Quando saímos em viagem levamos um propósito. No seu caso, o que levou a Carla Rocha a empreender uma viagem a 12 países? No propósito que levou para esta sua viagem, sublinha que foi na “busca dos Superpoderes da Comunicação”.

Sim, acredito que a comunicação é um superpoder que todos temos para melhorar as nossas relações. As escolhas que fazemos sobre o que dizemos, ou escrevemos, e como o fazemos, afetam as pessoas com quem interagimos, contribuem para o seu estado de espírito e até para a forma como vão encarar o seu dia. No Ocidente tendemos a viver acelerados, focados nos resultados, polarizados. A falta de compreensão ou de empatia entre as pessoas a que, por vezes, assistimos é um espelho dessa realidade. Ao viajar para estes países, grande parte deles no continente asiático, quis perceber como é a comunicação em culturas e contextos diferentes dos nossos. O objetivo era observar e documentar para depois incorporar essas aprendizagens nos programas de formação da minha empresa, a Carla Rocha Comunicação.

É o que pretendo fazer este ano. Aliás, já o estou a fazer: partilhar as histórias e as lições que trouxe da viagem em empresas, com líderes e equipas, com o intuito de os inspirar e capacitar para usarem a comunicação como meio de criar pontes, resolver conflitos e promover um entendimento entre todos, por muito diferentes que sejam as perspetivas e motivações.

A locutora de rádio Carla Rocha deu a volta ao mundo. “Juntos podemos ir mais longe, não obstante as diferenças”
A locutora de rádio Carla Rocha deu a volta ao mundo. “Juntos podemos ir mais longe, não obstante as diferenças” Carla Rocha. créditos: Divulgação

Do périplo que fez, percebe-se, como referiu, o seu interesse na visita a países asiáticos. Porquê?

Escolhi estes países com base na sua diversidade e riqueza cultural, para poder ver e entender como diferentes contextos moldam a forma como nos expressamos e nos conectamos. Muitos destes países asiáticos vivem grandes desafios sociais, políticos e económicos e têm cicatrizes profundas. A comunicação pode aproximar e reforçar as relações humanas quando os contextos são assim tão adversos? Esta era uma questão que também levava comigo e pude comprovar que sim, a comunicação une e fortalece.

A Carla procurou a relação entre comunicação e bem-estar. De que forma se articulam estas duas realidades?

A forma como as pessoas comunicam umas com as outras pode fazê-las sentirem-se bem ou pode ser destrutiva – da autoestima e da confiança. Uma comunicação atenta, próxima e cuidadosa nas palavras – é importante lembrar que podemos discordar sem ser desagradáveis –, que assenta na escuta e na curiosidade de perceber como o outro está - quantas vezes perguntamos a alguém se está tudo bem, mas não ficamos verdadeiramente para ouvir a resposta? –, uma comunicação que é honesta, cria um terreno fértil para que as pessoas se sintam bem e queiram permanecer com quem e onde estão.

Nos países que visitei, sobretudo nos países asiáticos, observei que a comunicação é centrada na empatia e na compaixão e promove um maior sentido de comunidade e apoio mútuo, o que contribui para um ambiente de bem-estar. Tudo isto, apesar dos desafios que as pessoas vivem no seu dia a dia.

Nesta sua viagem, a Carla falou com dezenas de pessoas. Há alguma conversa que a tenha tocado particularmente?

Uma das conversas que mais me marcou aconteceu a 2800 metros de altitude, num mosteiro budista onde a contemplação, o recolhimento e o silêncio imperam. Foi no Mosteiro de Talo, no Butão, com a Nima, uma jovem que decidiu ir para lá porque precisava de aprender a controlar as suas emoções. Antes, a Nima tinha muitos conflitos. Está lá há seis anos, é monja. Contou-me que se sente mais feliz agora, do que antes de ir para o mosteiro. Encontrou a estabilidade emocional que precisava para se sentir bem.

Esta conversa tocou-me e durante muito tempo fiquei a pensar que aquela jovem monja que tem agora 26 anos foi a um extremo, ela decidiu isolar-se para conseguir um maior equilibro emocional. E perguntei-me o que faço eu, o que fazemos nós, ou o que estamos dispostos a ceder, para alcançar uma maior serenidade em momentos tumultuosos, em situações de tensão ou conflito iminente com outras pessoas, nas nossas casas ou locais de trabalho. Precisamos de mais reflexões e menos reflexos.

Em Istambul, na Turquia, conheceu Yasemin İnceoğlu. Porque quis encontrar-se com esta mulher? O que lhe transmitiu Yasemin?

Nesta viagem tive muitas conversas espontâneas, com pessoas que conhecia nos lugares por onde passava ou com quem me cruzava no avião. Outras conversas, poucas, foram previamente combinadas, como foi o caso da Yasemin. Ela é professora de comunicação, agora reformada, embora continue a dar palestras em universidades de todo o mundo. Temos isso em comum. Trocámos mensagens antes de eu viajar para a Turquia e combinámos encontrar-nos para falar sobre este tema que nos apaixona.

A Yasemin esteve sempre muito ligada ao meio académico. É uma mulher que afirmou a sua voz num universo ainda muito masculino. Falou-me sobre os esforços que têm sido feitos no sentido de instituir uma comunicação menos formal nas universidades, como forma de diminuir as barreiras entre alunos e membros da academia e, com isso, criar um ambiente mais propenso à partilha, ao debate de ideias e ao sentido crítico, sem receio de julgamentos. Ambientes onde há uma comunicação aberta são ambientes que promovem também o nosso crescimento e desenvolvimento pessoal.

Na Índia, teve um encontro com a realeza, nomeadamente com Thakur Durga Singhji. Com ele, explorou o tema da cultura das empresas e a comunicação. O que de novo lhe trouxe este homem que não encontramos nos manuais de gestão?

Imaginei mil cenários antes de começar a viagem, mas nunca um que me colocasse na sala de estar de um membro da família real da Índia.

Foi uma conversa extraordinária, com um homem que acredita profundamente na importância do diálogo, do debate e do envolvimento de todos os colaboradores – dos mais jovens aos mais seniores – na tomada de decisão nas empresas. Disse-me que essa era, para ele, a característica principal num líder: saber ouvir e saber considerar outras opiniões, o que nem sempre acontece, segundo ele, por causa do ego. Mas destaco sobretudo esta ideia, quando lhe perguntei qual era o seu superpoder e me respondeu: sorrir e cumprimentar com alegria, um excelente canal de comunicação. Isso não se vê escrito amiúde em artigos ou manuais de liderança e gestão.

No Butão conta-nos um episódio engraçadíssimo, de um monge que contracenou com Brad Pitt... Quer partilhar esta história?

Contracenou com o Brad Pitt sem saber quem ele era e sem imaginar quão famoso seria o filme em que ia entrar.

Conheci este monge quando eu e o guia que me acompanhava subíamos ao Tiger’s Nest, o mosteiro mais sagrado do Butão. A certo ponto da subida, entre um sem fim de escadas e escadinhas, encontrámos um grupo de quatro monges tibetanos e um deles, o mais velho, dirigiu-se a nós gentilmente para nos saudar e convidar a fazermos juntos o resto do percurso. Foi quando me contou que tinha entrado no filme Sete Anos no Tibete e fez questão de me mostrar as fotografias das gravações. Guarda todas no telemóvel!

Isto resultou que à noite, quando cheguei ao hotel, fui rever o filme e lá estava ele, o monge que me tinha acompanhado na subida a Tiger’s Nest e que quase 30 anos antes tinha partilhado o set de filmagens com o Brad Pitt.

Escreve no seu Instagram que “quando cheguei ao Camboja tive vontade de chorar”. Porquê?

Porque apesar de hoje termos acesso a imagens e notícias, a verdade é que não estamos lá. Não sentimos, não vivemos. Mas quando pisamos os lugares onde aconteceram tragédias, quando conhecemos pessoas que as viveram, olhamos nos seus olhos e em redor e observamos as consequências que ainda persistem de algumas atrocidades, torna-se palpável. Não há distanciamento.

Neste país morreram dois milhões de pessoas às mãos dos Khmer Vermelhos, incluindo muitos professores que foram assassinados. Por isso hoje ainda não há professores suficientes no Camboja e a escola tem de funcionar em turnos para dar para todos. O primeiro turno começa às sete da manhã. Soube disto quando notei que ao fim do dia não havia muitas pessoas na rua, perguntei porquê e disseram-me que as crianças se deitam cedo porque começam as aulas cedo.

De forma sucinta, o que trouxe de mais marcante de cada um dos países que visitou, cada um deles marcado pela singularidade?

Na Turquia e na Índia, a importância do diálogo aberto foi uma constante nas conversas que tive. No Nepal observei a resiliência deste povo em reerguer-se após tragédias, e no Butão foi inspirador sentir a paixão com que todos falam do seu país e cultura. Na Tailândia e nas ilhas Fiji há um forte sentido de cooperação e no Laos, a serenidade e a calma dominam o quotidiano (Laos People Don’t Rush, é o que se diz). No Vietname e no Camboja, percebi como a comunicação serve não só para educar e curar, mas também para reconstruir sociedades. Na Austrália e na Nova Zelândia, a ligação com a natureza e o esforço coletivo pela preservação mostram o que é possível realizarmos juntos, e de São Francisco (Estados Unidos) guardo a comunidade de barcos-casa em Sausalito, onde há um forte sentido de comunidade.

Vivemos um mundo conturbado, minado por desinformação, separação entre as pessoas e as comunidades. De certa forma, a viagem que fez trouxe um apelo à unicidade? Há algum elemento comum a todos estes povos que conheceu?

O respeito. Não como fator de distanciamento, mas nesta lógica de “eu respeito-te e por isso quero cuidar ti”. Este respeito e este cuidado para com o outro, senti-o em muitas das conversas que tive e nas relações que presenciei, nas comunidades com quem pude estar. E sim, mostra-nos que juntos podemos ir mais longe, não obstante as diferenças, não obstante os desafios.

Carla, reuniu um enorme acervo com esta viagem. Julgo que estará a meditar sobre aquilo que viu, escutou e sentiu. O que de mais importante trouxe deste périplo de dezenas de milhares de quilómetros?

A convicção reforçada de que a comunicação é realmente um superpoder que nos liga, fortalece e eleva em qualquer parte do globo.