Há quem deixe de comer glúten porque o organismo o rejeita ou não o digere facilmente, mas há também quem o faça somente porque acredita que está a fazer uma dieta mais sã e saudável.
Mas será esta uma escolha realmente saudável e efetivamente segura e recomendável? Fomos à procura de respostas para perceber melhor o fenómeno.
Até há bem pouco tempo, a palavra glúten era familiar apenas para os doentes celíacos, pessoas que não conseguem digerir esta proteína presente no trigo, centeio e cevada e, portanto, com grandes limitações na sua dieta. Para a maioria das pessoas, o assunto estava longe de ser relevante.
Hoje em dia, o glúten está na ordem do dia e há quem escolha eliminá-lo da alimentação pelos seus eventuais efeitos nocivos para a saúde, mesmo aqueles que o conseguem digerir. É o caso de Pedro que, aos 38 anos, optou por eliminar todos os alimentos compostos por glúten da sua dieta, não por ser celíaco ou por ter uma intolerância comprovada, apenas porque, lá em casa, viu a mulher Sandra a fazê-lo, por recomendação do seu nutricionista, e Pedro quis acompanhá-la nessa mudança.
Ele garante que, sem glúten, se sente «muito, muito melhor». «A sensação de enfartamento e o inchaço abdominal que sentia após as refeições desapareceu por completo e o trânsito intestinal melhorou muito. Mas não sou celíaco nem intolerante, pelo menos que eu saiba», refere ainda, adiantando que, apesar de não ter nenhuma reacção adversa comprovada ao glúten, é esta a dieta que pretende manter.
Um novo paradigma
Se antes a dieta sem glúten era uma recomendação exclusivamente médica que surgia após o diagnóstico de doença celíaca, hoje já não. «Ultimamente, têm aparecido cada vez mais casos de pacientes a procurarem a consulta de nutrição com a finalidade de excluir o glúten das sua dietas alimentares», confirma a nutricionista Sara Félix. Os motivos que os levam até ali são vários.
Embora o diagnóstico de doença celíaca esteja no topo da lista dos motivos mais comuns, não é o único. «Não é bem a motivação que os conduz à consulta e a excluir o glúten, mas sim o facto de terem de fazer uma dieta isenta de glúten para o resto da vida», explica ainda esta especialista.
Há também quem procure um nutricionista porque apresenta sinto-mas indesejáveis como desconforto abdominal, flatulência, náuseas, obstipação ou diarreia, sensação de enfartamento, entre outros, e, como ouviram falar dos benefícios de uma dieta glúten free, querem fazê-la. Outros porque, erradamente, consideram esta uma dieta viável e eficaz para emagrecer ou até, simplesmente, mais saudável e equilibrada.
Quando deve (mesmo) eliminar o glúten?
Apesar desta recente «febre anti-glúten», como já a caracterizam, a sua exclusão total ou parcial da alimentação não é recomendada, nem surte efeitos positivos em todos os casos. Cada caso é um caso e deverá ser avaliado, de forma personalizada, junto de um especialista. Para a nutricionista Sara Félix, só faz sentido excluir o glúten em duas situações.
«Após a confirmação do diagnóstico de doença celíaca e, nesses casos, a sua exclusão tem mesmo de ser total. E em doentes que manifestem intolerância, alergia ou sensibilidade marcada ao glúten [existem testes médicos que permitem detetar estas situações clínicas] e que ao excluírem este ingrediente da sua alimentação revelam um alívio enorme dos sintomas associados ao seu consumo, melhorando consideravelmente a seu estado nutricional, saúde e qualidade de vida.
E, nestes casos, a eliminação do glúten até poderá ser apenas parcial e/ou temporária, como muitas vezes sucede. Porque existem casos que não obrigam a uma exclusão total e definitiva. «Tudo deve ser conversado com o doente e feito com o apoio e conhecimento do médico assistente», sublinha ainda a especialista.
Os benefícios de excluir o glúten
Para as pessoas que apresentem intolerância ou sensibilidade marcada ao glúten, os benefícios passam pelo alívio de sintomas indesejáveis que o glúten causa. Desconforto abdominal, flatulência, náuseas, obstipação ou diarreia e sensação de enfartamento são os mais comuns. Sara Félix diz que «após redução da ingestão de glúten, os seus pacientes sentem-se com mais energia e têm menos compulsão alimentar».
«Notam uma diminuição da flatulência, menor distensão abdominal e uma diminuição da sensação de enfartamento», acrescenta ainda. A perda de peso é também um dos efeitos secundários. No entanto, não pode ser considerado um benefício. Sara Félix alerta que «retirar o glúten da alimentação com a finalidade exclusiva de emagrecer não é uma forma nem eficaz nem saudável e muito menos sustentável de perda de peso».
Para quem procura fazer uma dieta sem glúten, a nutricionista aconselha alguma prudência numa fase inicial. «Procure a ajuda de um especialista que a ajude a fazer essa viagem da forma mais correta e sustentada possível. Devem ser fornecidas alternativas saudáveis e fáceis de executar, bem como um acompanhamento personalizado», aconselha mesmo.
É uma boa dieta para emagrecer?
Não há evidência científica de que tirar o glúten emagreça e nem que esteja relacionado com a obesidade, como também não há provas de que eliminá-lo reduza a circunferência abdominal. A perda de peso acaba por ser um efeito secundário inerente a este tipo de dieta por um motivo muito claro e simples, como sublinha a especialista.
«Ao reduzirmos o consumo de glúten, que está presente em muitas fontes de hidratos de carbono (muitas vezes simples), alimentos industrializados, cheios de calorias e gorduras, vai haver uma redução automática de calorias e peso (pelo menos, numa fase inicial, porque se eliminaram muitos alimentos que engordavam e foram substituídos por outros mais saudáveis)», explica a nutricionista Sara Félix.
Ao fim ao cabo, um efeito que, segundo a especialista, acaba por ser comum a qualquer outra restrição alimentar. Além disso, Sara Félix alerta ainda para o risco das dietas iôiô e para os produtos sem glúten que, muitas vezes, podem ser falsos saudáveis. «Se não se fizerem as escolhas e/ou substituições certas, bem como um acompanhamento individualizado, primeiro pode emagrecer, mas depois vai, com certeza, engordar. Além disso, alguns dos produtos que se intitulam sem glúten, disponíveis no mercado podem ser muito ricos em calorias», diz.
Os riscos de uma dieta sem glúten
O glúten só deve ser retirado da dieta se houver diagnóstico de doença celíaca, alergia ou sensibilidade ao nutriente. «Em pessoas sem patologia, esta não é uma dieta mais saudável», afirma Sara Félix. Os riscos associados à sua exclusão podem ser vários. «Se a pessoa não tiver atenção à sua dieta e não for bastante cautelosa, uma dieta sem glúten pode ter falta de vitaminas, minerais e fibra, por exemplo», afirma.
«Ao excluirmos o glúten da nossa dieta, há uma maior tendência para uma alimentação mais proteica com prejuízo na ingestão de hidratos de carbono, combustível geral do nosso organismo e fonte importantíssima de vitaminas e minerais. Dietas pobres em hidratos de carbono podem também causar tonturas, cansaço e confusão mental, bem como outros sintomas que interferem negativamente na nossa rotina diária, e destabilizar o equilíbrio dos outros macronutrientes ingeridos», refere a nutricionista.
Mas estes não são os únicos perigos. «Os produtos existentes no mercado sem glúten, tendem a ter um valor nutricional reduzido, revelando frequentemente carência de nutrientes importantes (vitaminas do complexo B, ferro, zinco, magnésio, cálcio, fósforo e fibra). São, muitas vezes, ricos em gordura saturada, colesterol e calorias existindo também o risco de se engordar, além de serem bastante mais onerosos», revela a especialista, alertando ainda para os riscos associados à mudança da rotina alimentar.
«O facto de se mudar radicalmente de dieta também pode fazer com que sejam eliminados muitos alimentos importantes que dantes faziam parte da alimentação do indivíduo, aumentando o risco dedeficiências alimentares», alerta. O melhor caminho a seguir, frisa, mais uma vez a especialista, é o acompanhamento personalizado. «Neste tipo de dietas, há o risco de cair em monotonia e de não se saber fazer a substituição correta. A alimentação deve continuar variada e equilibrada e a orientação de um nutricionista é fundamental».
O que é o glúten?
O glúten é uma proteína complexa e de tamanho grande, formada por duas proteínas menores (gliadina e glutenina) que são as principais proteínas do trigo, da aveia, do centeio e da cevada. Está presente na maior parte dos alimentos que compõem o grupo dos cereais da roda dos alimentos, como o pão, as tostas, as massas, os cereais prontos a comer e as farinhas.
Por que causa intolerância?
Muitos especialistas e investigadores referem que se trata de uma proteína de difícil digestão. O seu elevado conteúdo em prolina faz com que o glúten e as prolaminas relacionadas se tornem resistentes à digestão promovida pelas enzimas gástricas, pancreáticas e do próprio intestino. O desconforto abdominal, flatulência, náuseas, obstipação ou diarreia e sensação de enfartamento são os efeitos indesejáveis mais comuns. Nos doentes celíacos pode causar anemia, fadiga e infertilidade.
Texto: Sofia Cardoso com Sara Félix e Patrícia Almeida Nunes (nutricionista)
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