Já se passaram mais de duas semanas desde que foi decretado o final do Estado de Emergência. O que é sinónimo de mais liberdade de movimentos e apenas algumas recomendações a seguir: uso de máscara, manter uma distância de segurança de 2 metros e lavar as mãos regularmente com água e sabão ou desinfetante.
Sim, tudo isto é verdade… Agora quantos portugueses têm receio de sair de casa? O simples acto de abrir a porta do próprio prédio leva a perguntas como:
Será que os puxadores das portas são limpos? E o corrimão das escadas? Quantas pessoas já tocaram hoje nos botões do elevador?
São estes alguns dos pensamentos disruptivos e repetitivos que partilham comigo em sessão e é cada vez maior o número de pessoas que tem medo de sair à rua. A saída à rua implica o seguimento das normas da DGS, porém, para alguns, implica não só isso, mas também uma sensação de constante alerta, mal-estar interior, palpitações fortes no coração, tremores, formigueiros, tensão muscular, dificuldades de concentração, sensação de calor ou frio repentinos… Quem, por livre e espontânea vontade, quer passar por tudo isto? A resposta é simples: Ninguém. Logo as saídas de casa tornam-se cada vez mais escassas até ao ponto de já ser difícil imaginar passar da porta de casa para a rua.
Vamos então desmistificar tudo isto. Sim, o medo do contágio está na origem destes comportamentos, porém, é mais do que isso, é um sentimento geral de insegurança e de extremo perigo. Os pacientes chegam mesmo a relatar a sensação de estar fora da sua zona de conforto. Racionalmente sabem que a rua, o local de trabalho, a padaria são as mesmas como sempre foram, porém a percepção destes lugares mudou. Quando confrontada com o pensamento de sair de casa, a mente associa esses mesmos lugares a uma emoção de medo, desconforto, insegurança e consequentemente de perigo, avaliando a situação como ameaçadora à segurança física ou emocional. Deste modo é então ativada a resposta comportamental de fuga ou evitamento… Ou seja, a pessoa fica em casa.
Sei que não existem soluções mágicas que façam tudo voltar ao normal. Sei também que estas sensações em muito se assemelham a um Ataque de Pânico ou Crise de Ansiedade, levando muitas pessoas a viverem com o sentimento de sobressalto e medo constante o que não é, nem nunca pode ser, a solução.
Então o que fazer?
Em primeiro lugar, é crucial que tenha em mente que tudo isso é normal. Foi normal sentir receio quando lhe pediram que se distanciasse de todos e ficasse em casa, como é igualmente normal esse receio que agora sente quando lhe pedem para regressar ao trabalho e às suas lides diárias.
De seguida, é importante fazer uma gestão de expectativas, isto é, saber de antemão que as suas primeiras saídas não vão, de todo, ser prazerosas, estará preocupado/a e poderá até evidenciar algumas sensações negativas. Porém, não deixe que isso o/a demova… faz parte do processo de reaprendizagem pelo qual está a passar.
É também importante que tenha em mente que nem todos vivem este desconfinamento gradual da mesma forma, o que quer dizer que, por exemplo, alguns dos seus colegas de trabalho podem ser mais relaxados na avaliação do risco e outros fiquem mais tensos e preocupados. Aqui o modus operandi é só um: respeita e sê respeitado/a.
Acredito que a primeira e segunda semanas serão as mais difíceis. Terá novas regras para incorporar, hábitos que terão de ser adaptados e até rotinas simples e mecânicas tornar-se-ão complexas e difíceis. Esta adaptação levará tempo, não se engane. Será uma aprendizagem consciente em que estará mais atento/a a todos os seus movimentos e sentir-se-á mais lento/a e a errar mais vezes (por exemplo, esquecer-se do álcool gel em casa). Porém, após esse período, tudo será mais intuitivo, rápido e consequentemente fácil. Chegado aqui, irá perceber que desinfeta as mãos ou põe a máscara já inconscientemente. O seu coração já não palpita quando precisa de ir ao multibanco e o corpo já não treme com a ideia de visitar um familiar no lar de idosos. Sim, toma todas as precauções recomendadas, simplesmente já não sente aquelas sensações negativas; ocorreu a dissociação da sensação de medo.
Se após duas ou três semanas não sentiu qualquer melhoria de sensações ou, pelo contrário, sente-se mais alerta, preocupado/a e de um modo geral em crise, será melhor, acredito, procurar ajuda psicoterapêutica. Um/a psicoterapeuta irá analisar o seu caso e ajudá-lo/a a libertar-se de tudo o que está a provocar essas sensações de mal-estar. Não recuperará a vida que tinha, mas desta forma poderá construir uma nova vida, onde todos esses recém-adquiridos hábitos e rotinas fazem já parte dela. Como dizia Fernando Pessoa: Primeiro, estranha-se, Depois Entranha-se.
Um artigo de Joana S. Mendes, psicóloga clínica e psicoterapeuta na Clínica da Mente.
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