“Se não fizermos nada, vai levar mais do que um século até conseguirmos alcançar uma sociedade igualitária em género e o preço é muito elevado. A covid-19 atrasou-nos em muito do progresso que tinha sido feito. Depende de nós abordar estas questões”, disse a Magda Robalo Silva numa sessão da Conferência Novafrica 2022 sobre Desenvolvimento Económico, que termina hoje na Nova School of Business & Economics, em Carcavelos, concelho de Cascais.
Em declarações à Lusa à margem da conferência, a ex-ministra da Saúde da Guiné-Bissau citou dados segundo os quais, se a desigualdade de género não for abordada “com políticas que levem à redução da diferença entre os géneros em matéria de liderança, em matéria de rendimento, em várias áreas, mesmo de educação”, vai demorar mais de um século para que a sociedade seja mais equilibrada, com “consequências para o desenvolvimento dos povos”.
A responsável, que foi alta-comissária para a luta contra a covid-19 na Guiné-Bissau, explicou que a pandemia fez “perder ganhos que já estavam adquiridos” em matéria de igualdade de género: Muitas meninas deixaram de ir à escola e provavelmente já não voltam, muitos programas essenciais na área da saúde maternoinfantil sofreram recuos porque o foco estava no coronavírus e o impacto da covid-19 no crescimento económico dos países terá impacto no investimento que os Governos podem fazer em setores como a educação e a saúde, exemplificou.
Na sua intervenção, a guineense lembrou que o setor da saúde é um dos maiores empregadores em todo o mundo e que 70% dos profissionais de saúde são mulheres, mas quando se sobe na cadeia hierárquica das unidades de saúde as mulheres tornam-se mais escassas e nas posições de liderança são menos de um terço.
Recordou que as mulheres são a maioria dos estudantes que entram nas faculdades de medicina, mas depois a hierarquia afunila-se e depois entre os líderes dos grandes hospitais ou entre os decanos de faculdades de medicina as mulheres praticamente desaparecem.
Magda Robalo Silva lembrou que a desigualdade prejudica o desenvolvimento económico e social dos povos, pelo que “é preciso que os países definam políticas e, mais do que definir políticas, que implementem as políticas que façam com que as mulheres possam aceder a posições de decisão”, que permitam que terminem as suas formações e possam trabalhar em domínios que ainda são dominados pelos homens, como as ciências, tecnologias, engenharias ou matemáticas.
“Precisamos de reduzir a diferença de rendimentos entre homem e mulher, que ainda é de 28%, mesmo para mulheres e homens que têm o mesmo papel e que trabalham o mesmo número de horas”, sublinhou.
Sobre a especificidade da desigualdade em África, a guineense disse que as mulheres africanas têm um papel muito importante porque o continente ainda tem “enormes tradições e padrões culturais muito fortes que fazem com que a mulher seja relegada para segundo ou terceiro plano”.
Mas introduziu também a questão da inclusão e da diversidade, sublinhando que, a par da igualdade de género, “é preciso que o mundo também funcione como um espaço diverso, onde grupos étnicos de raças diferentes, de pessoas que vêm de geografias diferentes possam também participar na tomada de decisão a nível mundial”.
“Eu, enquanto africana, gostaria que África pudesse participar nas tomadas de decisão sobre assuntos que nos dizem respeito, mas essa representatividade também ainda não se vê”, afirmou, referindo-se à ausência de países africanos entre os membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas – onde é preciso “quebrar essa hegemonia que foi estabelecida desde a Segunda Guerra Mundial e que já não representa aquilo que o mundo é hoje”, mas não só.
“Também estou a falar das instituições de saúde globais, que, por exemplo, são dominadas por representantes de países de alta renda”, afirmou.
Admitindo que algumas organizações, como a Organização Mundial de Saúde ou a Organização Mundial do Comércio serem lideradas por africanos, Magda Robalo Silca disse que “isso não é suficiente”, porque, apesar de “simbolicamente estas pessoas de origem africana ou de outros países menos desenvolvidos” a liderarem essas instituições, a grande maioria dos dirigentes que tomam as decisões “continuam a ser pessoas de origem dos países mais desenvolvidos”.
“Precisamos que o mundo é, seja um espaço com melhor equilíbrio, maior representatividade de todos os cidadãos que nele residem”, apelou.
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