Durante muito tempo, os aspetos nutricionais não apareceram ligados a esta doença infeciosa. Durante algum tempo, foram até mesmo ignorados e a atenção dirigia-se, unicamente, aos tratamentos farmacológicos. Atualmente, assiste-se ao reconhecimento internacional da importância da nutrição como componente do tratamento das pessoas que vivem com o vírus da imunodeficiência humana (VIH) e com a síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA).
Para ajudar o doente a lutar contra as possíveis doenças oportunistas que possam surgir, "a alimentação é uma aliada imprescindível", afirma Vítor Dauphinet, nutricionista. "Uma nutrição equilibrada reforça o sistema imunitário e eleva os níveis de energia, ajudando assim o organismo a resistir às agressões a que está sujeito. Se se conseguir manter o peso corporal é mais fácil suportar os tratamentos farmacológicos e evitar a desnutrição", refere ainda.
A relação entre a doença e a desnutrição
Nas últimas décadas, houve um envolvimento crescente da comunidade científica em torno desta questão. "A relação entre o VIH e a sida e a desnutrição é uma espécie de carrossel, um ciclo vicioso", sublinha Vítor Dauphinet, nutricionista. "A doença cria um terreno fértil para a desnutrição e esta, por sua vez, irá agravar a doença e também levar a outras alterações metabólicas. Este ciclo não é, no entanto, inevitável, nem irreversível", afirma o nutricionista.
As alterações metabólicas e do estado nutricional que afetam os indivíduos infetados pelo VIH/SIDA têm, por norma, um impacto negativo na morbilidade, mortalidade e qualidade de vida, independentemente de outros fatores de prognóstico. A chamada malnutrição caloricoproteica, vulgarmente denominada wasting syndrome e com a sigla WS, foi um sinal evidente e estigmatizante dos efeitos devastadores da doença no início da epidemia da sida.
"O uso de terapêutica antirretroviral altamente eficaz (HAART) melhorou o estado imunitário dos doentes que têm acesso à medicação e que a toleram, modificando de forma radical o cenário desta epidemia nos países desenvolvidos, graças à reconstituição do sistema imunitário", afiança o nutricionista. Com a sua introdução, assiste-se a uma redução drástica da morbilidade e mortalidade dos indivíduos infetados e a uma redução da severidade do WS.
As alterações metabólicas a ter em conta
Todavia, com a HAART surgiram novas alterações metabólicas com implicações a nível nutricional, tais como "as dislipoproteinemias, a resistência à insulina, intolerância à glucose e as anomalias de distribuição de gordura corporal, também chamada de lipodistrofia", refere Vítor Dauphinet, nutricionista. "As anomalias de distribuição de gordura corporal incluem a acumulação de gordura na região abdominal e o chamado pescoço de búfalo", afirma.
Esse é o "nome também atribuído aos depósitos de gordura na região posterior do pescoço", sublinha. "A causa destas alterações e a sua associação aos antirretrovirais não está completamente conhecida ou compreendida", adverte. Estas alterações refletem-se de forma negativa na qualidade dos infetados e suscitam preocupações pelo risco acrescido de doença cardiovascular e óssea e pelo impacto negativo na adesão à terapêutica. Além disso, a terapia, mesmo quando bem sucedida, não erradica o WS, que continua a ameaçar a vida de muitos indivíduos, apesar de estudos prospetivos mostrarem que a malnutrição associada ao VIH/SIDA não é evitável nem irreversível.
Desta maneira, o aumento da qualidade e da esperança de vida nos indivíduos infetados é, nos dias de hoje, indissociável da implementação correta de cuidados de saúde da vertente da alimentação e da nutrição. "Estes cuidados englobam a educação alimentar, a intervenção nutricional atempada ao nível do internamento e do ambulatório e, em diversos casos, a distribuição de refeições ou alimentos ao domicílio", acrescenta ainda Vítor Dauphinet.
A educação nutricional que (ainda) é preciso fazer
A educação alimentar é outro dos componentes essenciais ao tratamento nutricional dos pacientes com VIH/SIDA. O nutricionista deve explicar-lhes a importância de uma boa nutrição, o que é que esta pode fazer por eles e deve indicar a alimentação que o paciente deve seguir, tendo em conta a idade, o peso e o estádio da doença. "Há que ensinar esses pacientes a comer corretamente, de acordo com as suas condições e necessidades", alerta.
"Pois cada caso é um caso e este processo de intervenção nutricional deve ocorrer o mais precocemente possível para que se possa atingir os melhores resultados", afirma ainda Vítor Dauphinet. As toxinfecções alimentares são igualmente uma questão importante e que se pretende evitar. Os indivíduos que têm o seu sistema imunológico fragilizado são mais propensos a não conseguirem reagir a agressões provenientes de toxinas e de microrganismos.
Estes pacientes são, à partida, um grupo de risco para as toxinfeções alimentares que muitas vezes se verificam, como também têm alertado inúmeros especialistas em todo o mundo. "Muitos desses indivíduos têm microrganismos patogénicos que se instalaram no seu aparelho digestivo e que lhes provocam sintomas como a diarreia e outros problemas gastrintestinais", explica Vítor Dauphinet. "Estes são também fonte de perda de energia, através da gordura que se perde pelas fezes", afirma o nutricionista, acrescentando ainda que esta é uma questão que se pretende evitar e que, para isso, como em tudo, basta seguir uma série de regras básicas.
"É fundamental comer-se alimentos bem cozinhados e não ingerir alimentos mal passados", alerta o especialista. "Deve também ter cuidado com o leite e os ovos, que são alimentos que se alteram com muita facilidade, e reaquecer os alimentos até chegar à fervura. Também se deve ter cuidado com os pratos de risco, pratos que contenham alimentos crus, como o caso do bacalhau à Brás. Deve-se beber apenas água engarrafada quando se viaja", recomenda.
As precauções a ter com o exercício físico
É importante que estes doentes associem exercício físico aos seus programas de manutenção de saúde. O desporto é seguro e não afeta negativamente o sistema imunitário. O exercício é importante para prevenir ou controlar a perda de massa muscular e combater os efeitos da redistribuição de gordura corporal. Todos os VIH positivos que não apresentem uma doença oportunista ativa devem praticar exercício físico, mas nunca de uma maneira exagerada.
E muito menos intensa. O exercício aeróbico e de resistência são algumas das atividades que estes indivíduos podem executar. "O levantamento de pesos é recomendado para manter uma adequada massa muscular, fundamental à sobrevivência e qualidade de vida", sublinha o especialista. "A atividade aeróbica inclui atividades como andar a pé, correr ou nadar, que têm por finalidade fazer trabalhar o coração a um ritmo lento, sem que a pessoa fique ofegante", diz.
"Se tiver acumulação de gordura na região abdominal, a atividade aeróbica pode ajudar a queimar essa gordura aí acumulada", explica. Além da alimentação, existem ainda cuidados acrescidos a ter com a gestão dos medicamentos que se tomam. O ideal é acompanhá-los sempre com comida para aumentar a tolerância aos fármacos e reduzir os efeitos secundários que muitos deles tendem, por norma, a apresentar. Podem, contudo, haver restrições.
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