Do lado de fora de um dos estúdios da RTP, em Lisboa, a luz vermelha acesa indica que estão a decorrer gravações e pede silêncio a quem entrar. Do lado de dentro, Luís Barata dá uma aula de matemática para todos os alunos dos 1.º e 2.º anos do país.

É a primeira vez em televisão do professor do Colégio Corte Real, na Moita, e a turma é maior do que o habitual, apesar de não conseguir ver nenhum dos seus alunos.

“É muito estranho. Aquilo que nos alimenta, entre aspas, e aquilo que nos dá aquele calor na alma é estarmos com os alunos e, portanto, esta é uma situação completamente diferente”, admitiu à Lusa, sublinhando que nesta nova experiência tudo é um desafio.

Luís Barata é um dos mais de 100 de professores envolvidos no espaço #EstudoEmCasa, que vai ocupar parte da programação da RTP Memória com aulas para os alunos do 1.º ao 9.º ano durante todo o terceiro período.

O desafio foi lançado pela Direção-Geral da Educação (DGE) e aceite pela estação de televisão pública, que em pouco mais de duas semanas montou um projeto que vai permitir tornar mais acessível o ensino em tempos de pandemia.

Elisabete Pires também adotou o estúdio de televisão como uma das suas novas salas de aula e considera que este projeto é sobretudo benéfico para os alunos que, por falta de meios, não conseguiram acompanhar o ensino à distância quando as escolas foram encerradas, em 16 de março, para conter a propagação do novo coronavírus.

“A vantagem é, sobretudo, para os alunos que, infelizmente, não podem ter acesso à Internet e a outros meios de comunicação mais modernos para que eles mantenham o contacto com a escola”, reconheceu a professora de Francês.

As primeiras aulas do #EstudoEmCasa começam a ser transmitidas na segunda-feira, mas as gravações só arrancaram no dia 09 de abril e o pouco tempo de preparação vai obrigar a equipa a trabalhar intensivamente durante o terceiro período. No final, estima o diretor da RTP Memória, Gonçalo Madail, serão cerca de 900 horas acumuladas de emissão.

O desafio estende-se também aos professores que têm nesta experiência o primeiro contacto com os bastidores da televisão e que, apesar do cenário de sala de aula pensado para ser o mais confortável possível, não deixam de se sentir nervosos em frente às câmaras.

“O projeto em si já é super desafiante e, depois nós somos assim apanhados muito de surpresa e tem de ser tudo no imediato” admite o professor de Matemática, considerando que o momento da gravação é o mais difícil de gerir.

Elisabete Pires também não está habituada às câmaras, mas admite que, no seu caso, um dos principais desafios é conseguir lecionar aos 7.º, 8.º e 9.º anos em simultâneo, isto porque devido ao grande número de disciplinas, as aulas de francês, bem como das outras línguas estrangeiras, são dirigidas a todos os alunos do 3.º ciclo.

“Isto faz-se falando, fazendo exercícios, com vídeo e com imagens, e tentando encontrar palavras transparentes para que todos possam compreender”, explicou à Lusa a professora do Agrupamento de Escolas de Ferreira de Castro, em Mem-Martins, no concelho de Sintra.

Apesar da dificuldade, por detrás destas aulas está uma equipa de mais de uma centena de professores de várias escolas que se associaram à iniciativa, que constroem os guiões das aulas, depois validados pela DGE.

Além destes, a equipa conta também com mais de uma dezena de intérpretes de língua gestual que traduzem cada uma das lições.

Para os dois professores, que em paralelo continuam a acompanhar os seus alunos a partir de casa, a transmissão destas aulas servirá também como complemento ao trabalho que têm vindo a desenvolver no contexto do ensino à distância e Luís Barata acrescenta que, também por isso, há um grande esforço para tentar tornar estas sessões o mais interessantes possível.

“Tentar que seja desafiante e ao mesmo tempo estimulante para quem está em casa é um grande desafio. Eu espero que consigamos todos chegar da melhor forma aos nossos alunos e que estes momentos sejam um desafio para eles, sejam um privilégio, e que consigam trabalhar em casa”, sublinhou.

O primeiro-ministro, reconheceu na quarta-feira que este projeto surgiu da necessidade de facilitar o acesso ao ensino aos alunos mais carenciados que se viram excluídos das aulas ‘online’ que substituíram as aulas presenciais, depois de o Governo ter encerrado todas os estabelecimentos de ensino devido à pandemia da covid-19.

"Percebemos que há um conjunto de alunos que não têm acesso às plataformas digitais e, por isso, era preciso complementar esta oferta com uma nova oferta que pudesse chegar a todos e é por isso que criámos este programa, não para relembrar a velha Telescola (…), mas para criar uma escola de hoje, que chega com os conteúdos de hoje e com as tecnologias de hoje à casa de cada um", sublinhou António Costa na sessão de apresentação da iniciativa.

No entanto, na mesma ocasião, o presidente da administração da RTP considerou que a receita por detrás do #EstudoEmCasa tem potencial para se tornar algo regular que, segundo Gonçalo Reis, cumpre o propósito de “informar, entreter e educar” da estação.

“Este programa é lançado num contexto muito especial, mas os méritos são permanentes. Portanto, há aqui aspetos interessantes e positivos que ficam e que são válidos hoje e são válidos amanhã”, disse.