Desde os tempos mais remotos que os códigos secretos fazem parte das civilizações. Quase em simultâneo com a invenção da escrita, foram igualmente criadas formas dissimuladas de esconder mensagens e de as manter em segredo. No livro 50 Códigos que Mudaram o Mundo (edição Desassossego), o historiador Sinclar McKay explora mensagens ocultas e cifras secretas para narrar uma história humana. Uma obra que convida o leitor a ‘visitar’ templos da Grécia Antiga, a corte de Isabel I, manuscritos antigos cujos códigos labirínticos contêm profecias de perdição.
Como nos relata o autor na introdução que faz ao livro: “Esta é, portanto, uma história paralela do mundo e da palavra escrita. Ela corre, qual rede invisível, pelos quatro cantos do globo, das abundantes areias vermelhas da Rota da Seda às glórias da antiga Pérsia, das estepes geladas da Rússia à opulência imaculada de Washington, em meados do século XX. Estas histórias sobre os inventores das cifras mais diabólicas e os génios que as deslindaram com a sua extraordinária perícia coexistem com muitos dos grandes acontecimentos dos últimos dois ou três mil anos”.
De 50 Códigos que Mudaram o Mundo publicamos o excerto abaixo:
O Tesouro da Atlântida
Certos códigos da Antiguidade são como o monte Evereste: a sua existência é razão de sobra para os decifrar. O simples facto de existirem tem constituído uma provocação e um desafio intelectual ao longo de gerações, abrindo irresistíveis janelas de interpretação sobre períodos do passado distante que de outra forma permaneceriam imersos na obscuridade. Um destes enigmas é o Disco de Festo, um requintado artefacto de argila com mais de dois mil anos coberto por misteriosos símbolos habilidosamente trabalhados, que tem dado azo a inúmeras especulações, incluindo insinuações de que poderia ser a prova da existência da cidade perdida da Atlântida.
O Disco de Festo, um belíssimo achado arqueológico, foi descoberto por Luigi Pernier nas ruínas subterrâneas do palácio de Festo, em Creta, em 1908. O que desde logo chamou a atenção a respeito do disco — que tem aproximadamente 15 centímetros de diâmetro — não foi apenas a sua antiguidade colossal, mas sobretudo a metodologia, aparentemente avançada, subjacente à inscrição dos símbolos nos dois lados da superfície de argila.
Estes símbolos, ou pictogramas, sucedem‑se em torno de uma espiral que se enrola até ao centro do disco. No verso é possível observar um esquema igual. À volta destas animadas espirais foram gravados 242 hieróglifos distintos, os quais compunham 45 sinais diferentes (alguns repetidos). Concluída a gravação dos signos, o barro terá sido levado ao forno para cozer, sem que ao seu criador tenha ocorrido que o objeto continuaria a existir passados quatro mil anos.
O disco só pode ter sido criado graças a uma perícia singular. Os hieróglifos — tal como as letras numa máquina de impressão — terão sido tipos sólidos prensados na argila, de maneira a deixar aí a sua impressão. Todavia, atendendo à dimensão delicada do disco, estes tipos hieroglíficos eram, eles próprios, autênticas maravilhas em miniatura. É pouco provável que a precisão geométrica da disposição sequencial dos símbolos em espiral, em torno de um centro, obedecesse unicamente a princípios ornamentais.
Os diferentes hieróglifos — tanto os que se repetem como os que ocorrem uma única vez — contêm certamente um significado ou uma mensagem coesa. No entanto, ao contrário de outros enigmas da Antiguidade como a Linear B, técnicas de decifração como a análise de frequência não se aplicavam a este caso.
Existia uma semelhança com os hieróglifos dos túmulos egípcios, com os seus inúmeros gatos e figuras humanas representados de perfil. Os do disco diferiam no plano estilístico e também no facto de um grande número de pictogramas remeterem para temas e arquétipos específicos. A par de gatos, cordeiros, pombas e outros animais representados de forma diretamente pictográfica, outros símbolos pareciam remeter para preocupações do presente.
Lado a lado com os pictogramas para “mulher” e “criança” surgia a imagem recorrente de uma cabeça masculina, com o que parecia ser um corte de cabelo de estilo moicano (era, de facto, um elmo com penacho). Havia também a cabeça de um homem tatuado, pictogramas de grilhões e de um homem acorrentado, elmos, manoplas e fundas. No entanto, ao lado destas imagens bélicas surgiam outros sinais mais pacíficos: videiras, lírios e abelhas, associados ao que poderia ter sido a planta de um palácio, uma oficina de carpinteiro, uma colmeia, papiros, um navio e água.
Individualmente, estes pictogramas eram bastante inteligíveis, mas dispostos sequencialmente e em espiral adquiriam um contexto e um significado novos. Qual era a narrativa que levava até ao centro da espiral? E o que eram as barras diagonais que acompanhavam algumas das inscrições? Seriam separadores que indicavam onde terminavam palavras ou frases? Poderia cada um dos pictogramas representar uma palavra ou talvez até uma frase ou oração? E como devia ser lida cada uma das faces do disco? A partir do centro da espiral para o rebordo exterior ou em sentido inverso?
Com o advento da fase tecnológica da arte da criptografia, em meados do século XX, tudo levaria a crer que encriptações como esta fossem relegadas para os recessos mais obscuros e poeirentos da academia. Mas não foi isso o que aconteceu. O que tornava o misterioso Disco de Festo particularmente apetecível e prazeroso era a habilidade técnica aparentemente anacrónica que fora utilizada na sua criação. Centenas de anos antes de terem sido definidos os princípios da impressão, o disco constituía um dos primeiros exemplos de um objeto artístico feito com carateres pré‑fabricados e reutilizáveis, impressos em barro mole e presumivelmente prontos para voltarem a ser usados em todo o tipo de novas configurações.
Faria ele parte da civilização minoica, à semelhança de outros achados codificados? Os símbolos pareciam sugerir que não, embora certos especialistas afirmassem que os pictogramas eram sem dúvida de origem cretense. Outros apontavam para uma forte relação com os hieróglifos da Anatólia, mas, uma vez mais, faltavam as certezas absolutas. Recentemente, o Dr. Gareth Owens preconizou a existência de um elemento religioso, tendo identificado uma referência a Astarte, deusa minoica do amor. No verso há uma referência a outra deusa, esta grávida.
Uma das teorias mais pitorescas suscitadas pelo disco foi a de que, apesar de ter sido descoberto nas ruínas daquele palácio minoico, era já um objeto antigo quando para lá foi levado pelo seu proprietário. O disco seria, então, muito anterior à civilização minoica e fora guardado como uma relíquia de outro tempo. Daí à ideia de que o Disco de Festo podia de facto ser uma reminiscência da civilização da Atlântida, há muito desaparecida, foi um curto passo. Será que a explicação para a pouca ou nenhuma relação entre os pictogramas e outras inscrições misteriosas, como as Lineares A e B, se devia, no essencial, ao facto de provirem de um mundo completamente diferente? A ideia parecia mais próxima de uma fantasia prazerosa do que da realidade concreta. Quão fácil é para o pensamento resvalar para o ubíquo mito mediterrânico de um Grande Dilúvio responsável pelo desaparecimento de culturas!… E, no entanto, a investigação prossegue.
Atualmente, o disco está exposto em lugar de destaque no Museu de Heraklion, em Creta — um mistério fecundo que, ano após ano, parece gerar novas possibilidades. Existe alguma precedência ancestral para discos especiais com significado científico ou religioso. Recentemente, o Museu Britânico expôs um achado deslumbrante da Idade do Bronze oriundo da Alemanha, denominado Disco Celeste de Nebra. À semelhança do Disco de Festo, há nesta relíquia um elemento profundamente emocionante. Neste caso trata‑se de um pequeno círculo de bronze verde‑escuro, ornamentado com pequenas incrustações do Sol e da Lua em fase de quarto crescente, juntamente com outros símbolos minúsculos. Este foi, há muitos milhares de anos, um dos primeiros mapas do firmamento. Na época em que Stonehenge era erigido, um disco como este teria simbolizado a sabedoria e o conhecimento secreto da passagem de ano, dos equinócios e de como os padrões formados pelas estrelas podiam ditar a configuração dos templos e dos túmulos. No entanto, enquanto o Disco Celeste de Nebra é hoje claramente considerado um dos primeiros mapas celestes, o Disco de Festo mantém uma certa indefinição. Por cada teoria apoiada na tradução dos seus símbolos, em notações binárias modernas, há outra que lhe atribui origens mais míticas.
Continua a ser importante como código — e um código indecifrável — porque tais escritos e sinais recordam‑nos que, por maior que seja o nosso conhecimento, há mistérios que nem os computadores mais avançados conseguem desvendar.
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