O Pedro Andersson escreveu este livro como se endereçasse uma carta a duas pessoas que lhe são muito especiais, os seus filhos. O que quis transmitir nessa carta?
Quero, sobretudo, que não aconteça com os jovens portuguesas aquilo que me aconteceu quando era mais novo. Fui muito bem educado pelos meus pais, que me ensinaram os valores que consideravam ser os mais importantes. Não me faltou nada. Cresci sem luxos numa aldeia no sopé da Serra da Estrela. Mais tarde, vim trabalhar para Lisboa, para o meu primeiro emprego, e descobri que os meus pais me ensinaram tudo sobre valores, menos os valores financeiros. Neste aspeto, o que aprendi com os meus pais foi ver o seu comportamento com o dinheiro. E, o que aprendi, julgo que foi o mesmo que a maioria das pessoas, com expressões como “no poupar é que está o ganho”, “grão a grão enche a galinha o papo”, ou “tens de poupar para dias mais difíceis”. Mas, aspetos do dia a dia, como fazer um orçamento familiar, não me foi ensinado.
Pensemos um pouco. Aquilo que nós, enquanto pais, dizemos aos nossos filhos é: “o dinheiro não cresce nas árvores”. Mas, mais uma vez, estamos perante uma educação financeira baseada na sabedoria popular. Costumo dizer que vivemos na Idade Média no que toca à economia financeira.
Temos de nos perguntar: poupamos com que finalidade? Quais são os nossos objetivos? Como é que podemos traçar um plano?
Porquê?
Porque no passado, no tempo dos reis, a riqueza media-se pelo número de moedas de ouro que havia no baú. Hoje, não saímos do mesmo, do juntar, juntar, juntar. E juntamos mais conforme aquilo conseguimos, ou não, poupar. Temos de nos perguntar: poupamos com que finalidade? Quais são os nossos objetivos? Como é que podemos traçar um plano? Que ferramentas é que temos para fazer render o dinheiro, com capital garantido ou sem capital garantido? Como é que evitamos as burlas? Como é que podemos definir vários objetivos, estabelecer um prazo e ser o mais eficazes possível? Isso, ninguém me ensinou. Aprendi isso aos 45 anos, a propósito das reportagens do Contas-Poupança que faço na SIC. Pensei da seguinte forma: “Espera lá, tenho de ensinar isto aos meus filhos”. O conceito deste livro parte desta premissa: qualquer pai e mãe quer o melhor para os seus filhos. Aliás, são os meus filhos que estão na capa do livro, representam essa transmissão de conhecimento que não pretende ser moralista, mas que traz outra mensagem: “vou ensinar-vos aquilo tudo que aprendi e que gostaria de ter aprendido com a vossa idade, porque quanto mais cedo começarem, melhores resultados vão ter”. Os meus filhos já estão a fazer esse percurso sob a minha orientação. A relação lógica entre esta minha atitude para com os meus filhos e a ideia do livro foi a seguinte: se ensino os meus filhos, então vou procurar chegar aos jovens portugueses, porque ninguém lhes ensina isto, nem a escola, nem o Estado, nem as famílias.
A escola não está a desempenhar um papel relevante na literacia financeira?
Nenhum papel. Não se pode dizer que não é bom nem mau, é zero. Bem, em abono da verdade, há escolas que iniciaram um caminho, há exemplos positivos. Há vários projetos, por exemplo, no norte do país. A Fundação Dr. António Cupertino de Miranda [sediada no Porto], conta com um projeto absolutamente fantástico de literacia financeira. Há escolas espalhadas por todo o país com professores e direções que já acordaram para esta realidade e que insistem na necessidade de literacia financeira na disciplina de cidadania, mas são casos muito raros. Na minha opinião, só vamos conseguir mudar a sociedade portuguesa com uma disciplina específica de literacia financeira, universal e obrigatória, quer no ensino privado, quer no ensino público. Isto tem de ser exatamente como aconteceu com a reciclagem, com os miúdos a chegarem a casa e a indicarem aos pais os recipientes onde deviam depositar o lixo orgânico, o papel, o metal, o plástico. Sonho com o dia em que os miúdos chegam a casa e perguntam aos pais se já têm um Plano Poupança Reforma (PPR), em que instituição estão as suas poupanças e quanto é que estão a render. Miúdos que persigam objetivos financeiros.
É só desta forma que vamos conseguir mudar este problema geracional. Enquanto isso não acontecer, temos de ajudar as pessoas, uma a uma, com livros sobre o tema, com projetos específicos. Porque, por exemplo, a CMVM [Comissão do Mercado de Valores Mobiliários], o Banco de Portugal, e a ASF [Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões], elas próprias contam com um projeto conjunto para aumentar a literacia financeira dos portugueses, não apenas dos jovens. Só que lá está, os projetos são ótimos, as ferramentas existem, mas por algum motivo, não estão a chegar a quem precisa dessa informação. Organizam-se colóquios, conferências, apresentam-se relatórios e estudos, só que na realidade, não está a mudar quase nada.
A minha intenção, com base na minha intuição e do que conheço da realidade portuguesa, é que serão os pais e os avós a comprarem este livro para o oferecerem aos filhos e aos netos.
Ficaria espantado se uma grande parte dos leitores do seu livro forem os adultos e não os mais jovens?
Espero que sim, porque a minha intenção, com base na minha intuição e do que conheço da realidade portuguesa, é que serão os pais e os avós a comprarem este livro para o oferecerem aos filhos e aos netos. Numa primeira fase, terão de ser os adultos a alertar os mais novos. O jovem, provavelmente, não vai comprar o livro por sua iniciativa, a menos que já tenha aberto os olhos para a literacia financeira e que saiba que há mundo para além do ato de gastar. Das duas uma, ou os pais leem o livro primeiro e depois o oferecem aos filhos ou, então, oferecem-no aos filhos e, mais tarde, serão os filhos a mostrar o livro aos pais. Ou seja, quero criar uma dinâmica em que se ensinam mutuamente.
O seu livro tem um público-alvo compreendido entre os 16 e os 30 anos. São pessoas com objetivos de vida muito diferentes. De que forma, uns e outros, vão encontrar informação que lhes seja endereçada nesta obra?
À medida que o jovem for lendo o livro vai, de imediato, compreender se aquele capítulo ou informação lhes são dirigidos. Basta olhar para o índice. Por exemplo, há um momento em que explico como é que se preenche o primeiro recibo verde, ou o que é o ato único, ou porque é que tem de pagar impostos e como é que se paga a Segurança Social. Obviamente, para o jovem de 12 a 16 anos, esta é uma informação que não lhe interessará. Agora, o que escrevo, logo a abrir cada um desses capítulos, é o seguinte: “olha, isto agora não te interessa, mas, de qualquer forma, se quiseres ler, ficarás a saber como é que as coisas funcionam. Se, por agora, não quiseres ler este capítulo, pelo menos ficas a saber que quando chegar o momento certo encontras estas páginas na tua estante”.
Que razões encontra para termos criado em Portugal uma mentalidade que nos faz queixar constantemente acerca do dinheiro? Porque cultivamos uma mentalidade de pobre e não uma mentalidade de rico?
Sim, foi por isso que escrevi justamente esse capítulo [“Tens mentalidade de rico ou de pobre”]. Porque fomos educados a ver o dinheiro como uma coisa má, que causa problemas à sociedade e instiga discussões. Portanto, mais vale não falar sobre dinheiro. Isto acontece, infelizmente, até dentro do casamento. O casal não fala sobre dinheiro, como também os pais não falam sobre dinheiro com os filhos. Os filhos também não falam do seu dinheiro com os pais. Há aqui, sobretudo, um problema de falta de comunicação. A minha intenção com este livro é que as pessoas tratem o dinheiro como uma ferramenta e não do ponto de vista emocional. Costumo dizer, confesso que de uma forma um pouco ligeira, que não discuto com ninguém por causa do serrote, do alicate ou do martelo que tenho em casa. São ferramentas que usamos de acordo com os fins a que se destinam. Da mesma forma que não recorro ao martelo para serrar, nem ao serrote para pregar, o dinheiro tem de servir para vários fins: para pagar contas, para preparar o futuro, para usar nas emergências e, também, para atingirmos os nossos sonhos. O dinheiro também é para se gastar. Mas, lá está, não devo usar o dinheiro para os meus sonhos se este me faz falta para pagar as contas. Também não faz sentido poupar e investir se, com isso, não estou a ter uma vida satisfatória; se não estou a fazer o que me dá gozo agora e não quando tiver 90 anos. É uma questão de equilíbrio. As consequências do mau uso do dinheiro é que nos podem trazer ansiedade. Tenho o maior respeito pelas famílias portuguesas em que os dois membros do casal ganham o salário mínimo nacional, porque a minha convicção é que essas famílias são as que mais percebem de literacia financeira.
Porque diz que a estratégia que os pais passam, a de os filhos estudarem para arranjarem um bom trabalho, por si só já não resulta?
Quero transmitir com este livro a ideia de que criar riqueza não é sinónimo de se ser milionário. É algo que se expressa num exercício tão simples quanto este: se tiver 100 euros e, com esses 100 euros, fizer 110 euros, isso é criar riqueza. Não é ficar parado à espera que as coisas aconteçam, porque com a inflação qualquer poupança que faça, no fundo estarei a perder dinheiro. Logo, é absolutamente imprescindível investir, mesmo com medo, com erros, com pouco conhecimento. Quem não investir hoje, está a perder dinheiro. Essa é a minha principal proposta.
Um jovem consegue poupar e investir?
Um dos exemplos que dou no livro prende-se com um cenário de um jovem que ganhe mil euros por mês, o que é um mau salário. Se, por exemplo, este jovem ainda morar com os pais e sem despesas fixas com a casa, tem mil euros líquidos de poupança todos os meses. Como é que está a aproveitar essa riqueza que muitas famílias não têm? A atitude que muitos adultos ensinam aos filhos é a seguinte: se tiveres mil euros como os vais gastar? Provavelmente vai trocar de telemóvel, embora não precise. Provavelmente vai passar o fim de semana fora, o que não tem nada de mal. Contudo, esquecem-se de algo fundamental em que os jovens têm de pensar o mais rápido possível. Desde novos têm de preparar a reforma, caso contrário estão desgraçados depois de chegarem a velhos. Há uma bomba-relógio na sociedade portuguesa, pois ainda não percebemos que quando chegarmos à idade da reforma vamos receber metade daquilo que ganhamos no presente. Por isso estou a fazer PPR para os meus filhos, um desde os oito anos e outro desde os seis. De acordo com a simulação que fiz, com 50 euros por mês, num PPR que renda 7% ao ano, o que é normal, ou numa ferramenta financeira como um ETF S&P 500, que rendeu nas últimas décadas mais de 10% ao ano, vão chegar à idade da reforma com 300, 400 ou 500 mil euros. Este é um valor que muitas famílias portuguesas jamais sonharão alcançar.
O Pedro Andersson leva para o seu livro uma linguagem acessível ao público a que este se destina. Fala-nos da gamificação das finanças pessoais. A que se refere?
É uma forma prática de transformar o tema do dinheiro, porque este não é nada sexy, antes pelo contrário. Para os adultos o dinheiro significa problemas e mais problemas. Agora, se começar a dizer junto dos que me estão próximos, algo como isto: “só hoje ganhei 100 euros”, dirá o interlocutor: “a sério, como?” e a resposta virá: “porque investi no S&P F500”. Também poderá ser num fundo de investimento ou em ações. Há que explicar que um investimento não implica o risco de se perder tudo. Com as simulações que incluo no livro transmito a ideia de que com valores muito pequenos podemos fazer verdadeiras fortunas. E isto não é banha da cobra.
Não quero dizer que aconteça ou que se chegue sempre aos 300 mil euros. Mas, se chegar aos 200 mil euros será que é mau? Não, porque a alternativa seria não ter nada, só ter aquilo que poupou. O conceito de gamificação foi um meio engraçado, mas sério, que levei ao livro para mostrar que podemos tratar o dinheiro de uma forma feliz, sem aquela tensão do “tenho de poupar, tenho de fazer sacrifícios”. Até posso fazer sacrifícios, mas se souber porque é que os estou a fazer, e se tiver na minha mente o resultado futuro, encontrarei prazer nesse ato.
Outra mensagem que quero passar aos jovens, mas também aos adultos, é que uma pessoa sem objetivos é irrelevante o caminho que segue. Há um provérbio que nunca esqueço e que diz algo assim: “ao marinheiro que não sabe para que porto vai, não lhe interessa para que lado sopra o vento”. Em termos de finanças é a mesma coisa. De que interessa ganhar mil euros ou ganhar três mil, se não soubermos que fim dar ao dinheiro? Provavelmente, iremos gastar esse dinheiro em banalidades e deixaremos a pergunta: “gastei o dinheiro em quê?”. Mas, se tivermos um objetivo e o alcançarmos, nunca mais na vida nos esqueceremos que lutámos por essa meta. E, se soubermos quais as ferramentas a utilizar para, com o mesmo dinheiro, atingirmos os objetivos mais rapidamente, mais contentes ficaremos. Temos de nos tornar gestores profissionais das nossas finanças pessoais.
Presumo que tenha dado este livro a ler aos seus filhos. Que reação recebeu?
O meu filho mais velho faz parte daquela geração de portugueses e portuguesas que emigrou. Feliz ou infelizmente, com 19 anos já está em Espanha e já procura trabalho por lá. O meu filho mais novo tem 12 anos e já começou a ler o livro. Como é óbvio, há coisas que ainda não entende. Já disse a ambos que estão obrigados a lerem o livro, demore o tempo que demorar [risos].
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