Na aldeia que o viu nascer, toda a gente sabe que o Zé Gato não teve uma vida fácil. Não é que tivesse problemas económicos ou de saúde, não. Passava era por malcriado, porque nunca olhava quando o chamavam. O grande problema é que ele tinha um distúrbio na fala e trocava os R pelos G e o seu nome verdadeiro era Zé Rato.
O Zé sempre teve o sonho de ir ao Iguaçu ver as cataratas e verbalizou-o junto de um grupo restrito de amigos. Só falava nas cataratas, dias seguidos com poucas pausas no discurso. "Adogava igue às catagatas!" - dizia. Os amigos, perante a vida madrasta que sempre levou o Zé, decidiram surpreendê-lo e realizar-lhe o sonho. O problema é que, a reboque do seu distúrbio na fala, acabou a sacar pulgas a meia dúzia de felinas em Condeixa.
A sua vida amorosa era uma miséria. A última rapariga com quem tinha ousado sair, uma bonita senhora do PAN que vivia num apartamento com uma felina, foi responsável pela difamação do Zé. Quando a relação estava a evoluir, ele ter-lhe-á sugerido "pgovágue a sua gata". De imediato o denunciou à Sociedade Protectora dos Animais estando, de momento, a aguardar julgamento.
Não foi preciso esperar uma semana para toda a gente na aldeia questionar a sua sexualidade. Só porque o ouviram a dizer que tinha estado a relembrar a sua juventude porque viu o "Gay Leão", deixando a população em alvoroço a achar que tinha reencontrado um amigo colorido do liceu.
Este problema na fala teve ramificações para além da vida do Zé. Um dos seus (agora) ex-amigos deixou crescer a barba só no queixo. Passado uns dias viu-o novamente, já barbeado, e diante da esposa desse ex-amigo, disse: "ficas melhógue assim do que com aquela pêga". Terminaram o casamento naquele momento, sem hipótese de reconciliação.
O Zé vivia triste. Eram inúmeros os boatos sobre si. Um dos mais recentes foi que o Zé teria falta de higiene aliado a algum problema que lhe motivava a incontinência fecal e, por isso, ninguém lhe dava boleia. Isto tudo porque, quando foi convidado para o aniversário da Cristiana, lhe perguntaram:
- Como é que vais para a festa?
Ao que ele terá respondido:
- Cago! - Como se não controlasse o esfíncter.
A única vantagem que o Zé via em trocar os R pelos G é que tinha livre trânsito para dizer algumas asneiras, porque parecia sempre que encontrava um ramo de uma árvore gigante, reagindo com espanto: "Ih cagalho!"
Amigos tinha poucos e sabia-o. Talvez por isso tenha decidido refugiar-se mais na família. Dava-se muito bem com os primos e com o tio, apesar de todos eles terem problemas idênticos.
O primo carregava nos R. Embora se entendessem bem, o Zé estava ciente de que isso podia alterar o sentido das frases. É que é completamente diferente ter "areia nas calças" ou dizer "arreia nas calças", porque se um traz o outro deixa.
Também se dava muito bem com a prima e era muito solidário com ela. À luz do que faz a Judite Sousa, também ela substituía os R pelos D e, à conta disto, era apelidada de galdéria pelas suas gentes só por ter emigrado. Quando lhe perguntavam onde é que ganhava a vida, ela respondia:
- Foda!
Tentando dar a entender que tinha ido para fora, com o intuito de arranjar melhores condições de vida.
O tio do Zé, preocupado com a situação de todos, decidiu que deveriam ir de férias para tentarem desanuviar a cabeça. O grande problema é que, também ele tem um distúrbio na fala, trocando os R pelos L. Decidiu marcar uma semana de férias em Faro. O que é certo é que acabaram todos nas Caldas a eructar a barro de artesão.
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