É natural que a grande maioria dos Pais e Treinadores de jovens Atletas queira o melhor para eles. É desejado o seu sucesso e a sua satisfação na prática desportiva. E que mais? Que outros aspetos e valores podem ser desejados, talvez até mais do que o sucesso ao nível dos resultados desportivos?

Faz sentido querer o melhor para eles num sentido mais amplo, e promover outros ganhos. Coisas como o companheirismo e fairplay, competitividade saudável e justa, confiança e auto-eficácia, lidar eficazmente com o stress e ansiedade, sentido de compromisso e resiliência, empatia e respeito pelos colegas, entre outras. E já se sabe que o Desporto consegue ser um belo campo para o desenvolvimento pessoal a vários níveis.

O problema é que muitas destas coisas, em muitos casos, entram facilmente em esquecimento, ou não são cultivadas/reforçadas de formas que sejam adequadas. É frequente que no meio de boas intenções, alguns comportamentos dos Pais e Treinadores não produzam resultados positivos ou favoráveis ao melhor desenvolvimento do jovem.

Veja-se que em 2015 a NAYS (National Association for Youth Sports) nos EUA, recolheu dados estatísticos a nível nacional e reparou numa taxa de abandono de 70% de jovens até aos 13 anos de idade no Desporto Organizado, principalmente devido á perda de alegria e diversão na prática desportiva - importa olhar para o que leva a tais perdas e desistências, e o que se pode fazer para evitá-las. Em Portugal, desde que há registo estatístico (1996) o nº de Atletas federados tem vindo a aumentar a uma taxa regular média de 4% por ano (exceto decréscimo de 1,3% em 2006). Os últimos dados disponíveis são de 2020 e contam 587812 Atletas, uma diminuição de 17% comparativamente a 2019.

Estamos perante uma grande necessidade de educar os adultos para serem mais capazes de se regularem, e apoiarem eficientemente os jovens nos desafios que encontram na sua prática desportiva, e nas restantes interações que tenham nesse contexto. Eles devem ser uma fonte de suporte, confiança, e conforto para com a pessoa/criança por detrás do Atleta em quaisquer circunstâncias.

Reparamos então que, para os jovens, há momentos fora do campo que afetam negativamente momentos dentro do campo, advindos de palavras, perspetivas, ou posturas desadequadas que os Pais ou Treinadores têm para com eles. Mais uma vez, há que considerar que esta toxicidade é muitas vezes invisível ou inadvertida, e resulta dos pais quererem ver algo diferente e influenciar os comportamentos dos filhos.

Passemos então para alguns exemplos. Em primeiro lugar, julgo que o principal é quando o Pai, Mãe, ou Treinador(a) são demasiado “resultadistas”. O termo mais técnico para esta mentalidade é uma “orientação para os objectivos de realização” inflamada ou desequilibrada para o resultado/ego, dando-se escassa atenção e valor para a orientação para o processo/tarefa. Ou seja, mantém-se um peso exacerbado no resultado obtido, e valoriza-se a vitória mais do que tudo.

À partida, parece que isto não tem nada de adverso. É natural essa valorização. O querer ganhar demonstra a força da ambição, e o alcance da vitória está obviamente associado a alegria, satisfação (emoções agradáveis), enquanto a derrota costuma estar associada a frustração, tristeza, desilusão, raiva (emoções desagradáveis), e portanto procura-se evitá-la. No entanto, não dá para ficar apenas por aqui. E o leitor poderá rapidamente aperceber-se disso a partir de um exemplo simples: será que preferia (ou o próprio jovem Atleta) competir contra adversários mais fracos em termos de qualidade técnico-tática, e ganhar sempre por margens elevadas? Ou jogar numa equipa que não encaixasse minimamente no nível de qualidade que o jovem tem - seria aborrecido e consideraria descabido e uma perda de tempo pois não evoluiria, não seria desafiante, e não se divertiria.

Esta componente do desafio é o que torna a prática desportiva empolgante, e verifica-se então que existe muito mais para além do resultado final. Uma vez ouvi alguém dizer que a definição de desporto poderia ser “a colocação de obstáculos desnecessários numa determinada atividade com o fim de ultrapassá-los”. Isto orienta-nos para dar ênfase aos processos. Os processos de aprendizagem útil a cada momento para a respetiva modalidade em que o jovem se insere. Os processos atencionais que devem ser desenvolvidos. Os processos de correção e ajuste para aprimoração técnica. Os processos estratégicos. Os processos de união e coesão da equipa. E tantos outros processos mentais que levem o jovem e a equipa a um funcionamento otimizado - como o esforço, dedicação, persistência, curiosidade e interesse, e indo até à forma como o próprio Atleta se trata e fala para si próprio.

E inúmeras implicações surgem a partir da mentalidade resultadista pura e dura. Ou seja, ela faz nascer a tendência para um clima motivacional que leva mais à perda de interesse, burnout, frustração, perfecionismo e comparações desadaptativas, e menor persistência. Faz com que o Atleta passe a ter o seu valor como pessoa condicionado pelo ganhar ou perder, e não simplesmente porque o deve ter. E faz ainda com que o feedback e os elogios que os adultos dêem, sejam desorientados e improdutivos, uma vez que deixam de ter como alvo o esforço, os processos de tomada de decisão, os sacrifícios, o enfrentar e ultrapassar de dificuldades, só para dizer alguns.

Ainda, a inflamação da Orientação para o resultado/ego, faz com que o resultado seja o cerne das questões e se perca a devida valorização de aspetos como esforço, foco, regulação emocional nos momentos determinantes da competição, e tantos outros pensamentos estratégicos e apoiantes mais adaptativos para um crescimento sustentável e rico a longo prazo. Tudo isto aspetos que poderiam surgir, com maior espaço, num ambiente saudável onde se abordasse a pessoa que mobiliza o atleta em si com compaixão, e com interesse genuíno pelo que está em torno das tarefas e questões relativas ao seu desporto (pois só aí se encontrarão respostas, e melhores perguntas, que guiarão o crescimento atlético e a eficácia de processos que se aproximarão do sucesso).

Para além disto, outra consequência a referir aqui brevemente, é a de que, se o atleta apreende que tem o seu valor pessoal condicionado pelas conquistas ou erros que tenha, pode levar a que ele não se comporte de forma tão livre e criativa, e fique ele próprio condicionado, omitindo certas coisas que considere que, se as transmitir, haverá uma ameaça de ser severamente criticado; como também o pode levar a mentir ou tentar fazer batota para ficar “melhor visto”.

Outro tópico recorrente nas experiências dos Atletas que os envolve diretamente nas suas ações em campo, é precisamente o das reações aos erros. Este é todo um tema que mereceria um novo texto, contudo, caso os Treinadores ou Pais fiquem irritados e sintam a tendência de criticar ou ralhar com o jovem por causa disso, é importante que reflitam sobre a hierarquia de valores que estão a levar para o relacionamento com os jovens, e relembrarem-se o que é estar perante situações desafiantes (lembrar o processo de aprender determinada competência ou entender/incorporar determinado conceito ou princípio - foi difícil certamente).

E o Desporto apresenta constantemente essas situações (nota novamente para a valorização do desafio descrita acima!). É de relembrar também que um objetivo principal no Desporto de Formação (mesmo que seja de alta-competição) é Aprender. Vale a pena (ou faz algum sentido) portanto ficar desiludido e/ou chateado por ver uma falha? Ou vale mais tentar apoiar o Atleta para entender o que levou a determinado erro e oferecer suporte e encorajamento para prosseguir? Já para não falar das oportunidades tremendas que podem-se encontrar nos erros cometidos. São eles que trazem informação para melhorias, e se vai aprendendo e aproximando de pequenos mas maiores sucessos nas próximas execuções.

Daí que para além de ter este trabalho de desmistificação e de cultivar um novo relacionamento com os erros e desafios, eu pergunte aos Atletas que acompanho “que ganhos é que podem extrair de performances menos conseguidas, de derrotas, de erros”. À partida pode ser estranho, desconfortável, descabido ou inútil na mente deles, mas torna-se também um processo humilde, empolgante e que estimula o seu potencial a vários níveis. De notar que o inverso também se pode verificar. Ou seja, após uma exibição ótima ou uma vitória também se podem encontrar imperfeições e aspetos que mereçam ser alvo de críticas construtivas. E não esquecer, que existem vitórias alcançadas com sorte, e exibições que ficam àquem, e existem derrotas em que se teve algum azar e o Atleta e/ou a equipa teve um excelente desempenho.

É sugerido então que os Pais, Treinadores, e Atletas se relembrem de todos estes aspetos, de modo a terem um convívio mais regulado e equilibrado com o sucesso e insucesso (em termos de resultados), e desenvolvam um sentido de segurança e valor pessoal mais robustos.

Antes de terminar importa fazer referência a um momento bastante relevante que não deve, de todo, ser menosprezado, uma vez que pode ter impactos imensamente significativos para o jovem Atleta: o regresso a casa após os treinos ou jogos de competição. Este regresso deve pertencer aos jovens. Ou seja, não se devem discutir assuntos relativos ao jogo ou decisões tomadas, sem a iniciativa do jovem. Isto principalmente porque as emoções costumam estar à flor da pele, o jovem pode estar mais sensível e vir a sentir-se confrontado/julgado/criticado e isso pode aborrecê-lo ou derrubar a sua confiança, para além de poder também promover um tipo de perfecionismo desadaptativo ou até pessimismo. Ao invés disso, os Pais podem ajudá-los, mais tarde, a pensar produtivamente e funcionalmente, sem julgamento, fazendo-os saber previamente que ficam contentes e adoram ver o/a filho/a jogar, independentemente do resultado, que se interessam pela sua experiência e reflexões, e que terão sempre o seu apoio incondicional. A partir daí, perguntas de exploração pelo que correu bem, menos bem, e pelo que gostaria de ver ou fazer diferente nas próximas ocasiões podem surgir. (Nota para o cuidado a ter para não entrar demasiado em debate de modo a não entrar no papel do Treinador)

Ainda neste âmbito, por vezes, comportamentos que podem ser vistos como desajustados ou “maus”, ou reações efusivas por parte dos jovens podem servir como indicativos potencialmente bons para os Pais. Estes podem estar a comunicar necessidades frustradas ou insatisfações importantes que devem ser endereçadas com cuidado, respeito, e compaixão. A partir daí podem obter-se informações importantes para se realizarem alguns ajustes nas abordagens dos Pais, Treinadores, ou próprios Atletas.

Estes e outros assuntos relativos aos relacionamentos humanos no Desporto e Parentalidade merecem ser mais desenvolvidos, e portanto podem ser encontradas conversas enriquecedoras com outros especialistas em Podcasts nos links deixados no final deste artigo.

Não esquecer , por fim, que aquela vitória suprema de chegar aos patamares de topo sénior no Desporto e poder ter uma vida financeiramente sustentada por isso é algo que cabe, no máximo, para apenas 1% dos jovens Atletas. Portanto, que outras coisas podemos ajudá-los a todos a ganhar que fique com eles para a vida?

Que tal então, retirarmo-nos de uma definição de sucesso meramente sinónima ao ganhar, e transformá-la nas nossas mentes como a definição proposta pelo célebre treinador de Basquetebol, John Wooden (considerado por muitos o melhor de todos os tempos e precursor para vários patamares na área da Psicologia do Desporto a partir dos Princípios que transmitia aos seus Atletas) : “Sucesso é paz de espírito só alcançada através do resultado direto da auto-satisfação em saber que deste o teu melhor para te tornares o melhor que sejas capaz ”.

Um artigo do psicólogo clínico Gonçalo Miguel Marques*.

*O autor deste artigo é também autor de um Podcast que pretende informar e apoiar Treinadores, Atletas, e Pais nas questões relativas à Performance, Aprendizagem, e componentes mentais envolvidas no Desporto, e organizou uma playlist de episódios úteis para Pais.