O número de pessoas que optam por viver sozinhas, umas por opção e outras por imperativos da vida, está a aumentar. A tendência tem provocado mudanças na oferta de (novos) serviços, do alojamento às viagens, passando pelos produtos de supermercado, ao mesmo tempo que lança um desafio para o futuro. Como criar redes de apoio para uma futura geração de idosos sós? Esta é uma das perguntas que já começam a exigir respostas…
As imagens de Bridget Jones, interpretada pela atriz Renée Zellweger, a cantar «All by Myself» em pijama no seu apartamento ou do protagonista do filme «About a Boy», Hugh Grant, a dividir o tempo em unidades de 30 minutos para enganar a solidão, estão fora de moda. Viver sozinho é cada vez mais uma tendência, sobretudo nos países mais desenvolvidos. De acordo com os Censos de 2011, 8,2 por cento da população residente em Portugal vive sozinha, num número que duplicou nos últimos 20 anos.
Ainda estamos longe da realidade vivida em países como a Alemanha, a Holanda ou a Suécia, onde a percentagem de pessoas que vivem sozinhas ultrapassa os 16 por cento, mas, mesmo assim, o número duplicou nos últimos 20 anos. O paradigma tem vindo a mudar mas a nova realidade já levanta interrogações para as quais ainda não existem muitas respostas.
Luxo ou necessidade?
Cristina Joanaz de Melo, 46 anos, historiadora, tal como Artur Cabral, 37, fotógrafo e arquiteto de formação, fazem parte do grupo que registou um maior aumento de solitários em Portugal. A faixa etária entre os 30 e os 49 anos, que representa 24 por cento das residências unipessoais. Bolseira de investigação no Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, na área da história do ambiente, Cristina Joanaz de Melo vive sozinha há 18 anos.
A primeira vez que saiu de casa dois pais foi entre os 26 e 28 anos. «Estava a fazer a tese de mestrado e vivia com três pessoas, que me interrompiam de 30 em 30 minutos para saber, simpaticamente, se precisava de um chá, de alguma coisa da rua», recorda. Foi para uma casa de família na Costa da Caparica e percebeu que gostava muito de viver sozinha.
«Foi das alturas em que tive melhor qualidade de vida», garante. «Fazia o que me dava na gana», recorda. Partiu depois para Florença, em Itália, onde fez o doutoramento. Aí viveu alguns anos com companheiros de apartamento, mas acabou por se fartar e ir viver sozinha. Ainda estava no estrangeiro quando, em 2003, comprou a casa onde hoje [2016] mora, em Carcavelos.
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A possibilidade de viver sem qualquer limitação
Como bolseira, Cristina Joanaz de Melo tem um futuro incerto, mas o «otimismo empedernido» que a caracteriza, como o descreve, impede-a de se preocupar em demasia. Se vier a ser preciso, não terá problemas em vender a casa onde está e arrendar uma outra. E se viver sozinha é, para a historiadora, um luxo. «Faço o que quero», desabafa.
«Faço o que quero, como quero e ainda viajo duas vezes por ano, quando aproveito a ida a congressos para fazer férias», acrescenta ainda. Não é, contudo, fundamentalista. Não é obrigatório que assim permaneça. «Se vier a ter uma relação com pés e cabeça terei todo o gosto em viver com alguém», diz Cristina Joanaz de Melo.
Artur Cabral vive sozinho há oito anos. No final de uma relação longa, durante a qual continuara a viver com os pais, decidiu comprar casa. Para a decisão também contribuiu o facto de, na altura, estar a trabalhar de forma estável num gabinete de arquitetura. «Eu já via casas há uns cinco ou seis anos, mas não tinha surgido oportunidade», confessa.
A casa ideal
Sem orçamento para comprar uma casa em Lisboa, escolheu Almada para viver. «A casa estava velha, desabitada há 18 anos, cheia de livros e coisas velhas empacotadas, com divisões pequenas, pintadas uma de cada cor», relembra. Mas, quando a agência imobiliária lhe enviou a planta do apartamento, Artur Cabral começou a rabiscar por cima e a criar uma casa ideal para o seu estilo de vida. “A adaptação foi fácil», diz.
«Mas, ao fim de oito anos, confesso que ainda levo semanalmente um saco de roupa para a minha mãe ou a minha avó lavarem”, relata, com um sorriso. Artur Cabral preza a liberdade e a garantia de ter o seu espaço. “Posso fazer o que quero, andar por casa como quero, levantar-me às horas que bem entender…», admite.
«Sou freelancer... A mesa da sala está convertida no meu escritório e a divisão que devia ser o escritório é o quarto da confusão», conta. A parte mais complicada é a financeira. «Já ponderei alugar um dos quartos, mas a vontade de ficar sozinho prevaleceu», admite o fotógrafo, conhecido essencialmente pelo seu trabalho como fotógrafo de street style.
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Sozinhos, sim, mas anti-sociais, nunca!
No livro «Famílias nos Censos – Diversidade e Mudança», o capítulo «Pessoas Sós em Portugal: Evolução e Perfis Sociais» aponta vários fatores que confluem para o cada vez maior número de pessoas a viver sozinhas. «Nos últimos anos, a sociedade tem-se desenvolvido num sentido mais individualista, ou seja, cria-se a necessidade de uma população cada vez mais autónoma», escreveu Cristiana Pereira.
«Alguns estudos sobre este tema referem que as pessoas que vivem sozinhas sentem-no como uma marca de distinção e sucesso. E, por isso, vêem-no como uma forma de investir tempo no seu crescimento pessoal e profissional», afirma a psicóloga clínica da Oficina de Psicologia, para quem este tipo de investimento é necessário, tendo em conta a fragilidade das estruturas familiares e laborais contemporâneas. «Existe cada vez mais a necessidade de as pessoas serem capazes de dependerem delas próprias», salienta.
Sozinhos… mas pouco!
Viver sozinho pode ser fruto de uma escolha ou resultado de contingências, mas está longe de ser sinónimo de isolamento, individualismo ou perda da importância da família. De acordo com Bella de Paulo, psicóloga da Universidade da Califórnia e uma das principais estudiosas da vida em solidão, citada num artigo recente do jornal El País, por norma, os solteiros contactam mais com amigos vizinhos e familiares do que as pessoas casadas.
«Outro conceito erróneo sobre os solteiros é o que os retrata como pessoas que fogem ao compromisso. Muitos deles têm mais tempo livre que dedicam aos amigos, familiares mais velhos ou, inclusivamente, a fazer algum tipo de trabalho social ou voluntário para a comunidade», diz Bella de Paulo. Cristina Joanaz de Melo encaixa neste retrato.
«Ando numa escola de música, a aprender piano, já estive no paddle, tenho o trabalho na paróquia», enumera. A isto, junta o apoio que dá a duas instituições de solidariedade social que trabalham com idosos com deficiência e o acompanhamento que faz da família. Artur Cabral também não dispensa jantares e idas ao cinema com amigos, mas confessa que, nos momentos de maior confusão, é bom ter um refúgio para onde voltar.
Cristiana Pereira também sublinha a diferença entre viver só e sentir-se sozinho. «Viver sozinho e estar sozinho são conceitos frequentemente confundidos», assegura. «Na verdade, há pouca evidência de que o aumento de pessoas que vivem sozinhas é responsável por se sentirem sozinhas», acrescenta ainda a especialista.
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O peso das mulheres
No universo dos solitários, são as mulheres que estão em maioria. Por cá, de acordo com os números dos Censos de 2011, elas representam 62,9 por cento das pessoas que vivem sós. Uma situação em tudo semelhante à vivida em Espanha, onde o número de mulheres solteiras cresceu 2,6 por cento em 2015, mas ainda muito distante da realidade norte-americana.
Nos Estados Unidos da América, apenas 20 por cento das mulheres entre os 18 e os 29 anos estão casadas. Em 1960, eram 60 por cento, uma diferença abismal. Hoje, representam um grupo que muitos creem pode vir a ser determinante nas próximas eleições presidenciais.
Com temáticas como o pagamento das licenças de apoio à família, melhores sistemas de saúde, financiamento público do ensino ou os direitos reprodutivos a ocupar um lugar importante nas preocupações desta cada vez mais numerosa faixa do eleitorado, os candidatos, à exceção do polémico empresário Donald Trump, apressaram-se a incluí-las nos seus programas.
Novos mercados a explorar
Os políticos não são os únicos a adaptar-se à nova realidade demográfica. Um pouco por todo o mundo, o mercado esforça-se para responder às necessidades de quem vive sozinho. Surgem agências de viagens para solteiros, como a portuguesa Singles Travels, novos espaços de habitação pensados como espaços de co-living, de que é exemplo o londrino Old Oak. E até nas prateleiras dos supermercados é possível assistir à mudança, com um cada vez maior número de embalagens pensado para quem vive sozinho e não para agregados numerosos.
Artur Cabral apercebe-se deste esforço. «Sobretudo nas frutas e legumes já há embalagens com uma ou duas unidades, mas acaba sempre por sair mais caro», diz. O custo é um dos principais desafios para quem vive sozinho e reflete-se também na altura de partir de férias. Artur Cabral viaja com pelo menos uma pessoa.
«Sai mais barato dividir o alojamento», justifica. Ainda assim, procura garantir momentos de isolamento, para fotografar e ter tempo para si. Agrada-lhe a ideia de viajar sozinho, uma vez que acredita que viajaria mais e veria mais coisas, mas tem-lhe faltado a coragem.
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Novas redes precisam-se!
Rosário Mauritti, socióloga e diretora da licenciatura em sociologia do ISCTE, que tem trabalhado as questões da demografia, identifica a proliferação de pessoas sozinhas como fazendo parte de uma tendência longa. «Agravou-se a tendência para que as pessoas acabem por viver, pelo menos alguns períodos da vida, sozinhas numa casa. A experiência que tenho é que são ciclos», explica.
Estes ciclos aparecem ligados à dissolução de uma relação e às alterações vividas no mundo do trabalho, «que tende a ser cada vez mais dissociado da conciliação do trabalho e vida familiar». Contudo, para a socióloga, se não existissem questões económicas a impedi-lo, o número de pessoas sozinhas em Portugal seria ainda maior. O crescimento deste modo de vida poderá trazer algumas surpresas.
«Se estas pessoas permanecerem sozinhas durante muitos anos ou não chegarem a concretizar uma vida em casal e a ter filhos, o grande desafio é a forma como nos vamos organizar, enquanto sociedade, para dar respostas sustentadas de solidariedade intergeracional e garantir que as pessoas sobrevivem com qualidade, sentido de coesão e participação na velhice», alerta.
Para a investigadora a solução passa pelo trabalhar das redes de vizinhança e de tipos de sociabilidade mais bairristas. «A única solução é promover, ao nível local, um sentido de responsabilidade e solidariedade em que o nosso bem depende também do bem estar de todos», afirma Rosário Mauritti.
Texto: Susana Torrão com Luis Batista Gonçalves (edição online)
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