«A Elis Regina foi a minha professora virtual», assume. Foi a ouvir as músicas da cantora brasileira que Mónica Ferraz aprendeu a respirar e a dar a entoação certa às palavras. Depois, a voz intensa, as letras maduras e uma forma ímpar de estar em palco fizeram o resto. Conquistaram o público, de tal forma que quatro anos depois do lançamento da carreira a solo, já vai no segundo álbum, «Love», uma mistura de rock, eletrónica, funk e jazzy. Siga o ritmo! Cantora, compositora e letrista, Mónica Ferraz respira música. Diz que as ideias para compor lhe surgem diariamente e em qualquer lado. Por isso, um som ouvido na rua pode levá-la escrever uma música.
Depois de 12 anos como vocalista dos Mesa, lançou-se numa carreira a solo em 2010 com o álbum «Start Stop», ao qual se seguiu uma digressão, que teve como espetador mais atento o filho Ian, que andou com ela de norte a sul do país. O seu nascimento mudou-a radicalmente, ligou o descomplicador e tornou-se mais comunicativa fora de palco. No final de Setembro de 2014, lançou o segundo álbum, «Love», escrito durante a tour, entre as viagens de autocarro e os momentos passados nos hotéis. «Let Me Be» foi o primeiro single a chegar à rádio.
Mas afinal quem é a Mónica Ferraz?
Sou uma pessoa calma, tranquila e simples, que adora música, jantares com os amigos e sentir que está feliz.
Como é que descreve «Love», o seu segundo álbum?
É completamente diferente de «Start Stop», o primeiro. É um disco mais real que fala muito de experiências e vivências que eu tive durante estes dois últimos anos. Tive uma tour muito intensa e fui mãe.
O que o distingue, então, do primeiro?
Uma das grandes diferenças é que foi gravado só com takes inteiros de voz porque quis trazer um pouco do realismo do palco para este disco. Não há cortes nem colagens e isso nota-se na voz que, em algumas ocasiões, até se torna mais rouca, mais rugosa e mais natural.
Mas o álbum foi todo gravado em estúdio?
Sim, eu preciso do estúdio para trabalhar calmamente. Tenho dois lados, um mais agitado que é o que mostro em palco, onde sou bastante elétrica, mas depois preciso do outro lado, de ficar em casa e de trabalhar no estúdio sem pressão.
As letras e as músicas de «Love» são todas suas?
Minhas e do André Indiana. No anterior é que eram só minhas.
O André Indiana também é produtor do álbum?
Sim, é produtor, letrista e compositor.
Vocês são um casal. É fácil trabalharem juntos?
Sim. Quando entramos no estúdio, esquecemo-nos que somos um casal. Separamos completamente as águas.
Portanto, é um parceria para continuar no futuro?
Sim, sem dúvida. [risos]
Veja na página seguinte: O processo criativo de Mónica Ferraz
Quais são as suas músicas preferidas deste álbum?
É sempre difícil escolher uma música do nosso próprio álbum. É como pedir a uma mãe para escolher um filho. Ainda assim, posso destacar três. «Shallow», por ser muito eletrónica e porque gosto muito de fazer os meus beats. «Baby Blue», que é uma homenagem ao meu filho Ian e um hino ao seu nascimento e «Let Be Me», um tema muito forte com uma letra muito autêntica e fiel, a tal ponto que quando o gravei chorei dada a intensidade das palavras e isso nota-se num determinado momento da música, pois a minha voz ficou com aquela rouquidão de quem quer prender o choro.
Essas e as outras músicas que compõem o álbum foram surgindo durante a digressão e agora, o que se segue?
Estou sempre a compor. Por exemplo, dou aulas de canto e, no fim das aulas, sento-me a experimentar novas melodias. As ideias estão sempre a aparecer e, como sou muito observadora, há sons que ouço na rua que me levam a pensar em melodias, gravo-os no meu telemóvel e quando chego a casa, vou à procura delas.
E cantar em inglês é algo para continuar?
Comecei a escrever em inglês porque, na altura, estava nos Mesa e não queria confundir os projetos. No entanto, depois dei por mim a pensar em inglês sempre que pensava numa música. Isso não quer dizer que, no futuro, não vá escrever uma letra em português.
Como é que foi mudar de uma banda para uma carreira a solo?
Numa banda estamos protegidos pelos nossos colegas, quando estou sozinha, todas as atenções estão centradas em mim.
Foi difícil dar esse passo?
Depois de 12 anos numa banda, é complicado pegarmos no nosso trabalho e irmos para a estrada sozinhos. No entanto, o André incentivou-me muito. Passava a vida a perguntar-me por que razão escrevia músicas para as ter guardadas na gaveta.
E gostava de voltar a ter uma banda?
Sim. Gosto de ouvir as ideias dos outros e de partilhar experiências. Por isso, fiz este disco com o André Indiana.
As parcerias que tem feito com outros músicos advêm dessa necessidade?
Sim. Trabalhar com os Natiruts, Orelha Negra, Mafalda Arnauth e André Indiana foi excelente. E, curiosamente, tenho trabalhado com pessoas que se inserem num estilo musical muito diferente do meu e acho isso muito importante. Assim, aprendo a ligar aquilo que eu sou com o que são os outros. Estes duetos ensinam-nos muito e a música é feita dessa partilha. Não é bom fecharmo-nos no nosso mundinho.
E com quem gostaria de cantar agora?
Com David Bowie. É um sonho!
Veja na página seguinte: A influência maior da cantora
Quem são os seus ídolos na música?
A pessoa que mais me inspirou na vida, que é como se fosse uma professora virtual, é a Elis Regina. Foi a cantora que mais ouvi. Ensinou-me a respirar, a pronunciar as palavras com a intensidade correta, pois, muitas vezes, quem canta esquece-se disso e canta canções sobre amor, como se estivessem a plantar batatas. E quem melhor que a Elis para dar essa realidade às palavras cantadas?
E em que salas de espetáculo sonha atuar?
Já atuei em belas salas em Portugal e não sou uma pessoa de grandes ambições, mas claro se vier mais, melhor. Acho que os nossos Coliseus são o topo mas penso que qualquer artista anseia por atuar na maior sala portuguesa, o Meo Arena. E eu não sou diferente!
Acredita que o facto de cantar em inglês pode ajudá-la numa carreira internacional?
Para já, estou focada em que as pessoas me ouçam e me conheçam em todo o país para que chegue a qualquer lugar e saibam quem eu sou e que cantem as minhas músicas. Mas também tenho concertos marcados para fora de Portugal. Em 2015, vou a um festival rock na Escandinávia, mas foram eles que me vieram buscar. Não sou muito de procurar…
Isso significa que não é muito sonhadora?
Sou sonhadora mas numa escala real, sem perder a noção da realidade.
Quando era criança fez ballet, foi aí que descobriu a sua veia artística?
Não consigo dissociar o ballet da música. Complementam-se e são as minhas grandes paixões. Com três anos, já fazia ballet e tinha aulas de piano. A música sempre esteve muito presente na minha vida, porque os meus pais sempre ouviram muita.
Mas podemos dizer que o ballet contribuiu para o seu à-vontade em cima do palco?
Completamente. Há pouco tempo, numa visita à minha escola de ballet, comentava isso com a minha professora. Acho que me ajudou na minha vida toda, na respiração, na postura e na relação com o corpo. Ainda bem que os meus pais me deram a oportunidade de escolher esta atividade.
Falou há pouco na música que escreveu para o seu filho. Ser mãe mudou a sua vida?
Mudou muito. Deixei de ser tão tímida como era e deixei de me preocupar com as coisas estúpidas da vida. Notei uma mudança radical.
E isso nota-se também na sua carreira?
Claro. O facto de ter uma personalidade retraída não me ajudava em nada na minha carreira. Só me conseguia soltar no palco e, por exemplo, estar aqui a dar esta entrevista era muito difícil, pois ficava nervosa. Era comum as pessoas perguntarem-me, como é que me conseguia soltar no palco, sendo tão tímida...
Veja na página seguinte: A vida familiar de que Mónica Ferraz não abdica
E é fácil de conciliar a carreira com a vida familiar? Como é que é levar um bebé numa digressão?
O Ian fez a digressão e continua a andar sempre comigo. Confesso que não é fácil andar com um bebé na estrada, mas desligo o complicador e as coisas tornam-se mais simples. Sou muito calma, não stresso com quase nada.
Com essa experiência e com um pai e uma mãe músicos, o Ian já deve ter ouvido para a música...
Já e dança muito. [risos] E é interessante porque reconhece-nos nas músicas, mesmo que seja a primeira vez que as oiça.
Vai insistir para que tenha formação musical?
Não, quero fazer o que os meus pais fizeram comigo e com os meus irmãos, deram-nos a escolher o que queríamos fazer. Eu escolhi o ballet e a música, a minha irmã o ballet e o meu irmão o karaté e a natação. Se ele não gostar de música não há problema, quero é que seja feliz.
Como é que se imagina daqui a dez anos?
Imagino-me essencialmente feliz e com vontade de viver.
É esse o seu grande objetivo?
Sim tudo o resto vem por acréscimo. Se estivermos realizados conseguimos fazer tudo.
Para si o que é Saber Viver?
É amar intensamente tudo o que fazemos.
Texto: Rita Caetano
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