Esta reflexão tem potenciado o desenvolvimento de novos modelos relacionais, como são exemplo as relações abertas e o poliamor. Nas relações abertas existe uma relação principal, mas os membros do casal têm a liberdade de se relacionar sexualmente com outras pessoas. O conceito de poliamor define-se como a possibilidade de uma pessoa estabelecer relações amorosas com várias pessoas, sem uma relação primária ou hierarquia de importância emocional.

Mas, na verdade, o que é a poligamia? O termo “poligamia” é uma palavra grega que significa “a prática de múltiplos casamentos”. Neste sentido, enquanto sistema de casamento, a poligamia pode assumir diversas formas, destacando-se como as mais comuns:

  1. Poliginia: o casamento de um homem com duas ou mais esposas.
  2. Poliandria: o casamento de uma mulher com dois ou mais esposos.

A sociedade conta com inúmeras explicações de diferentes disciplinas acerca da origem da poligamia. Por exemplo, enquanto que a sociologia aponta que a poligamia é uma estratégia reprodutiva a que os homens recorrem para aumentar o número de descendentes e reduzir o nível de investimento emocional com cada um deles, algumas teorias da biologia evolutiva evidenciam que os seres humanos evoluíram para se tornarem em seres poligâmicos, definindo a monogamia como uma regra ou construção social instituída pelo ser humano para alcançar uma maior coesão social. Outras teorias, no âmbito da antropologia, sugerem a cultura e a religião como as principais motivações para a tomada de decisão de viver numa relação poligâmica.

Para compreender a poligamia, é necessário, definir em que consiste, tradicionalmente, um casamento associado a estes princípios. Nestas famílias, o poder é exercido pelo homem, o qual detém a obrigação de cuidar emocional e financeiramente de todas as esposas, sempre com igualdade. Ainda que varie em função da sociedade poligâmica estudada, a literatura indica que, na maioria das vezes, todos os membros da família vivem na mesma habitação ou, em alternativa, cada mulher tem a sua casa e o homem visita, de forma justa e equilibrada, cada uma delas.

Ao longo dos anos, os estudos da psicologia relativos à poligamia têm vindo a focar-se na saúde mental das mulheres, dados os fatores de risco existentes para patologia, como por exemplo o predomínio de situações de violência emocional e física pelo esposo (o qual pode tratar as mulheres de forma diferenciada) e entre as diferentes esposas (resultado dos níveis acentuados de rivalidade e hostilidade).

As investigações referentes à saúde mental destas mulheres apontam para níveis elevados de sintomas somáticos (por exemplo, insónia, fadiga), bem como sintomas de depressão (por exemplo, baixa autoestima, sensação de vazio), ansiedade e dificuldades na gestão da raiva e impulsos. Inclusivamente, estudos indicam que a percentagem de internamentos de esposas em casamentos poligâmicos é significativamente superior aquelas que se encontram em relações ditas tradicionais.

Por sua vez, as crianças das famílias poligâmicas encontram-se expostas a níveis elevados de conflitualidade conjugal, tendem a testemunhar uma acentuada violência familiar (por exemplo, entre os pais ou entre a progenitora e as outras esposas) e a interagir com mães com uma reduzida disponibilidade emocional para dar suporte e providenciar supervisão.

Inevitavelmente, a frequente ausência da figura parental e/ou o reduzido envolvimento emocional na parentalidade contribui para a perceção de abandono. As investigações revelam que estas crianças apresentam um baixo rendimento académico, reduzidas competências sociais, uma capacidade limitada de regulação emocional, problemas de agressividade e hostilidade e uma elevada taxa de mortalidade.

No concernente às relações entre as crianças, dado o elevado número de meios-irmãos e de um amplo leque de idades, é dificultado o estabelecimento de relações de proximidade emocional. Neste âmbito, a baixa supervisão parental pode favorecer o exercício de poder ilegítimo de alguns irmãos sob os restantes, bem como os conflitos entre diferentes esposas podem facilitar comportamentos de hostilidade e agressividade entre os meios-irmãos, perpetuando uma guerra intergeracional.

Contudo, se por um lado a ciência destaca que as famílias poligâmicas vivenciam altos níveis de conflito e violência familiar, algumas investigações sugerem o oposto, ou seja, uma associação entre casamentos poligâmicos e esposas com uma maior autoestima, qualidade de vida e coesão familiar.

O que justifica estas diferenças? A resposta remete para a importância dos valores da sociedade em que as mulheres se encontram inseridas para a sua identidade. Em sociedades coletivas, em que a perceção das mulheres sobre si próprias é influenciada pela apreciação da comunidade e sentimento de pertença, estes elementos servem como um fator amortecedor face aos desafios do casamento poligâmico.

Ainda que as novas formas de relações não integrem todas as características de um relacionamento poligâmico, é importante refletir acerca de potenciais semelhanças no que remete para os desafios emocionais associados a estas relações. Tome-se como exemplo a sensação de não ser suficiente que pode ser vivenciada e consequente impacto na autoestima e bem-estar individual e relacional; dificuldades na gestão da frustração, ciúmes e sensação dolorosa de percecionar estar, diariamente, numa competição.

A terapia de casal, bem como as sessões individuais de psicologia, podem ser benéficas para a definição das especificidades e limites da relação, assim como para gerir potenciais inseguranças, conflitos e (re)definição de papeis, sempre com o objetivo último de alcançar o bem-estar e o desenvolvimento pessoal num espaço seguro e totalmente ausente de críticas e julgamentos.

Peça ajuda, não se encontra sozinho(a)!

As explicações são de Sofia Gabriel e de Mauro Paulino, da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.

Sugestões sobre o tema da Poligamia na plataforma digital Netflix:

  1. Série documental “Resumindo” (2019), temporada 01, episódio “Monogamia” (https://www.netflix.com/browse?jbv=80216752), em que a poligamia é explicada por especialistas, bem como as mudanças nas normais sociais associadas às relações.
  2. Série “Three Wifes, One Husband” (2018), a qual retrata um ano na vida de diferentes famílias poligâmicas, explorando, na primeira pessoa, os desafios associados a estes casamentos (https://www.netflix.com/search?q=three&jbv=80240397).