
Os dados do Globocan 2022 são alarmantes, apontando o cancro do pulmão como a principal causa de morte por cancro em Portugal e a quarta neoplasia mais diagnosticada. Na sua perspetiva, qual a gravidade desta realidade e que fatores contribuem para estes números tão preocupantes no nosso país?
Os dados do Globocan 2022 confirmam uma realidade preocupante: o cancro do pulmão continua a ser a principal causa de morte por cancro em Portugal, ocupando o quarto lugar entre os cancros mais diagnosticados. Isto significa que, quando surge, é muitas vezes detetado tardiamente e tem uma elevada taxa de mortalidade.
Esta gravidade está diretamente relacionada com vários fatores. O principal fator de risco continua a ser o tabagismo. Cerca de 85% dos casos de cancro do pulmão estão associados ao consumo de tabaco. A prevalência do tabagismo tem vindo a diminuir nas últimas décadas, contudo Portugal ainda tem uma taxa relevante, sobretudo entre homens, mas também com um aumento preocupante entre as mulheres. A deteção precoce continua a ser um desafio. Não existe, em Portugal, um programa nacional de rastreio para o cancro do pulmão, ao contrário do que acontece com outros tipos de cancro, como o da mama ou do colo do útero. Isto faz com que muitos casos só sejam diagnosticados em fases avançadas, quando as opções de tratamento curativo são mais limitadas. Tudo isto reforça a necessidade de apostar fortemente na prevenção, no controlo do tabagismo, na literacia em saúde e na deteção precoce, para inverter esta tendência.
Sendo a campanha "O Cancro do Pulmão Não Tira Férias" focada em alertar para os sintomas, quais são os principais sinais que a população deve estar atenta e que a podem levar a procurar ajuda médica atempadamente? Qual a importância do diagnóstico precoce neste tipo de cancro?
O objetivo da campanha ‘O Cancro do Pulmão Não Tira Férias’ é sensibilizar a população para não ignorar sinais de alerta que, muitas vezes, são desvalorizados. Os principais sintomas incluem tosse persistente ou que se agrava ao longo do tempo, expetoração com sangue, falta de ar sem explicação, dor no peito, perda de peso inexplicada, cansaço constante e infeções respiratórias recorrentes e prolongadas. O diagnóstico precoce é fundamental. Quando identificado numa fase inicial, as hipóteses de tratamento com intenção curativa aumentam. Contudo, mais de 70% dos casos em Portugal ainda são diagnosticados em fases avançadas, quando as opções terapêuticas são mais limitadas. Conhecer os sintomas, não adiar exames e estar atento faz toda a diferença na sobrevivência e na qualidade de vida.
Qual o potencial impacto da implementação dos programas de rastreio no panorama da doença em Portugal e que desafios ainda existem para a sua plena implementação e conhecimento por parte da população?
A evidência científica mostra que o rastreio com TAC de baixa dose, dirigido a grupos de alto risco, fumadores ou ex-fumadores com consumo significativo, pode reduzir a mortalidade, detetando o cancro numa fase mais precoce, quando é mais tratável. No entanto, ainda existem vários desafios à implementação de um programa nacional de rastreio. É necessário garantir recursos humanos, equipamentos adequados, e estruturas para a investigação e seguimento de casos suspeitos. A sensibilização da população de risco é também um desafio. Além disso o programa de rastreio deve ser acompanhado de programas de cessação tabágica. A implementação do rastreio é um passo essencial para mudar a realidade do cancro do pulmão em Portugal, mas exige um compromisso de planeamento, investimento e educação da população.
O estudo indica que 54,7% dos portugueses contactam com doentes através de familiares ou amigos próximos. Que impacto tem o cancro do pulmão não só na vida do doente, mas também nas suas famílias e cuidadores?
Este dado evidencia o impacto alargado da doença, que não atinge apenas o doente, mas também quem o acompanha diariamente. As famílias e cuidadores assumem muitas vezes responsabilidades complexas, com repercussões emocionais, profissionais e financeiras. É fundamental reconhecer esta realidade e garantir apoio adequado, para mitigar a sobrecarga e valorizar o papel essencial dos familiares e cuidadores.
Que mensagem deveria ser reforçada no que diz respeito a importância da prevenção, deteção precoce e acesso a cuidados adequados?
Prevenir implica um forte investimento no combate ao tabagismo. É essencial, também, sensibilizar a população para reconhecer sintomas e não adiar a procura de ajuda médica. Por fim, é fundamental assegurar que todos os doentes, independentemente da sua condição social ou local de residência, tenham acesso a diagnóstico atempado, tratamentos inovadores e apoio adequado.
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