
Num dos bairros mais elegantes de Lisboa, escondido entre fachadas senhoriais e jardins discretos, encontramos o Sublime Lisboa. Trata-se de um boutique hotel que acolhe no seu interior o restaurante Davvero. Liderado pelo chef italiano Isaac Kumi, o espaço combina a tradição italiana com um respeito quase religioso pelos produtos locais e pela sazonalidade. Aqui, comer é mais do que alimentar o corpo: é partilhar uma história.
“Cada prato meu tem alma, tradição e um pouco de mim”, confessa-nos Isaac Kumi, chef que assumiu o comando do Davvero em 2021, em plena pandemia. Com raízes no norte de Itália e uma formação de excelência na escola Cipriani, Kumi traz uma cozinha de autor que respeita a tradição sem abdicar da inovação.
A sua escolha por Portugal não foi um acaso: “Vim por um ano, fiquei quatro. Apaixonei-me por Lisboa e pelo resto do país”, diz com um sorriso franco. A carta do Davvero reflete essa fusão: ingredientes italianos autênticos — como o pecorino romano ou a pasta de Gragnano — convivem com produtos nacionais cuidadosamente escolhidos, como o peixe, o marisco ou a amêndoa portuguesa.

No Davvero, cada prato é pensado como uma narrativa, uma memória que se transforma em sabor. Alguns já se tornaram clássicos da casa, tanto pelo cuidado na execução como pela fidelidade às raízes.
Um deles é o Baccalà Mantecato (8 €), uma brandade de bacalhau envolta numa polenta negra crocante que surpreende pela textura e intensidade. A polenta é um prato típico do norte de Itália que Kumi trouxe como assinatura pessoal. “É super exclusiva, não é algo comum de se ver”, explica.
Outra entrada emblemática é o Carciofo alla Giudìa (17 €), alcachofra frita com maionese de anchovas (quando o tempo o permite). Crocante, salgada na medida certa e com uma untuosidade que conquista à primeira dentada.
Entre os pratos de pasta, o destaque vai para os Ravioli di Ricotta e Spinaci al Burro e Salvia (22 €), um clássico vegetariano que mostra como a simplicidade, quando bem executada, pode ser extraordinária. A massa delicada envolve o recheio suave, e a manteiga de sálvia completa o conjunto com elegância. O chef destaca também o Spaghettoni Cacio e Pepe (20€), “feito à moda de Roma, com pecorino romano, um queijo de cabra mais salgado”.
Mas talvez nenhum prato seja mais representativo da identidade do Davvero do que a Piccatina al Limone (30 €), os tradicionais escalopes de vitela, servidos com um puré trufado que eleva o prato a um novo patamar. Presente desde a abertura do restaurante, é um daqueles que o público não deixa sair da carta. “Fomos aperfeiçoando, procurando carne mais suave, um molho mais equilibrado, mas a base manteve-se”, conta o chef.

Para acompanhar a refeição, há também lugar a rituais que evocam “La Dolce Vita”, como o Bellini, um clássico italiano que aqui é o cocktail da casa. Uma forma elegante de abrir o apetite ou de brindar ao final de um jantar com calma.
No final da refeição, os doces do Davvero não são apenas uma nota de encerramento, são um novo capítulo. “As nossas sobremesas não são demasiado doces”, diz o chef.
A sobremesa em forma de pera é um desses casos felizes de improviso que se tornam permanentes. Já o gelado artesanal, feito no restaurante, rompe com a tradição italiana de não se servir gelado durante a refeição, como confidencia o chef. “Mudamos tudo na textura e no sabor. O gelado é leve, cremoso, recém-feito”, garante.
A filosofia da casa é clara: “De 10 pratos numa nova carta, sete ou oito são realmente novos. Mas há pratos que os clientes pedem tanto que não conseguimos tirar”, admite. A relação com o público é próxima, quase cúmplice: “Criamos para eles.”
Com a chegada da estação quente, Isaac Kumi prepara novos pratos que prometem continuar a surpreender os clientes habituais, como um novo ravioli, prestes a estrear na nova carta, ou o regresso do esparguete com amêndoas. Mas há mais. “Outro prato que quero muito trazer para o verão é a sardinha em sal. É uma receita tradicional de Veneza, muito humilde na origem, mas com um sabor extraordinário. São sardinhas marinadas com cebola agridoce e pinhão e tem um contraste de sabores que é maravilhoso. É um prato ‘pobre’, sim, mas com um toque moderno e cheio de caráter”, explica.
Questionado sobre o prato que ainda gostaria de ver na carta, o chef não hesita: fígado com cebola, uma receita da avó. “É um sabor mais delicado, que divide opiniões”, reconhece. Mas para Isaac Kumi “com esse tipo de prato, o meu objetivo é ir introduzindo cada vez mais receitas tradicionais italianas, até as menos conhecidas”, até porque “nunca quis fazer uma cozinha demasiado comercial. No início é necessário, claro, ajuda a atrair um certo tipo de clientela. Mas depois disso, temos a liberdade de contar uma história verdadeira. Cada prato deve ser diferente, ter alma, identidade”.
Num momento em que Lisboa se enche de restaurantes italianos, o Davvero distingue-se pela autenticidade. “Agora há uma verdadeira comunidade de chefs luso-italo-brasileiros. Mas a diferença está na cultura e no respeito pelos ingredientes.”
Isaac Kumi fala de Lisboa com emoção genuína. “Tem um equilíbrio maravilhoso entre o caos das grandes cidades e a tranquilidade. Cozinhar aqui é contar histórias.”
E isso sente-se em cada prato. No Davvero, a cozinha italiana não é um apenas mais um conceito, é uma vivência. Uma experiência que cruza tradição, técnica, paixão e território. E que convida quem entra a sentar-se à mesa, saborear devagar e a voltar.
A cozinha do Davvero é um abraço entre Itália e Portugal. Um daqueles lugares onde se entra para almoçar ou jantar e, se tivermos disponibilidade, se sai com uma história para contar.
O SAPO Lifestyle esteve no Davvero a convite do restaurante.
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