Healthnews (HN) – Como explica a necessidade de criar um Knowledge Center da Ciência da Implementação em Portugal e qual o papel que poderá ter na transformação do sistema de saúde nacional?
Sónia Dias (SD) – A ENSP NOVA ao criar um Knowledge Center em Ciência da Implementação pretende dar um passo estratégico que vai ao encontro das necessidades sentidas nos contextos reais da saúde, onde o tempo que medeia a identificação de uma inovação e a sua aplicação prática é, frequentemente, muito grande. A dificuldade em traduzir o conhecimento científico em políticas e práticas reais e eficazes é um grande desafio para todos os sistemas de saúde. Portugal não é exceção. Há uma vasta produção de evidência científica que nem sempre se reflete na forma como os cuidados de saúde são prestados ou na forma como as políticas e os programas são construídos, e isso tem um impacto direto nos resultados em saúde e na saúde das populações.
O Knowledge Center visa atuar exatamente neste ponto crítico, funcionando como um catalisador para garantir que as políticas e intervenções baseadas em evidências são adotadas e adaptadas ao nosso contexto nacional, mas também ao contexto local. Através da Ciência da Implementação, com as suas metodologias específicas e abordagem multidisciplinar, será possível encontrar soluções concretas, promover as melhores práticas e capacitar profissionais e organizações para lidarem com os desafios complexos da saúde. Pretendemos que este centro tenha um papel transformador no nosso sistema de saúde, contribuindo para uma melhor alocação de recursos, maior qualidade dos cuidados, mais eficiência nos serviços e, acima de tudo, melhor e mais saúde para todos, assegurando que ninguém fica para trás. Esta é uma preocupação cimeira na abordagem que a ENSP NOVA tem tido em todas as suas áreas de intervenção, desde o ensino e investigação, até aos projetos com as comunidades.
HN – Estudos mostram que existe um intervalo significativo entre a descoberta científica e a sua aplicação prática na saúde. Como pode a Ciência da Implementação ajudar a reduzir este gap em Portugal?
SD – O intervalo entre o que sabemos e o que realmente se faz na rotina do dia a dia nos sistemas de saúde é um dos grandes desafios globais, e Portugal enfrenta as mesmas dificuldades. Muitas vezes, as evidências científicas demoram anos a chegar à prática, ou simplesmente não chegam. A Ciência da Implementação tem como objetivo encurtar este caminho.
Este campo foca-se em compreender os fatores que influenciam a adoção de intervenções em saúde e o impacto que o contexto real tem no sucesso ou insucesso das medidas. É essencial adaptar as soluções às realidades e necessidades locais, considerando não só os contextos organizacionais, mas também culturais e sociais. No caso português, a Ciência da Implementação pode ajudar a identificar barreiras, desenvolver estratégias de superação, mas também fomentar os fatores facilitadores e promover a adoção de práticas baseadas em evidências de forma sustentável. Da mesma forma, a Ciência da Implementação pode também ser muito útil na avaliação de práticas que já se encontram implementadas, para que possam ser adaptadas, ajustadas ou até para que sejam abandonadas, se o seu caminho não se revelar benéfico para as pessoas.
Por exemplo, podemos reduzir a hesitação vacinal, melhorar a adesão a programas de rastreio, otimizar o uso de novas tecnologias em saúde, como a inteligência artificial, ou até assegurar que as normas e orientações clínicas mais recentes são efetivamente integradas no dia a dia dos profissionais. Este trabalho não só reduz o tempo entre a investigação e a prática, como garante que as intervenções são eficazes em diferentes realidades.
HN – A ENSP NOVA vai lançar também a Rede Portuguesa de Ciência da Implementação. Que sinergias esperam criar entre diferentes instituições e profissionais através desta rede?
SD – A Rede Portuguesa de Ciência da Implementação será um braço fundamental da constituição do Knowledge Center. Na ENSP NOVA valorizamos o trabalho em parceria e sabemos que a cocriação é, ela própria, indutora de melhores resultados, por ser garante de uma participação ativa de todos. Entendemos esta Rede como um ponto de encontro essencial para investigadores, profissionais de saúde, gestores, decisores políticos, instituições parceiras e cidadãos. O nosso objetivo é criar um ecossistema colaborativo que permita unir esforços em torno de um objetivo comum: melhorar no nosso país a qualidade dos cuidados de saúde, a eficiência das intervenções em saúde, mas também reduzir as desigualdades, garantindo que “o que funciona” chega a todas as populações, especialmente as mais vulneráveis.
Através desta rede, esperamos fomentar a partilha das melhores práticas e as lições aprendidas, criando soluções que sejam transversais e adaptáveis a diferentes contextos. Ao facilitarmos a criação de uma rede forte e ágil entre todos os envolvidos conseguiremos promover uma maior integração entre investigação e prática, algo que muitas vezes funciona de forma desconexa.
Além disso, o centro vai ajudar a criar um espaço de formação e capacitação contínua, para que os profissionais adquiram competências em Ciência da Implementação e as apliquem de forma prática. Outro ponto importante é a integração com redes internacionais, que permitirá não só aprender com outros países, mas também posicionar Portugal como um líder em implementação em saúde. É uma oportunidade única para reforçar a coesão do sistema de saúde nacional e promover mudanças de grande impacto.
HN – Pode dar-nos exemplos concretos de como a Ciência da Implementação poderá melhorar a eficiência dos serviços de saúde e os resultados em saúde nas populações portuguesas?
SD – Há inúmeros exemplos onde a Ciência da Implementação pode fazer a diferença. Um dos mais abrangentes é nas estratégias de prevenção ou de gestão da doença, por exemplo na diabetes, doenças cardiovasculares ou oncologia, permitindo identificar como estes programas podem ser implementados e integrados da melhor forma possível, tendo em conta as especificidades dos diferentes contextos, os recursos, a aceitabilidade ou até a cultura organizacional, de maneira eficiente em diferentes organizações e comunidades. Num caso concreto, por exemplo melhorando a acesso e aumentando a adesão a programas de rastreio, como os de cancro do colo do útero ou cancro colorretal. Muitas vezes, existem múltiplas barreiras culturais ou logísticas que reduzem a adesão dos cidadãos, e a forma como os programas estão a ser implementados pode ser melhorada para mais impacto. É aqui que a Ciência da Implementação pode intervir, ajudando a criar estratégias adaptadas que aumentem a participação e salvem vidas. Aliás, a ENSP NOVA já tem alguns projetos nesta área.
Outro exemplo é o das campanhas de vacinação, procurando identificar e ultrapassar barreiras à implementação, como seja questões associadas à logística, hesitação vacinal ou desigualdades. Ou ainda, na implementação de tecnologias de saúde, área que está a ter um grande desenvolvimento, explorando como novas tecnologias ou outras inovações – e aqui incluo desde medicamentos inovadores, novos protocolos ou guidelines até aos dispositivos ou a telemonitorização – podem ser integradas nos fluxos de trabalho ou nas rotinas de prestação de cuidados nos hospitais e ou unidades de saúde.
São múltiplos os exemplos da sua aplicação. Na verdade, pode trazer benefícios em quase todos os problemas complexos de saúde. E Portugal não é exceção nos grandes desafios que enfrenta, tanto em termos de prevalência da doença e de multimorbilidade, como de incidência das chamadas complicações evitáveis. Através da abordagem que a ciência da implementação nos permite ter, é possível garantir que tanto programas de literacia em saúde para os cidadãos, como as intervenções baseadas na tecnologia são integrados de forma eficaz nos serviços de saúde.
A Ciência da Implementação é também essencial para assegurar a sustentabilidade de intervenções em larga escala. Muitas vezes, iniciativas promissoras falham porque não são adaptadas às realidades locais, porque não há um acompanhamento contínuo ou por que são boas práticas, mas que não chegam a ser escaladas. Ao integrar a ciência da implementação, conseguimos criar soluções mais robustas, eficientes, ajustadas e sustentadas, com impacto direto na saúde das populações e na eficiência dos serviços.
Entrevista de MMM
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