Esteve preso 12 vezes e, a dada altura, viu-se obrigado a partir para o exílio antes de regressar a Portugal, em glória, na fase de transição para a democracia, em 1974. Encabeçou a candidatura a 11 atos eleitorais. Venceu seis e perdeu cinco. Estabeleceu alianças e cultivou afetos mas também assumiu ruturas e divergências. «Soares mostrou-se sempre à frente do seu tempo», considera Joaquim Vieira, autor do livro «Mário Soares - Uma vida», publicado pela editora A Esfera dos Livros em 2013.
«Afinal, não se portava como um político remetido ao seu Olimpo, mas como um português comum, com as suas dúvidas e hesitações, baralhando números e menosprezando estudos, capaz de dialogar de igual para igual tanto com príncipes como com plebeus, relevando da mesma maneira as cerimónias oficiais e os contactos de rua, sorrindo até nas mais diversas circunstâncias, bonacheirão», escreve o biógrafo.
«O bochechas», a alcunha pela qual passou a ser popularmente conhecido a partir de determinada altura, assentou-lhe sempre como uma luva. Muito antes de Marcelo Rebelo de Sousa ser conhecido como «o presidente dos afetos», já Mário Soares, «atencioso, incapaz de dispensar os melhores confortos, um bom almoço ou uma sesta retemperadora», como sublinhou Joaquim Vieira, personificava e materializava o conceito.
«Soares é fixe», usado na primeira campanha à Presidência da República, em 1986, foi um slogan que não só pegou como passou a definir o político, um governante que não convenceu enquanto primeiro-ministro. Apesar de (até) os adversários lhe reconhecerem méritos, o filho do político, professor e pedagogo João Lopes Soares também colecionou rivais e inimigos. «Confesso que nunca gostei muito dele», escreveu Carlos Narciso.
«Sempre o achei demasiado arrogante, algumas vezes mal educado», assumiu o jornalista, numa publicação que fez no Facebook, pouco após a notícia do internamento de Mário Soares, em dezembro de 2016. «Mas, enfim, acho que teve um papel fundamental para a democracia portuguesa e isso compensa tudo o resto», assegura, relembrando um episódio em que, enquanto candidato, este se recusou a responder a uma pergunta do então repórter.
«Não gostei mas, ainda assim, acabei por votar nele», revela. «Se bem me lembro, votei nele duas vezes. Em 1986 e em 2006. Na primeira vez, votei por convicção. Na segunda, por exclusão de partes mas, também, pelo respeito que me merecia este mais velho, ainda lutador aos 81 anos», justifica Carlos Narciso. «Ninguém é perfeito e Soares também não. Mas foi só o político mais notável [no] pós 25 de abril , quer se goste ou não», comentou Luis Filipe Fonseca.
Mesmo na última grande derrota eleitoral, em 2006, à semelhança da postura de vida que sempre adotou, Mário Soares nunca perdeu a capacidade de relativizar as adversidades. «Sempre tive a perspetiva de que nas coisas más há sempre algo de bom. Mesmo quanto estive preso, deportado, exilado (...) Nunca fui dado, felizmente, a depressões. Todos os dias tenho a sensação, quando me levanto, que é um dia novo para viver», dizia.
«E eu gosto da vida e de viver», desabafou um dia, com o ar sereno e tranquilo que o caracterizava. Mário Alberto Nobre Lopes Soares, o segundo filho do professor e antigo sacerdote João Lopes Soares e de Elisa Nobre Baptista, proprietária de uma pensão na Rua Ivens, natural de Santarém, nasceu a 7 de dezembro de 1924, em Lisboa. Morreu a 7 de janeiro de 2017, depois de internado em coma profundo. Tinha 92 anos.
Texto: Luis Batista Gonçalves
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