
HealthNews (HN) – Quais foram as principais necessidades e desafios identificados entre os doentes com Linfomas e LLC em Portugal, segundo os resultados do inquérito global de 2024?
Rita Coutinho (RC) – Os dados recolhidos através do inquérito Lymphoma Coalition permitem identificar várias necessidades entre os doentes portugueses com linfomas.
Um dos aspetos mais marcantes é a carga de sintomas persistentes, quer durante quer após os tratamentos, com especial destaque para a fadiga e o sofrimento emocional, frequentemente desvalorizados na prática clínica. Esta falha pode refletir tanto a falta de sensibilidade médica para o impacto subjetivo dos mesmos, como o desconhecimento dos métodos de gestão da fadiga mais eficazes, como as limitações de tempo nas consultas e a insuficiência de apoio psicológico estruturado.
Houve ainda referência à falta de informação sobre questões relacionadas com o tratamento e o seu eventual impacto da fertilidade e ao impacto emocional e económico da doença, que afeta não só os doentes mas também as suas famílias e contexto laboral.
O acesso mais complexo aos cuidados médicos, com cerca de 70% dos doentes a viver longe do centro tratador, pode representar uma barreira real à adesão terapêutica e à equidade.
Além disso, apenas 56% dos inquiridos afirmaram sentir-se envolvidos nas decisões médicas — um dado que aponta para falhas na comunicação clínica que devem ser colmatadas. A compreensão da informação veiculada pela equipa médica também é claramente insuficiente, salientando a importância de encontrar novas formas de comunicar melhor com os doentes e as famílias.
Saliento que a amostra portuguesa revelou também limitações de representatividade — sendo enriquecida em mulheres, jovens e doentes com maior literacia digital — o que reforça a necessidade de expandir e diversificar a participação nacional em futuros estudos.
HN – De que forma os dados recolhidos neste estudo podem contribuir para melhorar o acesso ao diagnóstico e tratamento destes doentes no sistema de saúde português?
RC – Este estudo oferece uma base concreta para implementar melhorias no acesso ao diagnóstico e tratamento. O facto de cerca de um terço dos doentes ter recebido diagnósticos errados antes do correto realça a necessidade urgente de reforçar a formação dos médicos de Medicina Geral e Familiar sobre as apresentações clínicas dos linfomas, muitas vezes insidiosas e atípicas.
Adicionalmente, a distância aos centros de tratamento identificada na maioria dos casos sublinha a importância de pensar em modelos alternativos de acompanhamento.
Finalmente, o estudo evidencia a necessidade de uma abordagem mais centrada no doente. A fraca resposta a sintomas emocionais e físicos persistentes e a limitada partilha de decisões com os doentes são pontos que merecem ação para garantir cuidados mais personalizados e eficazes.
HN – Que aspetos do impacto psicossocial da doença foram mais salientados pelos participantes portugueses no inquérito?
RC – O impacto psicossocial foi amplamente destacado, com a fadiga e o sofrimento emocional a surgirem como sintomas particularmente prevalentes e pouco valorizados na prática clínica. Estes sintomas têm um efeito profundo na qualidade de vida dos doentes e são muitas vezes subestimados.
Além disso, o sofrimento emocional estende-se para lá da dimensão clínica da doença, afetando profundamente a vida familiar, profissional e económica dos doentes. Muitos participantes expressaram o desejo de estarem mais envolvidos nas decisões terapêuticas, o que se relaciona diretamente com uma maior sensação de controlo e bem-estar psicológico. Contudo, apenas cerca de metade se sente efetivamente incluída no processo de decisão.
Importa também destacar que a maioria dos doentes prefere receber informação completa sobre a sua condição, mesmo que isso envolva más notícias. Este dado confirma a importância da transparência e da comunicação empática na prática clínica, enquanto ferramenta de adaptação.
HN – O inquérito trouxe à luz lacunas ou oportunidades específicas no apoio aos cuidadores de doentes com Linfomas e LLC em Portugal?
RC – Embora o inquérito não tenha sido especificamente desenhado para avaliar o papel dos cuidadores, surgem evidências relevantes neste domínio. Cerca de 1% das respostas foram dadas por familiares de doentes já falecidos, o que demonstra a ligação emocional duradoura ao percurso da doença e a necessidade de espaços formais para escuta e acompanhamento destes cuidadores.
Muitos enfrentam o mesmo tipo de sofrimento emocional e dificuldades económicas dos doentes, mas sem o apoio estruturado necessário. A sua inclusão sistemática na comunicação clínica e no planeamento terapêutico permanece uma oportunidade de melhoria. O seu envolvimento ativo pode ser determinante para melhorar a adesão ao tratamento e o bem-estar global dos doentes.
HN – Considerando a participação portuguesa no inquérito, que mudanças concretas considera prioritárias para garantir cuidados mais centrados no doente?
RC – Há várias mudanças prioritárias. A primeira é melhorar a comunicação médico-doente, promovendo práticas de decisão partilhada e reforçando a literacia em saúde. A clareza na transmissão da informação e a escuta ativa são essenciais para aumentar o envolvimento e a confiança dos doentes. Para que este processo possa ser concretizado temos que envolver não só os médicos, mas também os enfermeiros e outros profissionais de saúde.
Em segundo lugar, devemos integrar de forma sistemática a avaliação de sintomas físicos, emocionais e cognitivos ao longo de todo o percurso da doença. Ferramentas simples de monitorização de sintomas poderiam permitir uma abordagem mais proativa e sensível.
É também urgente abordar temas habitualmente negligenciados como a fertilidade, o apoio psicossocial e o impacto dos sintomas em follow-up. Estes aspetos devem passar para o centro da prática clínica.
HN – Como avalia o papel das associações de doentes e da Lymphoma Coalition na promoção do diálogo e na implementação de políticas de saúde baseadas na evidência recolhida?
RC – As associações de doentes têm um papel absolutamente central na transformação dos cuidados oncológicos. São estas entidades que muitas vezes criam os espaços para ouvir a experiência real dos doentes e identificar necessidades que não são captadas pelos indicadores clínicos tradicionais. As associações de doentes oferecem apoio físico e emocional fundamentais. Além disso, estas organizações promovem o diálogo entre doentes, profissionais e decisores, contribuindo para uma mudança cultural essencial no sistema de saúde, onde a voz do doente começa, finalmente, a ser ouvida e valorizada.
Agora é importante que toda a equipa médica difunda a sua existência pela comunidade de doentes, de modo a que todos possam beneficiar e que possamos também aumentar a adesão a inquéritos futuros.
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