Jean Paul Gaultier antecipou que o desfile seria uma grande festa com "muitos amigos", e não decepcionou. No elegante teatro musical de Châtelet, com orquestra e cantores ao vivo, o "enfant terrible" da moda apresentou mais de 200 looks num ambiente de euforia, com modelos sorridentes e exageradas, além de um público que aplaudiu com entusiasmo por mais de uma hora.

O estilista, de 67 anos, anunciou na última sexta-feira, de surpresa, que este seria o seu último desfile, mas garantiu que a sua marca, propriedade do grupo espanhol Puig, continuaria com um projeto que seria anunciado brevemente e do qual é um "instigador".

"A moda tem que mudar"

"Acredito que a moda tem que mudar. Há muitas roupas, roupas que não servem para nada. Não deitem fora, reciclem", diz Gaultier num comunicado distribuído entre o público, explicando pelo menos de forma parcial a sua decisão de colocar ponto final nos seus desfiles.

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"Esta noite, vão ver a minha primeira coleção de alta costura "upcycling"; abri as gavetas", disse citando a técnica que consiste em utilizar peças antigas e dar-lhes nova vida.

Antes de Rossy de Palma, Mylene Farmer e as irmãs Bella e Gigi Hadid apareceram na passerelle a usar as últimas criações com base de jeans, cintos de couro, seda e tule, o desfile começou com a representação de um funeral, com modelos em looks pretos totalmente estáticas.

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Com a banda sonora de Boy George, um caixão entrou no cenário com dois seios cônicos presos na tampa. Uma coroa de flores dizia "Moda para sempre".

No final do desfile uma tela gigante mostrou vídeo dos bastidores. Gaultier, com um macacão azul, foi cercado pelos seus colaboradores, que acabaram por levá-lo em ombros e enchendo-o de beijos.

O desfile aconteceu durante a Semana da Moda de Alta Costura, um clube restrito ao qual Gaultier pertence desde 2001 juntamente com outras 15 marcas, como Dior, Chanel, Givenchy, Valentino e Giambasttista Valli.

"Inconformista"

Subversivo e livre, Gaultier é um dos estilistas mais importantes de todos os tempos, e desafiou a tradição da beleza tradicional incluindo todas as orientações sexuais nos seus desfiles, muito antes de todos os outros. Também foi precursor na fusão de géneros na passerelle.

Gaultier fez dos seus desfiles um mundo aparte: longe do tradicional formato rígido da passerelle, montou verdadeiros espetáculos cheios de excentricidade e ousadia, mais próximos de um cabaré.

Muitos o consideram uma referência histórica, como o estilista espanhol Alejandro Gómez Palomo, cuja marca Palomo Spain desfila com sucesso em Paris há dois anos.

Todos belos!

"Jean Paul Gaultier tinha 17 anos quando começou a trabalhar comigo, acreditava nele e continuo a acreditar. Foi o único que apoiei", lembrou recentemente o seu mentor Pierre Cardin numa entrevista à AFP.

Em 2018, declarou que "todo mundo é belo" no seu espetáculo autobiográfico "Fashion Freak show" em Paris. O seu sucesso deu-lhe asas para voar além das semanas da moda, segundo especialistas.

"Há muitos anos que ouvíamos falar de Gaultier, tenho que tomar uma decisão, o momento chegará. O espetáculo deu-lhe perspectivas de futuro", segundo o historiador de moda Olivier Saillard.

"Era muito bonito ver o público rir, chorar, sentir-se em comunhão com ele. É mais alegre que um desfile de moda que dura 11 minutos, com as pessoas a tirar fotos com os seus smartphones e apenas a aplaudir", acrescenta em entrevista à AFP.

Para esse especialista, Gaultier continuará "a construir aparências, mas de outra maneira".

O estilo de Jean Paul Gaultier: da t-shirt à marinheiro às saias masculinas

A t-shirt à marinheiro, o corpete cónico usado pela cantora Madonna e as saias para homens são algumas das criações que marcaram o estilo de Jean Paul Gultier, que esta quarta-feira se despediu dos desfiles de alta costura.

A t-shirt à marinheiro

Esta é uma das imagens de marca do estilista, que se inspirou na roupa que usava na infância. A t-shirt à marinheiro transformou-se num elemento do vestuário unissexo, e nos desfiles é usada em várias versões, tanto curta como vestido longo.

Os artistas Pierre e Gilles imortalizaram o estilista vestido com a sua roupa preferida e um bouquet de margaridas nas mãos. A camisola às riscas aparece até no frasco do perfume "Le Mâle", que começou a ser vendido em 1995.

Homens de saia

Crítico dos clichés de moda relacionados com a sexualidade, Jean Paul Gaultier causou sensação ao criar saias para homens na sua coleção "E Deus criou o Homem" em 1984. Segundo o próprio, "a masculinidade de um homem não está na roupa, a sua virilidade está na mente".

A saia aparece em vários tecidos para confrontar melhor os códigos do masculino e do feminino. E a sua arte para jogar com os papéis de género torna-se manifesto quando veste o homem com estampados escoceses, como um kilt.

O corpete cónico de Madonna

Um corpete da sua avó fez com que se interessasse por essa peça. Jean Paul Gaultier começa a comprar "bustiers" com enchimentos cônicos nas lojas e decora-os com cruzes militares. A partir de 1980 começa a costurá-los e transformá-los em peças de roupa.

Quando Madonna pede que faça o figurino da sua turné "Blond Ambition Tour" em 1990, o corpete rosado com seios pontiagudos usado pela estrela transforma-se num sucesso mundial.

Modelos fora do comum

Jean Paul Gaultier gosta da diferença e vê beleza em todos os lugares. Nos anos 1980, publicou um anúncio no jornal Libération: "Estilista inconformista procura modelos atípicas. Pessoas com o rosto disforme, não se abster".

Rompendo com os símbolos da beleza em voga para modelos, desfilou mulheres com excesso de peso, de meia-idade e que não fossem caucasianas. Foi quem lançou Farida Khelfa, a primeira modelo de origem magrebina que alcançou o sucesso.

Também levou para passerelle a exuberante cantora americana Beth Ditto (ex-membro do grupo de rock Gossip), a pin-up Dita Von Teese, a travesti Conchita Wurst, a cantora Mylène Farmer. A maioria dos seus desfiles são em tom festivo e muito coloridos.

O Quinto Elemento

A mente criativa de Jean Paul Gaultier também chegou ao teatro e às salas de cinema. Como quando reinventou os fatos do músico Yvette Horner.

Os figurinos para o cinema são os mais lembrados, como o look de Victoria Abril em "Kika", de Pedro Almodóvar (com quem Jean Paul Gaultier colaborou várias vezes), os fatos de "A Cidade das Crianças Perdidas", de Marc Caro e Jean-Pierre Jeunet, além de "O Quinto Elemento", de Luc Besson. Nesse filme, que se transformou num clássico da ficção científica, despe Milla Jovovitch com um macacão minimalista, feito com tiras de tecido branco. Já o laranja escolheu para todos os outros lugares, como as roupas de Bruce Willis, o cabelo de Milla e os uniformes dos funcionários do McDonald's.