Quantas vezes já falámos sobre como deveria ser o nosso corpo ou até como deveria ser o de outra mulher? Afirmações como "Ela tem pouco peito", "Ele é muito magro" ou "Ela está um pouco mais gorda" fazem parte do nosso universo e, normalmente, surgem de forma praticamente inconsciente. Mas quem é que impôs à mulher e ao homem um padrão de beleza ideal? Há uma pressão maior por parte da sociedade em relação ao corpo feminino que não existe, por exemplo, com o seu intelecto ou com os homens.

Ou existe menos. Parece que uma boa imagem é a única coisa de que a mulher precisa para que possa estar bem consigo própria. Por outro lado, estamos constantemente a falar de aceitação. Chegou, por isso, a hora de se encontrar um equilíbrio. O desafio não é fácil mas as demandas dos novos tempos assim o exigem. "É importante que ganhemos a consciência de que os nossos corpos não estão destinados à perfeição", defende mesmo Helena Morais Cardoso, psicóloga e terapeuta especializada em amor-próprio.

É preciso mudar o paradigma. "Body positivity [positividade corporal] é, para mim, conviver em paz, com a minha humanidade e com a ausência de perfeição que há em mim. Afinal, quem é perfeito?", questiona a especialista. Aprender a gostar do nosso corpo, tal como ele é, independentemente do nosso género, pode não ser tarefa fácil. Por norma, na verdade, nunca o é. Quem nos roubou a autoestima e como podemos fomentar o positivismo relativamente ao nosso corpo com o peso e medida que merece?

Deixe de lado a comparação

O ser humano tem a eterna necessidade de pertencer e de identificar-se, de alguma forma, com o outro e com o que o rodeia. O problema surge quando este desejo é dominado por pertencer a um grupo que depende muito da imagem. "Se a nossa autoestima depender muito de um registo mais superficial, corremos o risco de pertencer a grupos onde confundo aquilo que é útil com aquilo que é fútil", alerta o psiquiatra e psicoterapeuta Vítor Cotovio, habituado a lidar com este tipo de inseguranças.

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Nesta situação, o importante é tentar perceber que "o grupo com que me identifico não me esgota como pessoa", acrescenta o especialista. Este desejo de ser o outro está a fazer com que jovens e adolescentes procurem mudar a sua imagem, recorrendo cada vez mais a cirurgias plásticas. "Hoje em dia, há uma procura enorme de técnicas, a meu ver exagerada, por raparigas que desejam aumentar os lábios, os seios e fazer lipoaspirações. Isto está muito relacionado com a pressão que os media fazem na criação destes estereótipos de beleza", afirmou publicamente o cirurgião plástico Francisco Ibérico Nogueira numa conferência da Deco.

Apesar de não defender que raparigas muito novas, ainda em fase de crescimento, sejam submetidas a cirurgias plásticas, o médico afirma que, nalgumas situações, também não podemos ser muito radicais. Tem de haver aqui algum bom senso e também algum acompanhamento psicológico. É, segundo o cirurgião plástico português, necessário avaliar cada situação junto de um psiquiatra, porque já aconteceram casos em que a cirurgia foi negada e essas jovens acabaram por suicidar-se uns tempos mais tarde.

A este propósito, Vítor Cotovio chama a atenção para a perturbação dismórfica corporal, um distúrbio mental comum que consiste na alteração da perceção do nosso corpo. Normalmente, as pessoas que sofrem desta perturbação têm sempre a sensação de que o seu corpo é desadequado. É o caso das vítimas de anorexia que, por mais magras que estejam, veem sempre refletido no espelho uma silhueta que exibe quilos a mais que, afinal, não têm. Ainda assim, insistem em não se alimentar convenientemente.

Evitar a comparação é o primeiro passo para que aceite o seu corpo e se sinta bem. "Se repararmos, as opiniões negativas que temos em relação ao nosso corpo têm sempre como base alguma comparação, seja porque não somos tão magros ou tão largos como deveríamos ou porque um determinado peito não tem o tamanho certo", sublinha Helena Morais Cardoso. "Todas estas nossas opiniões internas estão ancoradas na comparação", refere ainda a psicóloga e terapeuta especializada em amor-próprio.

Consiga uma autoestima de ferro

Por vezes, achamos que, para gostarmos realmente de nós, só precisamos de perder uns quilos ou de ter outra imagem diferente daquela que estamos habituadas a ver no espelho. Uma questão estética que esconde uma insatisfação constante. Quando a nossa identidade está muito dependente da nossa imagem é porque está pouco sustentada, avisam os especialistas. "É como se a identidade não tivesse um esqueleto interno, mas apenas pele e maquilhagem e só contasse com o aspeto externo", explica Vítor Cotovio.

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Por vezes, ainda de uma forma tendencialmente inconsciente, é a própria sociedade que reflete e incentiva até a sobrevalorização da imagem do indivíduo. A modelo brasileira plus size Letticia Munniz, conhecida pelas suas formas voluptuosas, afirmou, num podcast sobre o positivismo do corpo, que ficou surpreendida com a reação das pessoas ao seu emagrecimento repentino e exagerado depois do falecimento da avó. A manequim conta que os seguidores a elogiaram muito, mesmo estando conscientes de que aquele emagrecimento não aconteceu em condições normais e saudáveis mas, sim, porque estava a passar por uma depressão profunda.

Para se conseguir sobreviver às exigências da sociedade atual, é necessário perceber-se que a identidade não se esgota apenas na imagem, mas que é, na realidade, algo que representa "as nossas caraterísticas globais, a parte física, psicológica, social e cultural", refere o psiquiatra. Por isso, "é urgente relembrar que a nossa imagem tem somente a importância que nós lhe dermos, sendo bastante limitador reduzir a nossa autoestima a uma só área da nossa identidade", afirma também a psicóloga Helena Morais Cardoso.

Faça as pazes com o seu corpo

De pequenino é que se vai moldando o menino, readaptando um popular provérbio português. Termos uma atitude positiva com o corpo deve começar logo enquanto somos crianças. Vítor Cotovio defende que os pais e os formadores têm a obrigação de ir trabalhando essa autoestima e incentivar uma alimentação saudável e a prática do exercício físico desde cedo. O principal desafio para quem tem dificuldades em aceitar o seu corpo é, como se constata mais tarde, conseguir neutralizar a sua imagem.

"Aceitar algum atributo nosso é estarmos em paz com esse mesmo atributo, não passa propriamente por gostarmos automaticamente dessa parte de nós", explica Helena Morais Cardoso. O erro que normalmente se comete é "ir de um lugar de body hate [ódio corporal] em que não gostamos nada das nossas pernas para o aposto, uma afirmação de que as adoramos", acrescenta a terapeuta. Este é um processo que primeiro precisa de ser neutralizado para que depois se possa construir uma imagem corporal positiva.

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Além de ser necessário relativizarmos a nossa própria imagem, este é um trabalho que deve ser feito de forma a estimular essa consciência nos outros, "elogiando atributos da personalidade do outro, descobrindo dons e talentos e reforçando outras áreas da sua identidade", exemplifica Helena Morais Cardoso. Por outro lado, é necessário celebrar a normalidade e deixar de seguir o ideal de perfeição inatingível. "Felizmente, os media começam a despertar para esta questão e trazem-nos cada vez mais exemplos de corpos normais", afirma a especialista. Pouco antes do início da década de 2020, deu-se um avanço nesse sentido que importa registar.

A rede social Instagram, uma das mais usadas, informou que vai aplicar restrições de idades a publicações que promovam produtos para perder peso e cirurgias estéticas a menores de 18 anos. Em alguns casos, também poderão ser eliminadas publicações que prometem resultados milagrosos e que estejam associados a uma oferta comercial. Um pouco por todo o mundo, outras plataformas têm vindo a seguir-lhe o exemplo, mas continuam, no entanto, a existir formas de promover e até valorizar esses conceitos.

Ainda assim, apesar do longo caminho que ainda há a percorrer, registam-se avanços no que se refere à normalidade corporal, uma definição que abrange todos os tipos de corpos, de todos os tamanhos e estruturas, como o positivismo corporal defende. "É através da banalização daquilo que não é perfeito que atenuamos a comparação e deixamos de nos sentir tão insuficientes, para passarmos a ter mais sentimentos de aceitação e adequação. Em nós e nos outros", afirma a terapeuta Helena Morais Cardoso.

Texto: Vanessa Pina Santos