"Perdi toda a visão lateral e talvez a imagem de mim mesmo. Quando me olho no espelho, não tenho a percepção que tinha de mim com os dois olhos", afirma este psicoterapeuta de 59 anos.
A explosão brutal de 4 de agosto no porto da capital libanesa causou pelo menos 177 mortes e mais de 6.500 feridos, a maioria deles por estilhaços de vidro.
Dessas pessoas, pelo menos 400 sofreram lesões oculares, mais de 50 precisaram de cirurgia e pelos menos 15 ficaram com apenas um olho, segundo dados dos hospitais da região de Beirute.
Dez dias após a tragédia, Mecattaf ainda enxuga o sangue que às vezes emana de uma grande cicatriz que atravessa verticalmente a sua pálpebra direita.
"Intervenções angelicais"
Mecattaf estava na varanda de um amigo, com vista para o porto, quando a explosão o atirou para a porta de entrada como "um grão de poeira". Ele ainda não sabe se foi a porta ou um pedaço de vidro que lhe mutilou o olho.
Os seus médicos afirmaram que poderia ter sido simplesmente a onda da explosão, o que tornaria difícil repará-lo. Sobreviveu graças a uma "série de intervenções angelicais" - descreve ele - nas horas seguintes ao drama, com a ajuda de desconhecidos que o levaram a dois hospitais - já que o primeiro estava completamente danificado pela explosão.
"A cidade era uma visão do inferno", lembra Mecattaf, que finalmente conseguiu ser operado em Sidon, no sul do Líbano, graças a um amigo. Mas, após duas horas de esforços, os médicos não conseguiram salvar o seu olho.
"Meio cego"
Num hospital ao norte de Beirute, Maroun Dagher faz a sua revisão semanal. Para este cientista da computação de 34 anos, a explosão "mudou tudo". O seu rosto ficou colado a uma janela de uma rua muito próxima do porto e um estilhaço de vidro de dois centímetros perfurou o seu olho esquerdo.
Nos primeiros dias após a explosão, a dor "era apenas física". Mas a agonia não parou por aí. Alguns dias depois, soube que a sua visão foi afetada de forma permanente. "Tenho sonhos em que consigo ver tudo, mas depois acordo", conta. "Nesse momento sinto emoções más [...] Simplesmente acordo meio cego", lamenta.
"O lugar mais seguro"
Makhoul al Hamad, de 43 anos, vivia na cidade de Manbij, no norte da Síria. Este operário, que mora em Beirute desde 1995, achava que o seu bairro, Mar Mikhael, era "o lugar mais seguro do Líbano" e definitivamente mais seguro do que o seu país em guerra.
Por esse motivo, em 2016 levou a esposa e quatro filhos para Beirute, entre eles a sua filha Sama, nascida em Manbij.
Sama estava sentada a poucos metros de uma janela no dia da explosão. Pedaços de vidro atravessaram o seu olho e a menina de cinco anos começou a sangrar absurdamente.
Uma semana depois, no telhado da sua casa danificada, Sama sorri com o olho coberto por um penso. Ao longe, é possível ver o porto, praticamente devastado.
A sua retina foi rompida e os médicos disseram aos pais que seria necessário uma cirurgia restauradora no estrangeiro. Mas eles não têm condições para a pagar.
"Teria preferido que todo o sofrimento [...] recaísse sobre mim, se isso permitisse salvar Sama", confessa Hamad enquanto abraça a filha.
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