Alice Cruz, que visitou Angola nas últimas duas semanas, disse à agência Lusa que já contava com um país “profundamente marcado pela desigualdade social e pela pobreza”, fatores que estão associados à doença de Hansen.
“Fiquei muito surpreendida com a taxa de diagnóstico tardio. A grande maioria [dos doentes] tem diagnóstico muito tardio e com incapacidades físicas já muito desenvolvidas. Confesso que isso me surpreendeu muito”, disse, no final da visita.
Alice Cruz, portuguesa e a primeira Relatora Especial da ONU para a Eliminação da Discriminação contra as Pessoas Afetadas pela Lepra e seus Familiares, considerou que existem vários fatores que contribuem para esta situação.
Por um lado, “inicialmente os sintomas da doença de Hansen são negligenciados, porque não são severos”.
A falta de autocuidado e as dificuldades que as pessoas enfrentam no acesso à saúde, principalmente os mais pobres, também contribuem para este estado das coisas.
A relatora especial alertou ainda para o impacto da “perda de capacidade do sistema de saúde para diagnosticar a doença, depois de esta ser eliminada como problema de saúde pública pela OMS [Organização Mundial de Saúde], em 2005”.
“Pensa-se que a doença não existe, mas existe. É apenas uma questão percentual. A doença continua lá, mas depois desinveste-se”, afirmou.
E acrescentou: “Houve uma redução de espaço cívico em redor da doença de Hansen, levou a uma perda de recursos, perda de conhecimento da doença”.
“Quando as pessoas vão à procura de diagnóstico, muitas vezes fazem uma peregrinação nos diversos serviços de saúde até terem a sua doença diagnosticada”, referiu, acrescentando que “muitas vezes as pessoas vivem longe e têm dificuldade em ir buscar a medicação mensal”.
A relatora especial indicou ainda que identificou muitas crianças com a doença e muitas barreiras, incluindo dificuldades no real apuramento dos dados sobre a doença no país.
Antes da pandemia de covid-19, a incidência rondava os 600 a 800 novos casos por ano.
Perante a percentagem nas crianças, “que é muito alta, e as incapacidades físicas que as pessoas já apresentam quando são diagnosticadas, então a transmissão está a acontecer”.
“Esta é uma doença que não se pode erradicar, não há vacina. É uma doença que está sempre associada à pobreza, à desigualdade social, à vulnerabilidade”, frisou.
A perita reuniu-se com representantes governamentais, organizações da sociedade civil, especialistas em saúde, direito e ciências sociais, além de pessoas afetadas, os seus familiares e as suas organizações representativas.
Alice Cruz tornou-se em 2017 a primeira Relatora Especial para a Eliminação da Discriminação contra as Pessoas Afetadas pela Lepra e seus Familiares.
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