Rezam as más línguas que a predominância masculina na sociedade acabaria em apenas uma geração se todas as mães educassem os seus filhos para a igualdade. Digo as más línguas, porque sabemos bem que, apesar do esforço contínuo que se possa ter em casa, a verdade é que a sociedade ainda nos bombardeia com estereótipos aos quais as crianças não são imunes.
No entanto, esta frase abre um sem número de possibilidades: que as crianças podem realmente ser educadas a partir de casa, da sua família, para a igualdade e para a justiça entre géneros. Vamos começar:
1. Não limite as brincadeiras e os interesses dos seus filhos
É conhecido que aos rapazes se oferecem brinquedos que estimulam a visão espacial e o conhecimento numérico, enquanto que às meninas se oferecem brinquedos que reforçam aspetos de cuidado e socialização.
Não quer dizer que seja errado, no entanto estamos a privar os nossos filhos de interagir com toda uma gama de brinquedos que poderia ter um importante papel na estimulação de competências que são louváveis independentemente do sexo.
Quererão as mães de rapazes que os seus filhos não saibam alimentar-se sozinhos ou que, já em adultos, vivam numa esterqueira por não saberem usar o aspirador? Quererão as mães de meninas que jamais elas possam seguir uma engenharia?
Sabemos bem que felizmente este paradigma está a mudar, com cada vez mais mulheres a acederem ao ensino superior e em áreas previamente consagradas ao género masculino. Isto é verdadeiramente o fruto do trabalho de uma geração de pioneiras que educou os seus filhos a terem interesses independentes do género!
2. Uma ação diz mais do que mil palavras
Podemos ser incrivelmente empenhados, falar sobre a igualdade de género, estimular as meninas a brincar com pistas e meninos a brincar às casinhas, no entanto se as tarefas em casa não forem distribuídas de forma equitativa, nada feito!
Está provado que tendencialmente dividiremos as tarefas em casa de acordo com o que vimos a acontecer na casa dos nossos pais.
Nesse sentido, os homens têm que deixar de “ajudar” nas tarefas domésticas, para passarem a cozinhar se quiserem comer, a limpar se quiserem a casa limpa e a tratar da roupa se quiserem ter o que vestir. Bem vejo que é uma forma muito explícita de exemplificar que ainda nos dias de hoje se verifica uma enorme assimetria na distribuição das tarefas domésticas, perpetuada sobretudo por uma educação que continua a incentivar estereótipos.
3. Ainda assim, conversar é importante
Uma vez que a sociedade nos brinda com estereótipos bacocos, é importante falar justamente sobre isso com os nossos filhos. É importante ouvir a sua opinião e o seu entendimento sobre estes assuntos. Porque se não for conversado, as crianças vão assumir a perspetiva dominante.
Por outro lado, é preciso falar sobre sentimentos sempre. Mais: as crianças são maioritariamente afetuosas e gostam de expressar a sua afetividade. Com o estereotipo masculino, a ensinar a suprimir as emoções (o clássico, “os homens não choram”), estamos a fazer uma péssima ação aos nossos filhos rapazes.
4. Chamar os genitais pelos seus nomes
O uso generalizado de pipi e pilinha para nomear os genitais é uma forma clássica de demonstrar o nosso desconforto em falar sobre sexualidade desde a infância.
Temos que ser mais transparentes: as crianças têm o direito de explorar o seu corpo (não falo de masturbação, falo apenas e só de conhecimento) e conhecer os nomes pénis e vagina, da mesma forma que sabem que a boca é uma boca e o nariz é o nariz.
Uma conversa aberta sobre estes temas é aliás protetora da criança, promovendo o respeito integral pelo corpo bem como a autoestima.
Por outro lado, ao incentivarmos a autodeterminação de género, estamos a proteger os nossos filhos de contactos sexuais indesejados, algo que acaba por ser muito prevalente quando se atinge a adolescência, como aliás comprovam as estatísticas sobre violência no namoro.
Um artigo da médica pediatra Joana Martins.
Comentários