Heloísa Capelas tinha tudo aquilo com que tinha sonhado. Um casamento com o homem que amava, um emprego estável, uma filha bebé e outra a caminho. Mas, de repente, essa vida desabou quando, aos 20 meses, a primogénita passou a ter convulsões recorrentes e entrou em coma, do qual acordou com uma deficiência mental. "Os tempos seguintes foram muito difíceis e fui destruindo as relações à minha volta", desabafa a terapeuta emocional e oradora, autora do livro "Perdão – A revolução que falta".

"Sentia-me, em simultâneo, vítima e merecedora de todas as dificuldades. Afinal, eu tinha sido a filha problemática, a tal ponto que o meu pai dizia que eu era a maçã podre da caixa. Atribuí toda a situação a um castigo de Deus por tudo aquilo que tinha feito os meus pais passarem. Cobrava muito à minha filha e tinha-me tornado o meu próprio algoz", conta ainda Heloísa Capelas. As coisas só mudaram quando a nossa entrevistada se perdoou a si própria e aos outros. Mas não foi, contudo, fácil.

Só o conseguiu depois de ter feito um curso de autoconhecimento, o processo Hoffman, uma formação que lhe permitiu trabalhar como terapeuta, deixando o emprego que tinha num banco. "Com o perdão, percebi que poderia olhar com outra perspetiva e a minha filha, na altura já com 10 anos, começou a crescer de um ponto de vista inacreditável, porque passou a poder ser o que era sem cobranças. Recasei com o meu próprio marido, tive outros filhos e tornei-me uma ativista do perdão", confidencia.

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Essa mudança fez com escrevesse o livro "Perdão – A revolução que falta", publicado pela editora Matéria-Prima, um instrumento com o qual pretende ensinar a perdoar. Até porque considera que perdoar é sinal de inteligência. Perante o cenário único que a pandemia viral de COVID-19 nos trouxe, talvez faça mais sentido do que nunca falar de perdão. Algumas famílias passaram muito tempo juntas, sentindo falta de estar com outras pessoas, pensando nas que já não viam há muito tempo, muitas delas talvez por causa da falta de um perdão. Mas, mesmo assim, todos sabemos que perdoar não é fácil. Nunca o é. "É preciso assumir e pensar nas coisas, tanto para quem pede perdão como para quem perdoa", defende a terapeuta emocional e oradora motivacional.

"E é por isso que perdoar também é diferente de desculpar", sublinha. "Quando alguém se desculpa, está apenas a tentar afastar a responsabilidade e a dar um rol de justificativas. O perdão é assumir os erros, é autorresponsabilização", defende a terapeuta, especialista de inteligência emocional. Ao perdoarmos, estamos a libertar os outros e a libertar-nos, simultaneamente, a nós próprios, mas atenção, como ressalva Heloísa Capelas, perdoar não é forçosamente um ato de bondade.

"É uma questão de inteligência, porque quem não perdoa carrega uma dor e o outro, o que a causou, continua bem", refere a especialista. Na opinião da terapeuta, tudo, sem exceção, é perdoável. Podem haver situações mais facilmente perdoáveis do que outras, mas, na visão da terapeuta e oradora, "tudo pode ser perdoado". "Já vi pais serem perdoados pelos filhos que abandonaram no lixo e até pessoas a perdoarem violadores, porque é uma liberdade muito grande", exemplifica Heloísa Capelas.

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Se bem que, como acrescenta a especialista, "muitas vezes, essas pessoas precisam de ir ao limite da sua vitimização e só depois é que conseguem dar a volta e esse é o grande poder da inteligência emocional". "O perdão tem de partir de nós mesmos, não o podemos esperar do outro", avisa ainda. Perdoar não é, todavia, sinónimo de alterações no(s) outro(s). "As mudanças acontecem em nós e contribuem para o nosso bem-estar. Quando digo que até os assassinos e violadores podem ter perdão, não digo que o merecem, mas a vítima pode perdoar e libertar-se de toda a raiva e sede de vingança que tem", esclarece. "Quando ficamos fechados na dor, entramos num ciclo vicioso", acrescenta ainda a autora da obra "Perdão – A revolução que falta".

Perdoar também não é esquecer mas, sim, enfrentar as situações. E o que é que nos pode impedir de perdoar? Os preconceitos, que muitas das vezes toldam o nosso discernimento. "Os nossos sistemas de crenças e a nossa necessidade de termos sempre razão", refere a terapeuta de inteligência emocional. "Quando tudo aconteceu com a minha filha e eu achava que a culpa era minha, nunca perguntei a Deus porque é que aquilo estava a acontecer comigo, apenas o que é que faço agora", recorda.

"Achava que algo assim só podia acontecer comigo e não a com a minha irmã, que foi uma excelente filha", conta Heloísa Capelas. Pela experiência que tem, a terapeuta diz que o sentimento de culpa é muito comum e até as vítimas de violação o têm. "Dizem que são culpadas por não terem conseguido impedir esse abuso e é esse pensamento que tem de ser alterado. Também elas têm de se perdoar para conseguirem seguir em frente", defende. A raiva é um sentimento comum e tem de ser expressada.

Heloísa Capelas acredita, contudo, que podemos fazê-lo "de forma terapêutica quando corremos, cantamos, fazemos boxe ou nadamos", considera. "Temos é de colocar essa intenção nessas atividades, olhar para nós próprios e fazer o caminho de volta à compaixão. Se o fizermos, a sede de vingança diminui", assegura a terapeuta emocional e oradora. Para o conseguirmos, é preciso reconhecer as mágoas que temos. Não só as mais profundas como também as que parecem menos importantes.

O imperativo de partilhar a dor

Outra parte relevante é reconhecer as culpas que podemos ter na situação em causa, ainda que, ao fazê-lo, devamos evitar a autocrítica. "Quando se identificam as mágoas, pode haver tendência para se criticar em exagero. Não vale a pena, senão não vai conseguir lidar com essas mágoas", recomenda Heloísa Capelas. "Para além disso, é importante perceber que os factos e as pessoas não podem ser mudados, mas a forma como lida com eles, sim, essa pode", defende a terapeuta e oradora.

Partilhar com alguém o que está a sentir, focando-se, todavia, sempre na sua mágoa e não no outro e na crítica é outra das recomendações. "Coloque-se no lugar do outro. Perceber o que pode ter levado uma pessoa a fazer determinada ação é muito importante, tal como é essencial perceber que os outros desconhecem as suas expetativas. Perdoe-se a si e ao outro. Vai libertar-se da mágoa que tinha, do sentimento de culpa que poderia carregar e vai sentir-se muito melhor", garante.

Texto: Rita Caetano com Heloísa Capelas, terapeuta emocional e oradora, autora de "Perdão – A revolução que falta"