Foi a ele que a princesa Diana de Gales recorreu para revelar ao mundo a sua solidão e os seus problemas de saúde durante o casamento com o príncipe Carlos de Inglaterra. Só após a morte da mãe do herdeiro do trono inglês é que Andrew Morton, jornalista e escritor britânico nascido em Dewsbury revelou que o livro «Diana: Her True Story» tinha sido escrito em colaboração estreita com a eterna princesa do povo, como ainda é conhecida.
Depois do livro que lhe deu fama, voltou à carga com outra obra polémica. «Monica's Story» conta a história de Monica Lewinsky, a estagiária da Casa Branca envolvida num escândalo sexual com o ex-presidente dos EUA Bill Clinton. «Tom Cruise: An Unauthorized Biography», «Madonna», «Angelina: An Unauthorized Biography» e «William & Catherine: Their Story» foram outras das publicações que se seguiram.
Em 2013, Andrew Morton, mantendo-se no mesmo registo de obras biográficas de cariz polémico, voltou aos escaparates das livrarias com «Ladies de Espanha – Sofia, Helena, Cristina e Letizia entre o dever e o amor», publicado em Portugal pela editora A Esfera dos Livros. O antigo jornalista dos tabloides ingleses Daily Star, News of the World e Daily Mail esteve em Lisboa e, ao Modern Life, falou de realeza, de futebol e da nova obra.
A rainha Isabel II classificou 1992 como sendo um annus horribilis. O filho André separou-se de Sarah Ferguson, a filha divorciou-se do capitão Mark Phillips, houve um incêndio no castelo de Windsor e, em junho desse ano, saiu o seu livro sobre a princesa Diana, «Diana, Her True Story», no qual fazia revelações incómodas para a monarquia britânica. Como é que é viver com o peso e o estigma de ter contribuído para isso. Alguma vez olha para si como o homem que irritou a rainha?
Não. Por acaso, não. As pessoas, por vezes, esquecem-se que eu fui apenas o mensageiro de uma série de informações que saíram do palácio de Buckingham, do palácio de Kensington e do palácio de Highgrove. Houve muitas pessoas que se preocuparam mais com o mensageiro em vez de se concentrarem apenas na mensagem.
Como é que foi ter de escrever o livro em total sigilo?
Na altura, senti-me transportado para um universo paralelo. A princesa fazia-me revelações sobre a sua infelicidade, sobre o modo como se sentia traída [pelo marido] e até sobre as suas tentativas de suicídio, além de duas coisas das quais nunca tinha ouvido falar até aí, dos seus problemas de bulimia nervosa e de uma mulher chamada Camilla.
Eu preferia ter falado com ela diretamente mas isso estava completamente fora de questão. Ainda para mais, eu tenho mais de 1,95 metros e já era, na altura, um escritor conhecido de alguns dos membros do staff do palácio. Não teria conseguido passar despercebido.
Então, como é que fizeram?
Entrevistei-a à distância. As perguntas eram-me remetidas por James Colthurst, um médico amigo da princesa de quem me tornei amigo entretanto. Foi ele que conduziu as seis entrevistas gravadas que foram feitas no Palácio de Kensington Palace e que me fez chegar cartas e postais da Camilla [Parker Bowles, o terceiro vértice deste trio amoroso] para o príncipe Carlos que a Diana lhe pediu para me mostrar.
Os escritos, apaixonados e cheios de anseios reprimidos, não me deixaram com a mínima dúvida de que as suspeitas [de traição de Diana] estavam totalmente corretas. No entanto, devido às leis de anti-difamação em vigor na Grã-Bretanha, nunca pude afirmar categoricamente que Carlos e Camilla eram amantes porque não tinha como o provar, daí ter sempre aludido a uma amizade secreta, como lhe chamei.
Analisando as coisas a esta distância, a audácia da princesa Diana é surpreendente. Ficará para sempre a dúvida se ela não queria que a versão dela dos acontecimentos fosse publicada primeiro para que nunca pudesse ser acusada de ser a culpada pelo fim do casamento e poder, assim, sair por cima desta história.
Veja na página seguinte: As revelações polémicas sobre a família real espanhola
Depois de biografias da princesa Diana, de Madonna, da Angelina Jolie, de Monica Lewinsky e de Tom Cruise, porque escreveu um livro sobre as mulheres da família real espanhola?
Fui abordado por uma editora em Espanha, que me pediu um novo olhar sobre a família real espanhola. Essa editora sentia que os meios de comunicação social espanhóis não estavam a ser diferenciadores em relação à abordagem que faziam e quiseram dar uma nova perspetiva da realeza. Eu já observava a família real espanhola à distancia a partir da Grã Bretanha e achei que poderia ser uma ideia interessante.
E foi mesmo interessante escrever este livro?
Sim, foi muito interessante e divertido. Fui a Madrid. Conheci várias pessoas. Não foi mau…
Quais foram os factos mais surpreendentes que descobriu sobre a agora rainha emérita Sofia, as infantas Cristina e Helena e Letizia, que na altura ainda não era rainha?
A rainha Sofia foi a que mais me surpreendeu. Surpreendeu-me a lealdade que sempre tem tido em relação ao rei. E surpreendeu-me também o facto de ser uma mulher muito divertida. É uma pessoa bem disposta que se está sempre a rir. Apesar de ser uma pessoa muito sozinha e solitária, não se deixa ir abaixo. Está-se sempre a rir. Está sempre divertida.
O que eu mais gostei na infanta Cristina foi o facto dela ter tentado desde sempre, sempre com muito esforço, atingir as coisas por ela, não se aproveitando do facto de ser filha do rei. Foi a primeira [filha de um rei espanhol] a ir para a universidade e a ter um emprego e conseguiu sair-se muito bem enquanto ser humano.
Deve ser, por isso, muito difícil para ela ver o marido a aproveitar-se do seu título e da sua posição para tirar partidos e dividendos dessa situação, enquanto que ela nunca o fez. Na infanta Helena, o que mais me surpreendeu foi o quão espanhola ela é. Há uma imagem dela a dançar no meio da rua [quando Espanha ganhou o campeonato do mundo de futebol], usando uma t-shirt da equipa espanhola, que é hilariante.
E em Letizia?
Na Letizia, o que mais me surpreendeu foi a reviravolta que a sua vida deu. Ela foi criada no seio de uma família modesta da classe média, que se juntava em frente ao televisor para gozar com os discursos do rei Juan Carlos. Foi casada com um escritor pouco conhecido e tem um passado louco com uma estrela de rock.
Fez um aborto… A vida dela era muito diferente do que é hoje mas ela conseguiu adaptar-se muito bem à vida no palácio e tem conseguido cumprir o seu papel. É, pelo menos, essa a minha opinião.
No capítulo dedicado à infanta Cristina, escreveu quase mais sobre a polémica que envolve o marido e a sua ação à frente do Instituto Nóos do que sobre a vida dela. É ela, das quatro, a que tem uma vida menos interessante?
Lamento que pense que ela é a menos interessante… O livro conta a história de como ela se apaixonou pelo Iñaki e de como o tem apoiado mas é obvio que o negócio do marido era uma questão central na vida dela naquela altura. Esse é um aspeto incontornável. Não há como fugir a isso…
Veja na página seguinte: As diferenças de personalidade das irmãs espanholas
A infanta Helena gosta de cozinhar e de fazer bolos e é também uma adepta das compras através dos canais de televendas da televisão. A infanta Cristina, por seu lado, odeia cozinhar e não partilha da mesma paixão por cavalos que a irmã e o pai têm. O que é que mais as afasta em termos de personalidade?
Vamos colocar antes a questão de outra forma. Vamos focar-nos no que é que as mantém juntas. Elas, por serem filhas do rei, partilham de uma visão comum de que mais ninguém comunga. Nem sequer a Letizia, que agora faz parte da família, partilha dessa mesma visão. Além de serem infantas, partilham o mesmo sentido de responsabilidade e uma visão do seu lugar no mundo idêntica.
Letizia contribuiu para a abertura da mente do príncipe Filipe, alterando também a visão que ele tem da própria sociedade. Fala sobre isso no livro. Mas a sua relação com as cunhadas não é assim muito próxima, pois não?
Sim, é verdade. De início, a relação de Letizia com a Cristina e com o Iñaki era bastante próxima mas, depois, com tudo o que foi sucedendo com o cunhado, houve uma grande discussão entre o Filipe e a Cristina por causa do facto de ela continuar a manter-se tão próxima do marido. Ele é da opinião de que ela devia ter-se distanciado. O facto dela ter ido viver com a família para a Suíça faz parte dessa nova dinâmica familiar.
Quanto à Letizia e à Helena, a verdade é que não têm muito em comum. A Helena gosta de andar a cavalo e gosta de touradas e a Letizia não gosta de nenhuma dessas coisas. Não têm grandes interesses em comum. Existe mesmo uma fotografia muito conhecida delas as duas juntas num evento público cada uma a olhar para o seu lado.
A próxima pergunta que tenho para si é uma interrogação que coloca no seu próprio livro e que agora lhe devolvo. Letizia e Filipe vivem numa relação em que estão em perfeita sintonia ou Letizia é o exemplo de uma mulher insegura e até mesmo desesperada por continuar a controlar a vida dos outros com que o marido, o atual rei de Espanha, tem de lidar diariamente?
Essa é uma grande incógnita mas eu acho que ela é uma pessoa extremamente insegura. Quando trabalhava como jornalista de televisão, era uma mulher muito concentrada e muito focada. Muito ambiciosa. Mas [hoje] Letizia encaixa-se perfeitamente nesse perfil [de mulher insegura desesperada por continuar a controlar a vida dos outros].
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Letizia esteve longe de ser unânime quando foi apresentada aos reis eméritos de Espanha por Filipe. Será que já foi perdoada pelo facto de ter introduzido algum caos no palácio real, ao ponto de Filipe ter forçado o rei e a rainha a aceitarem a sua decisão de se casar com ela?
Eu acho que ela foi considerada uma personagem indesejável durante uma série de anos. O próprio rei [emérito] chegou a referir-se a ela como sendo o inimigo infiltrado no palácio. Juan Carlos tinha um dossier sobre ela, que continha informações sobre o que ela tinha feito quando viveu no México e com dados sobre uma série de outros factos passados. E tinha bastantes muitas desconfianças em relação a ela.
Mas também não o podemos culpar por isso. Em certa medida, é compreensível. Ela era uma republicana, divorciada, ateia, uma jornalista… Tinha toda uma série de condicionantes contra ela. O rei Juan Carlos ficou de pé atrás e observou-a sempre muito atentamente.
Filipe também fez muita pressão...
Sim, o filho do rei [emérito] insistiu que ia casar com ela e, como Juan Carlos já o tinha impedido de casar com Isabel Sartorius [filha de uma toxicodependente para quem chegou a comprar droga] e com Eva Sannum [modelo norueguesa que chegou a fotografar campanhas de moda em lingerie], ficou mais condicionado.
Se Letizia tivesse surgido antes de qualquer uma delas, o rei ter-lhe-ia dito algo como «Estás a gozar com a minha cara? Estás completamente doido?». Foi por isso, pelo facto do rei já ter menos margem de manobra, que Filipe insistiu para que Letizia apresentasse o seu certificado de casamento, para comprovar que o seu primeiro casamento foi apenas pelo civil. Se ela já tivesse sido casada pela Igreja, o rei nunca teria aceite este casamento.
Conta no livro que o rei, numa determinada ocasião, disse a Letizia que não gostava dela mas que, ainda assim, ia fazer dela uma boa rainha de Espanha. Acha que ele hoje mantém a mesma opinião e continua a não a apreciar muito?
O rei tolera-a mas não mudou muito de opinião. A família real espanhola costuma passar férias em família em Palma de Maiorca no verão e houve um ano em que Letizia teceu uma série de comentários sobre a guerra e sobre a situação política no Iraque que incomodaram Juan Carlos e, às tantas, o rei voltou-se para o filho e disse-lhe algo do género «A tua mulher tem sempre a mania que sabe sempre tudo». Ela é de uma geração diferente da do rei e há, inevitavelmente, um choque.
Ainda assim, não gostará um bocadinho mais dela hoje?
Até porque não deixa de ser a mãe de duas das suas netas… Sim, eventualmente…
No seu livro, a páginas tantas, diz que o rei de Espanha reina com uma coroa que está fragmentada em pedaços. Como é que vê o futuro da monarquia espanhola?
Eu acho que a monarquia espanhola está em crise e que vai continuar em crise enquanto esta situação toda que envolve Iñaki não estiver completamente resolvida. A saúde do rei [emérito] é outra preocupação continua e constante. Acho que existe uma série de obstáculos sólidos que a monarquia espanhola vai ter de ultrapassar.
A revista portuguesa Flash é referida por si no livro pelo facto de ter sido a única a conseguir entrevistar o primeiro marido de Letizia. Critica-a, no entanto, por ter feito uma capa com esse exclusivo, apesar de Alonso Guerrero pouco ou nada ter revelado sobre o casamento com a atual nora do rei em 1997…
Eu não critico a entrevista. Apenas a refiro no livro…
Veja na página seguinte: As referências a José Mourinho
Essa revista foi um dos muitos instrumentos de trabalho que usou para o escrever. Quais foram os outros? Falou ou tentou falar com algumas das mulheres de Espanha que estava a retratar?
Sim, tentei falar com todas elas, mas não tive essa oportunidade. Falei com pessoas que trabalham ou que trabalharam diretamente para elas, sobretudo para a rainha [emérita] e para a Letizia, mas também tive entrevistas com pessoas que conhecem a Cristina e o Inãki, com pessoas do mundo dos cavalos que conhecem a Helena e com pessoas que lidaram de perto com o rei. Falei também com jornalistas. Ao todo, entrevistei cerca de 40 pessoas.
Na página 123 da edição portuguesa, faz uma ironia dizendo que, ao contrário de um certo tipo de treinador de futebol, Filipe é que foi o escolhido e até o especial. «The special one» é mesmo a expressão que usa. Tendo em conta que, quando foi para Inglaterra treinar o Chelsea Football Club, José Mourinho afirmou numa conferência de imprensa que era «the special one», soa-me a crítica ao treinador português. Não gosta dele?
Não, não. Nada disso… [risos] Lembro-me de usar essa expressão e podia até ser mas não. Estava a referir-me ao facto de Filipe, quando era criança, não ter mais ninguém para jogar à bola com ele a não ser os seus guarda-costas, de quem acabava por tornar-se sempre um grande amigo. Apenas isso.
Então não tem nada contra José Mourinho?
Tirando o facto de ele treinar o Chelsea e agora o Manchester United, não. É uma personagem fascinante. Ele é mesmo o especial. Qual é o seu clube, já agora? Eu sou do Leeds [United Association Football Club], que neste momento é um triste e pálido reflexo do grande clube que já foi.
Em Portugal não temos grandes estrelas globais como a Madonna, a Angelina Jolie ou o Tom Cruise sobre as quais pudesse escrever. José Mourinho poderia ser um dos seus próximos biografados ou preferia, antes, o Cristiano Ronaldo, a nossa outra estrela planetária maior?
Sim. Poderia ser qualquer um dos dois. O Cristinado Ronaldo é fascinante mas o José Mourinho, na minha opinião, ainda é mais. O Cristiano Ronaldo é bom em campo e a seduzir mulheres. O José Mourinho tem um percurso mais longo e tem outro tipo de história. Sim, escolheria o José Mourinho, sem dúvida…
Escreveu também um livro sobre Wallis Simpson, «17 Carnations: the Windsors, the Nazis and the Cover-Up», que foi lançado em 2015...
Sim, é mais um sobre uma figura feminina, a duquesa de Windsor. O livro passa-se em Lisboa no período da segunda guerra mundial e também em Madrid. Ela foi uma figura fascinante verdadeiramente interessante.
Texto: Luis Batista Gonçalves
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