Conceição Calhau não tem dúvidas. "A resposta inflamatória aguda é necessária como defesa do organismo contra agentes agressores. No entanto, deve ser resolvida no tempo, não devendo tornar-se crónica, pois pode dar-se uma inflamação crónica de baixo grau, que tem sido apontada como um dos mecanismos comuns associados a diversas doenças, como as cardiovasculares, a diabetes, a obesidade e a doença mental, como é exemplo a depressão major", sublinha a professora da Nova Medical School.

Os cientistas têm encontrado evidências de que a inflamação crónica de baixo grau leva à neuroinflamação, que parece estar associada a sintomas depressivos, "pois promove a degradação do triptofano, o precursor da serotonina, reguladora do humor e conhecida como a substância da felicidade", especifica a reputada investigadora. As causas dessa inflamação estão relacionadas com hábitos alimentares, como é o caso "da deficiência de ácido gordo ómega-3 e alteração da microbiota intestinal", refere.

O papel dos ácidos gordos

O ciclo inflamação-resolução surge com substâncias que são sintetizadas a partir dos ácidos gordos ómega-6 e ómega- 3. "O que se verifica é que, quando o organismo utiliza preferencialmente os ómega-3, como o eicosapentaenoico (EPA) ou o docosaexaenoico (DHA), o resultado é a resolução da inflamação. Se, pelo contrário, é utilizado como percursor um ácido gordo ómega-6, há maior probabilidade de a resposta inflamatória não ser seguida da sua resolução", esclarece Conceição Calhau.

20 alimentos (muito) ricos em ómega-3
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"Com a globalização alimentar, há um predomínio de ingestão de ácidos gordos ómega-6 e uma menor presença, em proporção, de ácidos gordos ómega-3", ressalva ainda a especialista. Segundo o site da Fundação Portuguesa de Cardiologia, é necessário que o consumo de ómega-6 e ómega-3 seja num rácio de 2:1 a 4:1 para haver equilíbrio. "Mas, numa alimentação ocidental, mais afastada da dieta mediterrânica, estar-se-á a ingerir rácios de 14:1 [de ómega-6 para ómega-3], o que estará muito acima do desejável", acrescenta ainda Conceição Calhau. Assim, é necessário ingerir alimentos fontes de EPA e DHA, como peixes gordos, "preferencialmente de mar", aconselha.

"Deve-se, contudo, diversificar o peixe consumido, para variar nos riscos de contaminação, pois muitos dos peixes gordos, como o salmão de aquicultura, estarão contaminados com compostos que são alteradores endócrinos e cujo consumo, a longo prazo, está associado ao cancro", alerta Conceição Calhau. Para uma ingestão plena dos ácidos gordos ómega-3, deve-se ter em conta o modo de confeção, devendo seguir-se "práticas culinárias mediterrânicas, como ensopados e caldeiradas".

Evitar métodos que retirem a gordura, como grelhar e cozer "em água e não ao vapor", como aconselha a investigadora portuguesa do CINTESIS, Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, sediado no Porto, é outra das estratégias a adotar. "O grelhar, muitas vezes associado à culinária saudável, além de retirar a gordura saudável [ómega-3], pode contribuir para a adição de carcinogénios, como aminas heterocíclicas", acrescenta ainda a especialista em nutrição e metabolismo.

"Quando alterações na alimentação, em certos casos de patologia depressiva, não são suficientes, poderá ser necessário prescrever suplementos de EPA e DHA, numa prática clínica multidisciplinar, envolvendo médico e nutricionista, monitorizando o efeito, sobretudo se em associação a antidepressivos", refere ainda a professora associada, com agregação em nutrição e metabolismo, coordenadora da licenciatura de ciências da nutrição no estabelecimento universitário Nova Medical School.

Alimentação boa para o intestino e para o cérebro

Também a adoção de hábitos alimentares que não respeitem a microbiota intestinal leva a desequilíbrios na flora bacteriana intestinal, o que poderá desencadear a inflamação crónica de baixo grau associada à depressão. "A alteração da microbiota, a chamada disbiose, com aumento do LPS [lipopolissacarídeo de origem bacteriana], por si só, desenvolve inflamação", sublinha Conceição Calhau. Daí que, para manter o equilíbrio da microbiota e prevenir a inflamação, há (boas) escolhas a fazer.

"As fibras alimentares e os alimentos prebióticos, presentes nos hortícolas e fruta, são cruciais para alimentar as bactérias boas e a ingestão de alimentos fermentados, probióticos, são importantes para repô-las", explica a investigadora lusa. "Em contrapartida, deve evitar-se uma dieta rica em açúcar, em sal e em gordura saturada e pobre em fibra, uma vez que contribui para o desequilíbrio da microbiota intestinal, potenciando a disbiose e, em consequência, a neuroinflamação", avisa.

Alimentos a privilegiar

Os ácidos gordos ómega-6, como o araquidónico, o precursor dos compostos inflamatórios, está presente na gordura de animais terrestres. Um exemplo é a carne de vaca, a ingerir com alguma regularidade, mas sem excessos. Já os ómega-3, como os EPA e DHA, "estão presentes nos animais marinhos, como é o caso dos peixes gordos", sublinha a investigadora Conceição Calhau. Para prevenir e resolver a inflamação crónica de baixo grau associada à depressão, deixa uma série de conselhos:

- Privilegie alimentos ricos em ácidos gordos ómega-3, como a sardinha, a cavala e o salmão. Por refeição, deve ingerir o equivalente ao tamanho da palma de uma mão, duas a três vezes por semana.

- Evite o consumo exagerado de alimentos ricos em ácidos gordos ómega-6, presentes na carne vermelha, como a de vaca. Também aqui não deve ultrapassar o equivalente ao tamanho da palma de uma mão, uma a duas vezes por semana.

- Para preservar a microbiota, ingira mais leguminosas. O grão-de-bico, o feijão, as favas e as ervilhas são boas opções. Consuma diariamente cerca de 80 gramas cozinhadas ou 25 gramas cruas. A alface, o espinafre e o brócolo também são boas opções. Consuma-os diariamente, enchendo metade do prato com legumes.

- Coma sopa ao almoço e ao jantar e fruta à sobremesa. A maçã e a pera são duas das recomendações.

- Prefira cereais integrais, como a aveia, o arroz e o trigo, mais saudáveis do que nas versões refinadas. Os leites e os legumes fermentados também devem fazer parte da sua alimentação regular.