Não poucas vezes ouvimos ser dito às vítimas de violência doméstica que não é obrigatória a constituição de um advogado para as representar. O que é verdade!

Ainda hoje, aproximadamente 13 anos depois da entrada em vigor do regime jurídico que previne e combate a violência doméstica (VD) e assiste as suas vítimas, continuo a questionar da razão pela qual o agressor quando constituído como arguido no processo-crime é-lhe automaticamente nomeado um defensor oficioso enquanto a vítima não tem esse direito, i.e. não lhe é automaticamente nomeado um patrono, o que corresponde a uma violação frontal do direito à igualdade e não discriminação constitucionalmente consagrados.

Por outro lado, são sabidas as razões que estão subjacentes à prontidão da nomeação de um defensor oficioso para o arguido no âmbito de um processo, mas é inevitável a constatação que não se pensou nas vítimas de violência doméstica, na sua vulnerabilidade e fragilidade e que, perante um agressor, uma vítima tem sempre uma posição de subordinação que se reconduz a uma assimetria de poderes.

O carácter facultativo da constituição de advogado para representar as vítimas de violência doméstica vem a resultar a longo prazo na falta de informação concisa a respeito dos seus direitos, numa das razões para a desmotivação e falta de investimento das vítimas no processo-crime.

O advogado deve ser constituído/nomeado numa fase embrionária do processo-crime para poder fazer uso de todos os mecanismos processuais existentes em prol da efetivação dos direitos das vítimas que se afigurem adequados ao caso concreto, mormente a junção de meios de prova, requerer a constituição de assistente da vítima no processo, requerer a tomada de declarações para memória futura, requerer a aplicação de medidas de coação, deduzir acusação particular, requerer a abertura de instrução ou mesmo recorrer das decisões que lhe sejam desfavoráveis.

O continuar a ser facultativa a nomeação de advogado no processo-crime traduz-se na prática na não nomeação pela falta de pedido de apoio da vítima nesse sentido ou em pedidos de apoio tardios que não abonam a favor da vítima e na efetivação dos seus direitos.

Acresce ainda que, assistimos também aos técnicos de apoio à vítima, com distintas formações de base, a prestar informação às vítimas a respeito dos seus direitos, o que também está bem, pois, a vítima precisa ser esclarecida dos seus direitos. Contudo, também não devemos esquecer que não é a mesma coisa.

A multidisciplinaridade tão desejada e necessária para a intervenção na violência doméstica não se pode confundir com a sobreposição de funções e a consequente desvalorização do trabalho de um advogado numa temática tão delicada quanto a violência doméstica. O advogado é a pessoa e profissional que tem um acesso privilegiado à vítima, por força da relação de confiança, e que tem conhecimento mais aprofundado da lei por forma a poder explicar os direitos que assistem à vítima e, como atrás se disse, definir o caminho processual a trilhar.

Por todas estas razões devem as vítimas constituir ou pedir a nomeação de um advogado para efetivarem os seus direitos.

Um artigo de opinião da advogada Ana Leonor Marciano, especialista em Direitos Humanos, violência de género, violência doméstica, Direitos das crianças.