necessárias para a modernização do SNS. Sofregamente, o governo da AD optou pela privatização do SNS, ao avançar com as parcerias público-privadas (PPP) de 5 Unidades Locais de Saúde (ULS) – Braga, Loures, Amadora-Sintra, Vila Franca de Xira e Garcia de Orta – e de 174 unidades de cuidados primários integradas nas ULS, incluindo unidades de saúde familiar modelo B e unidades de cuidados continuados. Esta opção política representa a maior privatização do SNS até agora, e, para o LIVRE, um passo no caminho do seu desmantelamento. 1 O LIVRE defende que o SNS deve ser o principal prestador dos cuidados de saúde em Portugal e para tal deve ser devidamente financiado, rompendo com as decisões de subfinanciamento crónico e desinvestimento no serviço público de saúde. Consideramos que a colaboração com o setor privado e social, feita de forma transparente e regulada, deve ser complementar quando a acessibilidade e a equidade não estejam asseguradas na resposta dada pelo SNS. Recusamos a lógica da privatização e defendemos fortalecer e avançar com a reforma do SNS, com o reforço dos seus recursos, para garantir que é o setor público a prestar, com qualidade e proximidade, os cuidados de saúde centrados no utente de que a população necessita.

HN – Valorização dos Profissionais de Saúde Um dos grandes desafios do SNS é a fixação e captação de profissionais. Que medidas concretas o LIVRE propõe para valorizar, motivar e reter os profissionais de saúde no SNS, particularmente em zonas mais carenciadas?

RP – A escassez de profissionais de saúde no SNS, agravada por uma gestão desarticulada, tem impactos graves na acessibilidade e qualidade dos cuidados de saúde. Mais de um milhão e quinhentos mil utentes continuam sem médico de família, 75 mil utentes aguardavam por intervenções cirúrgicas acima do tempo máximo de resposta e os serviços de urgência não têm capacidade de resposta, com as urgências pediátricas e de Ginecologia/Obstetrícia a encerrarem sucessivamente, obrigando ao transporte de doentes por distâncias cada vez maiores. São problemas estruturais, que não se resolvem com soluções simplistas ou avulsas. O LIVRE defende uma resposta política séria, estruturada e participada, centrada na valorização e contratação de profissionais de saúde, como plasmado no nosso programa. Um dos principais obstáculos reside na ausência de um planeamento estratégico e sustentável de recursos humanos para o SNS. Para ultrapassar esta situação, propomos a elaboração de um plano nacional, auscultando as diversas ordens, sindicatos, associações profissionais, associações de estudantes e representantes de utentes, no qual temos de garantir a estruturação de uma formação pré e pós-graduada adequada às necessidades do país e possibilitar que todas as unidades do SNS tenham autonomia e agilidade para contratar profissionais de saúde, simplificando procedimentos e adaptando os contratos de trabalho às especificidades e preferências dos profissionais, promovendo a sua fixação e satisfação. A incapacidade de atrair e reter profissionais de saúde no SNS é um desafio central. Os concursos para médicos e enfermeiros ficam desertos ou com vagas por preencher, levando ao aumento do recurso a tarefeiros e à subcontratação através de empresas de trabalho temporário. O LIVRE propõe o fim do recurso abusivo a estas formas de contratação, impondo a contabilização destes encargos como despesa corrente do Estado, e defende a melhoria das condições salariais e laborais no SNS, tornando-o verdadeiramente atrativo e competitivo. 2 A reforma das carreiras e a revisão das remunerações são urgentes e inadiáveis. Defendemos a progressão na carreira para todos os profissionais de saúde, corrigindo desigualdades persistentes, nomeadamente as resultantes das posições remuneratórias intermédias. A revisão do regime de dedicação plena dos médicos deve garantir a manutenção dos direitos laborais, evitando retrocessos como o aumento da carga horária, das horas extraordinárias anuais ou a eliminação dos descansos compensatórios, podendo equacionar a extensão a outras classes profissionais do SNS. Mas sabemos que para tornar o SNS atrativo o respeito pelo tempo e pela conciliação com a vida pessoal tem de ser possível, pelo que, no nosso programa, incluímos várias medidas como a criação do estuto do clínico-investigador, com vista a facilitar a redução de horário para dedicação a projetos de investigação e a reserva de tempo para estudo e produção científica de médicos internos no seu horário de trabalho. Para responder às necessidades do país, propomos o aumento do número de vagas em estabelecimentos e serviços de saúde localizados em zonas carenciadas, através de incentivos para a mobilidade e ao recrutamento de médicos, enfermeiros ou técnicos superiores de saúde. Consideramos essencial criar mecanismos de fixação de profissionais, analisando a possibilidade de suplementos salariais e apoios à habitação. Por fim, o LIVRE propõe o Programa Regressar Saúde, destinado a incentivar o regresso e fixação no SNS de profissionais de saúde que emigraram, recuperando talento e reforçando o nosso serviço público de saúde. Só com uma política de recursos humanos ambiciosa e orientada para responder aos desafios do presente e do futuro será possível garantir um SNS forte e inclusivo.

HN – Que estratégias específicas o LIVRE propõe para melhorar o acesso aos cuidados de saúde primários e assegurar que todos os cidadãos tenham acesso a médico de família? Como pretendem reduzir as listas e os tempos de espera para consultas e cirurgias?

RP – Como referimos anteriormente, são vários os desafios no SNS e, para lhes dar resposta, o LIVRE reitera a necessidade de uma estratégia integrada com uma visão assente nos seguintes princípios orientadores: valorizar os profissionais de saúde para a sua retenção no SNS; promover a qualidade e eficiência dos serviços com a atribuição do financiamento necessário, garantindo um serviço público de saúde; assegurar o acesso universal e equitativo aos cuidados de saúde; e apostar na promoção da saúde e na prevenção da doença com repercussões no desenvolvimento das políticas públicas. Só assim se pode melhorar a qualidade de vida da população e contribuir para aliviar a pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS), potenciando a sua sustentabilidade a longo prazo. 3 Para a sua concretização, o LIVRE reafirma o seu compromisso com a defesa e reforço dos Cuidados de Saúde Primários (CSP), reconhecendo-os como o alicerce para um serviço público de saúde sustentável, universal e equitativo, focado nas pessoas e nas comunidades. Promovem a proximidade e o acompanhamento dos utentes, melhoram a acessibilidade ao SNS, sobretudo nas regiões mais carenciadas, evitam deslocações desnecessárias aos hospitais, e providenciam uma resposta integrada às necessidades de saúde ao longo da vida, promovendo uma resposta mais humanizada e adaptada às necessidades da população. A nossa visão passa por garantir que todas as pessoas, em qualquer região do país, tenham acesso a um médico e a um enfermeiro de família nos cuidados de saúde primários. O LIVRE propõe: reduzir o número de utentes por médico de família para um máximo de 1500; aumentar a oferta de meios auxiliares de diagnóstico diretamente nos centros de saúde e mais possibilidades de intervenção terapêutica; promover equipas multidisciplinares nos centros de saúde integradas por assistentes técnicos, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas e dentistas; promover a descentralização de consultas de especialidade; e o reforço dos cuidados domiciliários. Sintetizando, defendemos o investimento no SNS, com maior retenção de profissionais de saúde, alargando a prestação dos cuidados de saúde primários e concretizando uma gestão mais eficiente dos serviços. Aliado a uma visão para a promoção da saúde e de garantia do acesso equitativo, fundamental para garantir um SNS forte, inclusivo e resiliente, capaz de responder aos desafios do presente e do futuro. O LIVRE continuará a lutar por um sistema de saúde público que não deixe ninguém para trás e que seja motor de coesão social, justiça e bem-estar para todas e todos.

HN – A gestão do consumo de substâncias como tabaco, álcool e drogas continua a ser um desafio para a saúde pública. Que medidas preventivas e terapêuticas o seu partido pretende implementar para abordar estas dependências, e como planeiam integrar estas intervenções no sistema de saúde?

RP – O LIVRE defende uma estratégia de saúde pública centrada na capacitação das pessoas e das comunidades, promovendo a sua participação ativa no cuidado da saúde e fomentando estilos de vida saudáveis desde a infância. Consideramos que a literacia em saúde é um dos pilares para a promoção da saúde. Todas as pessoas devem ter acesso à informação, ferramentas e competências para tomar decisões informadas sobre alimentação, atividade física, saúde sexual, reprodutiva e mental, e por isso, propomos a integração da literacia em saúde nos currículos escolares. No nosso programa, apresentamos um conjunto de medidas para reduzir comportamentos de risco e reforçar a resposta pública aos desafios das dependências. Defendemos o aumento do orçamento e dos meios do Instituto para os Comportamentos Aditivos e Dependências (ICAD), assegurando a contratação de mais profissionais, melhorando a formação contínua das 4 equipas técnicas e a expansão do número de camas nas comunidades terapêuticas, de modo a reduzir as listas de espera e garantir o acesso digno ao tratamento. Relativamente ao consumo de substâncias, em específico de drogas, propomos criar um programa de prevenção do consumo das drogas sintéticas, com especial foco nas regiões autónomas e fortalecer as estratégias de redução de risco e minimização de danos, apostando na expansão de salas de consumo assistido, promovendo uma abordagem humanizada e sem estigma. Para melhorar o acesso, é necessário aumentar o número de vagas nas comunidades terapêuticas com acompanhamento em equipas especializadas no tratamento de dependências. O LIVRE tem sido uma voz ativa na defesa de medidas preventivas relativamente à dependência do jogo. Propomos fomentar junto da Direção-Geral da Saúde a criação de um programa nacional de combate aos comportamentos aditivos associados aos jogos de azar, com especial atenção às populações mais vulneráveis. Defendemos ainda a obrigatoriedade de avisos claros sobre o potencial aditivo em todos os jogos de azar, bem como a limitação da publicidade e do acesso a plataformas de jogos a dinheiro, físicas e online, incluindo casinos e casas de apostas. Acreditamos que só através da prevenção, da capacitação das pessoas, do envolvimento das comunidades e da integração de políticas públicas será possível enfrentar, de forma eficaz e sustentável, os desafios que as dependências impõe.

HealthNews (HN) – Saúde Mental A saúde mental tem ganhado crescente reconhecimento como componente essencial do Bem-estar geral. Quais são as propostas do LIVRE para fortalecer os serviços de saúde mental no SNS, garantir acessibilidade aos mesmos e reduzir o estigma associado a estas condições?

RP – Para o LIVRE, as políticas de saúde mental devem ser pensadas intersetorialmente, como uma prioridade de todas as políticas públicas. Acreditamos que o acesso a cuidados de saúde mental, desde a promoção do bem-estar psicológico até ao tratamento especializado, deve ser garantido a todas as pessoas. Defendemos um aumento significativo do investimento público em saúde mental, de modo a providenciar os recursos humanos multidisciplinares especializados em falta, para dar resposta às longas listas de espera no SNS e às grandes disparidades territoriais na cobertura de serviços de saúde mental. Pretendemos a implementação plena e a expansão, a nível nacional, do modelo de equipas comunitárias multidisciplinares previsto no Plano Nacional de Saúde Mental, aprofundando a sua atuação e promovendo a descentralização dos cuidados. É crucial humanizar os serviços de saúde mental, combater a discriminação e o estigma. Para tal, temos de apostar na formação de profissionais e reformar os modelos de gestão das 5 instituições, alinhando-os com os princípios éticos e humanistas consagrados na nova Lei da Saúde Mental. Este caminho passa também por apoiar a transição para intervenções na comunidade das pessoas em situação de internamento psiquiátrico, promovendo a sua autonomia e integração social. O LIVRE reconhece a urgência de enfrentar os graves problemas de saúde mental do país, indo além da resposta clínica e promovendo uma abordagem intersectorial e preventiva. Acreditamos que, ao promover a literacia em saúde mental em todas as instituições e setores do Estado, podemos garantir políticas públicas que reforcem as condições para um pleno desenvolvimento humano, destacando a necessidade de autonomia, sentimento de competência e de pertença.

HN – Face aos desafios do envelhecimento populacional e do aumento da prevalência de doenças crónicas, qual é o compromisso financeiro do LIVRE com o setor da saúde para os próximos quatro anos? Como pretendem garantir a sustentabilidade do sistema mantendo a qualidade e a universalidade do acesso?

O LIVRE reconhece que o envelhecimento demográfico representa um dos maiores desafios para a saúde pública e para a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Com uma população cada vez mais envelhecida – sendo Portugal o quarto país da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) com maior número de pessoas com demência por mil habitantes – cresce a prevalência de doenças crónicas e incapacitantes, com impactos na autonomia, qualidade de vida e bem-estar, tanto dos doentes como dos seus cuidadores. Esta realidade impõe uma pressão acrescida sobre os serviços de saúde, exigindo mais recursos humanos, técnicos e financeiros, e colocando à prova a capacidade de resposta do SNS. Perante este cenário, o LIVRE propõe a criação do Estatuto do Doente com Doença Crónica, desenvolvido em articulação com as associações de doentes, para garantir uma abordagem integrada à prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação destas pessoas, bem como a atualização das tabelas de doenças crónicas e incapacitantes. Defendemos medidas concretas para melhorar a qualidade de vida e o acesso a cuidados adequados, nomeadamente o alargamento da comparticipação de produtos de saúde essenciais – como laxantes, palhinhas, nutrição parentérica e entérica, alimentação por sonda nasogástrica, entre outros – e o reforço dos cuidados primários e hospitalares com equipamentos de telemonitorização, promovendo o acompanhamento remoto e facilitando o acesso à teleconsulta para evitar as deslocações. Entre as medidas do nosso programa destacamos a garantia do tratamento da obesidade como doença crónica, propondo a comparticipação pelo SNS de tratamentos farmacológicos anti-obesidade aprovados, com monitorização dos resultados clínicos e económicos para promover a racionalidade na utilização dos recursos, e a implementação de protocolos clínicos integrados e multidisciplinares que envolvam médicos de família, endocrinologistas, nutricionistas, psicólogos e outros profissionais de saúde. Defendemos ainda a descentralização do tratamento da obesidade, garantindo a equidade no acesso a cuidados em todo o território. Investir na promoção da saúde, incentivando hábitos de vida saudáveis, a prática de atividade física e o envelhecimento ativo, é fundamental para mitigar a incapacidade precoce e a redução da esperança de vida associadas às doenças crónicas, sobretudo na população idosa. Estas medidas não só melhoram a qualidade de vida, como contribuem para aliviar a pressão sobre o SNS e garantir a sua sustentabilidade a longo prazo. O LIVRE assume, assim, uma visão política integrada que coloca a dignidade das pessoas e a justiça no acesso ao SNS no centro das políticas públicas, propondo respostas distintivas e inclusivas aos desafios do envelhecimento e das doenças crónicas em Portugal.

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