Contactado pela agência Lusa, Nick Willing, filho de Paula Rego, disse que o quadro, de 1964, é “muito importante” para a pintora, por ter um “significado especial” e por ser uma das obras marcantes do seu percurso artístico.
O pedido formal e fundamentado de classificação tinha sido enviado à Direção-Geral do património Cultural (DGPC) em outubro de 2021, por iniciativa da historiadora de arte Raquel Henriques da Silva, com o apoio da coordenadora da Casa das Histórias Paula Rego, a historiadora Catarina Alfaro.
“Como até agora não houve nenhuma reação da DGPC ao pedido, decidi contactar o ministro da Cultura para interceder nesse sentido”, disse o realizador, que enviou um ´email´ a Pedro Adão e Silva na última semana.
O quadro faz parte de um conjunto de obras que se encontram desaparecidas da coleção de arte de João Rendeiro, o ex-banqueiro encontrado morto a 13 de maio, numa prisão da África do Sul, e que tem a mulher declarada fiel depositária pelas autoridades portuguesas.
Nick Willing está convicto de que “com a classificação, o quadro será mais difícil de vender ou de sair do país”.
“Esta obra é muito importante para a Paula [Rego] e é preciso fazer mais para tentar encontrá-la”, apelou o realizador, autor do documentário “Histórias e Segredos” (2017) sobre a vida da pintora de 87 anos, radicada no Reino Unido e uma das mais importantes artistas portuguesas.
“Os Cães de Barcelona”, com dimensões de 160 centímetros por 185 centímetros, teve como proprietário, em 1988, Francisco Pereira Coutinho, então diretor da Galeria São Mamede, mas passou a estar identificada como pertencente à Coleção João Rendeiro quando foi exposta numa grande retrospetiva da obra da pintora no Museu Rainha Sofia, em Madrid, em 2007, e no National Museum of Women in Arts em Washington, em 2008, segundo a proposta de classificação a que a Lusa teve acesso.
O pedido de classificação de interesse nacional da obra foi enviado ao diretor-geral do Património Cultural, João Carlos Santos, a par de um outro pedido de classificação da pintura “Cabeça Heráldica”, de 1912, de Amadeo de Souza-Cardoso, também desaparecida na mesma coleção do ex-banqueiro, segundo Raquel Henriques da Silva.
A obra de Paula Rego “tem excecional interesse documental, histórico e social, de acordo com a previsão legal”, fundamenta a historiadora no pedido “urgente”, sustentando-o ainda como “testemunho notável de vivências ou factos históricos”, investigação histórica e científica, bem como a memória coletiva.
Apesar de a cena descrita no quadro ser inspirada num acontecimento ocorrido em Espanha, durante o regime político de Franco, Raquel Henriques da Silva sustenta que a obra, do início do percurso artístico de Paula Rego, “remete para a situação política em Portugal”.
Na altura, a artista teve conhecimento por notícias publicadas nos jornais, no Reino Unido, da morte de centenas de pessoas devido ao facto de as autoridades de Barcelona, de modo a erradicarem cães vadios, terem espalhado carne envenenada nas ruas, numa altura em que a fome era uma realidade generalizada.
“Os Cães de Barcelona” foi exibido pela primeira vez em 1964, numa exposição no London Group, uma associação de artistas que apresentava na altura obras de figuras como David Hockney, Frank Auerbach e Michael Andrews, e exibida em Portugal pela primeira vez, no ano seguinte, na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa.
“O Estado deve classificar estas obras porque são fundamentais na História da arte portuguesa”, defendeu a professora jubilada, membro da Secção dos Museus, da Conservação e Restauro e do Património Imaterial do Conselho Nacional de Cultura.
Na opinião de Raquel Henriques da Silva, tanto a pintura de Paula Rego como a de Amadeo de Souza-Cardoso “devem estar escondidos algures” e “não deverão ter saído do país”.
“Os dois quadros são mais importantes e valiosos dentro de Portugal”, sustentou.
Em novembro de 2010, cerca de 120 obras de arte da coleção João Rendeiro foram arrestadas e a mulher do ex-banqueiro acusado de vários crimes foi definida pelas autoridades como a sua fiel depositária.
“Agora com a morte de João Rendeiro decidimos insistir com o pedido de classificação desta pintura de Paula Rego”, reiterou à Lusa Catarina Alfaro, historiadora de arte e especialista na obra da pintora, que também se associou à defesa da classificação como bem de interesse nacional.
Catarina Alfaro recordou que Paula Rego “chegou a tentar comprar a obra” a João Rendeiro, mas o ex-banqueiro “recusou-se a vendê-la”.
A Lusa contactou a DGPC para saber do ponto de situação do pedido de classificação e aguarda uma resposta.
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