Tendo sido recentemente comemorado o dia dos namorados - no passado dia 14 de fevereiro - vem mesmo a propósito questionarmo-nos sobre o que se considera ser uma relação saudável de namoro.

Nos dias de hoje os jovens consideram que o controle do vestuário, da maquilhagem, do próprio telemóvel e das relações pessoais são uma prova de amor. Será isto normal? Ou falamos nós da existência de estereótipos nas relações de namoro que conduzem a relações violentas?

Existem efetivamente estereótipos enraizados na nossa sociedade que têm legitimado e propiciado a perpetuação da violência, incluindo nas relações de intimidade dos jovens. Atualmente a violência existente nas camadas mais jovens é pautada pelo controlo, pela perseguição, pela violência através das redes sociais, para além da violência física, psicológica e violência sexual que se continua a fazer sentir.

É preciso perceber que a violência no namoro é uma das formas de violência doméstica e constitui também ela uma violação de Direitos Humanos que a geração mais nova legitima.

O que nos leva à inevitável conclusão que pese embora as ações de sensibilização sobre a violência doméstica e o maior acesso a informação não são de todo suficientes para mudar as mentalidades das novas gerações e evitar a instalação da violência.

Continuamos a assistir à propagação da legitimação do recurso à violência, dos conceitos estereotipados de género, do desconhecimento do que significa o direito à igualdade e não discriminação e do próprio direito à integridade pessoal.

O mais recente estudo da UMAR sobre a violência no namoro permite-nos olhar para a triste realidade da prevalência de diversas formas de violência nas relações de namoro e para o não reconhecimento dos comportamentos abusivos entre os jovens, o que é verdadeiramente preocupante no sentido de aspirar uma mudança cultural tradutora do enraizamento de valores básicos de respeito pelos Direitos Humanos.

Este problema estará sempre aliado à ingenuidade, à baixa autoestima, à necessidade de se demonstrar aos outros que se tem um par, bem como, ao replicar de modelos relacionais mais tradicionais, pautados pelo modelo patriarcal ainda enraizado na nossa sociedade em que a posse, controle e ciúme são conotados como amor. Por isso, ouvimos recorrentemente “se ele tem ciúmes é porque gosta de mim”, o que leva à inevitável necessidade das vítimas de provarem que estão na relação por amor, subjugando-se aos abusos.

Apesar da clarividência da problemática, continuamos a assistir a um aumento do número de situações de violência no namoro que é preciso travar através do trabalho da consciencialização sobre esta problemática social.

Pelo que, é preciso apostar na continuação das ações de sensibilização e na importância dos meios de comunicação social na educação para a cidadania e principalmente na inclusão nos currículos escolares da importância da resolução não violenta de conflitos, das questões não estereotipadas de género, do direito à igualdade e não discriminação, o direito à integridade pessoal e do direito à autodeterminação sexual. A escola tem, pois, de ser o contexto primordial de intervenção para a transformação social dos jovens na implementação e desenvolvimento de estratégias pedagógicas que possam prevenir os comportamentos violentos e promover a igualdade, o respeito, a comunicação e as relações saudáveis.

Mas, é também fundamental combater o fenómeno e, para tanto, urge que todos os que têm conhecimento de relações de namoro violentas as denunciem, já que falamos de um crime público. Sabendo que os pais são muitas vezes os últimos a ter conhecimento das relações de namoro abusivas dos filhos, urge apelar para uma maior atenção dos mesmos em relação ao/s comportamento/s dos jovens e denunciar o que percecionam junto das autoridades competentes. Da mesma forma que é preciso dizer aos jovens que podem e devem denunciar todas as situações de que sejam alvo ou que assistam em relação aos seus colegas e amigos e que os professores e demais profissionais na área da educação e saúde também devem denunciar a prática do crime sempre que dele tenham conhecimento, pois, só assim se conseguirão aplicar medidas de proteção para as vítimas e conter os agressores.

A violência não é amor. É crime!

Um artigo de opinião da Advogada Ana Leonor Marciano, especialista em Direitos Humanos, violência de género, violência doméstica, Direitos das crianças.