A diabetes é uma doença que atinge cerca de 13% da população portuguesa. Hoje, graças ao progresso nos cuidados e controlo da doença, uma pessoa com diabetes tem uma esperança de vida cada vez maior, embora com perca de 8 anos de vida saudável. Se, por um lado, a tendência é para que pessoas com diabetes atinjam idades de sobrevivência cada vez maiores, por outro, uma maior longevidade de vida com diabetes aumenta a probabilidade de desenvolvimento das complicações a ela associadas, das quais o pé diabético é das mais complicadas. Acrescentemos ainda que ao aparecer em idades mais jovens, mais anos ainda viverão com diabetes.
Para evitar amputações dos membros inferiores, atingindo ainda 3 pessoas por dia, por motivo de diabetes, é necessário implementar um sistema organizado e articulado que dê resposta às diferentes fases de evolução do pé diabético, ou seja, a prevenção, o diagnóstico precoce, o tratamento da úlcera e da falta de circulação e, por fim, a reabilitação.
Só a observação não é suficiente, é preciso avaliar o risco de amputação do pé. Após esta classificação, é preciso orientar a vigilância e os cuidados que os pés têm que ter. Exceptuando alguns Hospitais dispersos pelo país e a Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (APDP), em Lisboa, não existem consultas de pé que integrem as especialidades indispensáveis a uma abordagem multidisciplinar ao pé diabético. Sem esta resposta integrada o pé diabético continua a ser direcionado para listas de espera de consultas de cirurgia vascular ou de ortopedia, sem uma resposta de prevenção de amputação adequada.
O projeto que a APDP desenvolveu no último ano no Alentejo foi a resposta a um desafio da Direção Geral da Saúde, lançado para dar resposta ao número de amputações que existem nesta região. Atualmente, o pé diabético é a causa de mais de mil amputações dos membros inferiores e o Alentejo é a região do país com mais amputações por habitante.
O projeto foi desenvolvido em Lares, Centros de Dia e Domicílios dos Concelhos de Alcácer do Sal, Montemor-o-Novo e Vendas Novas. Com o rastreio do pé conseguimos verificar que 82% dos utentes com diabetes das 20 instituições participantes, apresentavam um risco moderado a alto de ulceração, chegando em Alcácer a um risco elevado em 50% das pessoas com diabetes observadas. É uma percentagem demasiado alta para ignorarmos a necessidade premente de cuidados especializados e de proximidade. São situações que, se não tiverem uma atenção especial e um cuidado permanente em relação aos pés, acabarão em amputações.
A equipa da APDP interveio através da realização de rastreios com classificação do risco, de tratamentos necessários aos casos de médio e alto risco e de formação dos cuidadores formais e informais.
Nas instituições participantes a prevalência da diabetes foi de 23,8%, ou seja, uma em cada cinco utentes tem diabetes. Estamos a falar de populações fragilizadas pela idade, pela doença, e que carecem de cuidados permanentes.
No Alentejo em particular, mas não em exclusividade, faltam linhas de comunicação ágeis e eficazes entre os cuidados de saúde e há um problema da referenciação atrasada para os profissionais de saúde especializados no pé diabético. Mas sem a vigilância e os cuidados da família, dos cuidadores dos centros de dia e dos lares, e sem o acesso a profissionais habilitados, não se conseguirá por cobro à catástrofe que são as amputações.
Um artigo de opinião do médico José Manuel Boavida, especialista em Endocrinologia e Presidente da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (APDP).
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