Algumas horas depois ouvi o meu filho mais novo a dizer a um colaborador (que é como se fosse de família e mesmo que não fosse era igual): "olha que eu sou filho do patrão...". O meu sangue gelou. Chamei-o à cozinha e à razão. Fui dura. Ele defendeu-se como pôde, argumentou que estava só a brincar e reconheceu o erro. Mas nada me consolou.

Afinal como se ensina a humildade? Que lições terei que dar aos únicos dois seres pelos quais sou responsável para que aprendam a nobreza de apenas se orgulharem pelo que eles próprios são? O exemplo será suficiente? O exemplo estará a ser bem dado ou terei que me esforçar mais?

Pouco me importa se o João, aos vinte anos, guiará um Porsche ou um Fiat Punto. Tudo o que quero é que as manifestações do seu ego assentem no facto de ser uma pessoa boa, honrada, justa  e esforçada. Quero que saiba valorizar-se apenas pela sua essência, que terá de saber construir. Quero que se orgulhe de si e das conquistas do seu trabalho. Quero que venha a entender que o valor de cada um não tem raízes  nos bens que possui nem na posição social ou profissional que ocupa e sim na forma dedicada como desenvolve os seus dons e os coloca ao serviço de um Mundo ligeiramente melhor.

Não quero que os meus filhos sejam os filho do patrão nem da patroa. Não quero que sejam os donos disto ou daquilo. Quero que sejam apenas os aventureiros exploradores do seu legado genético e de valores importantes. Quero que percebam que coisas são só coisas e que servem para nos servir e não para nos escravizar a personalidade. Sei que só assim é que, seja qual for a viatura conduzida, não prensarão ninguém contra o passeio com ares de superioridade.

Amanhã falarei de novo com o João para lhe explicar isto tudo. E depois de amanhã. E depois. E depois. E sempre, se preciso for. Desconfio que tudo correrá bem pois conheço o poder das palavras e dos exemplos.

Ana Amorim Dias

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