Hoje ao reler algumas notícias dos últimos dias dei comigo a pensar na evidente “dificuldade em aprender lições” demonstrada por quem tem o poder de decidir na saúde.
Na realidade quando procuro analisar as motivações que levam um conselho de administração de uma ULS a deliberadamente contornar a lei para retirar os poderes de avaliação entre pares a uma profissão, legalmente consagrado, atribuindo esse poder hierárquico a outra profissão, tenho de concluir que apenas se tem o objetivo de desvalorizar e desrespeitar uns em detrimento de outros.
Da mesma forma, a moribunda, ARSLVT vai protelando, inexplicavelmente a conclusão do concurso para enfermeiros gestores, publicado em 16/08/2022. Digo inexplicavelmente, porque não se compreende como se levam anos para responder a recursos, porque é inacreditável que pessoas investidas de poderes administrativos, sabe-se lá fundamentados em quê, conseguem contornar todas as regras e exigências que o processo administrativo impõe, para paulatinamente, e sem qualquer tipo de escrúpulo, protelar e atrasar a conclusão do processo, num evidente desrespeito e menosprezo por profissionais que já efetuaram as suas provas, foram classificados e aguardam há mais de um ano a homologação da lista final para poderem tomar posse da categoria a que concorreram, com todo o direito a progredir nas suas carreiras. É claro que, olhando para a fluidez com que a mesma ARSLVT despacha concursos de outros profissionais só posso concluir que apenas se tem por objetivo desvalorizar uns em detrimento de outros.
Estes dois exemplos, reais e infelizmente não únicos no nosso país, trazem-me á memória as lições que a pandemia de COVID-19 nos deixou, quando colocou os sistemas de saúde sob uma pressão sem precedentes, expondo fragilidades estruturais e evidenciando a importância estratégica de várias profissões, onde os enfermeiros emergiram como protagonistas silenciosos, assegurando a continuidade dos cuidados, a segurança dos doentes e a gestão de crises em todos os níveis de prestação de serviços.
Tal como a OMS relatou, durante os períodos mais críticos, os enfermeiros ocuparam a linha da frente, prestaram cuidados diretos a doentes críticos e não críticos, em unidades hospitalares, cuidados intensivos, lares e cuidados domiciliários, garantiram vigilância clínica contínua, avaliação de sinais de agravamento e implementação rápida de intervenções. Nos cuidados primários, ergueram a asseguraram o maior programa de vacinação, á escala planetária, reinventaram a sua prática, implementando o acompanhamento remoto para manter a continuidade dos cuidados, recorrendo às visitas domiciliárias e à educação comunitária, assegurando que, mesmo em confinamento, a população mantinha o acompanhamento necessário, atuando no combate à desinformação, usando evidência científica.
Os Enfermeiros Gestores coordenaram equipas, reorganizaram fluxos de trabalho e participaram no planeamento da resposta local e contribuíram para a gestão racional de recursos escassos, como EPIs e ventiladores. Serviram como pilar emocional para doentes e famílias, especialmente durante períodos de isolamento hospitalar. Mantiveram-se ativos apesar de riscos pessoais e sobrecarga de trabalho.
Mais do que prestadores de cuidados, os enfermeiros foram gestores de recursos escassos, líderes na incerteza, demonstrando que a enfermagem envolve planeamento, tomada de decisão e indispensável em saúde pública
As lições foram claras: é urgente investir em condições de trabalho seguras, programas de apoio psicossocial, formação contínua para cenários de crise e políticas de valorização efetiva da enfermagem. A pandemia evidenciou a centralidade dos enfermeiros no sistema de saúde e a necessidade de políticas públicas que reconheçam formalmente o papel estratégico da profissão.
Do ponto de vista pessoal, considero que a pandemia funcionou como um “exame final” para os sistemas de saúde — e os enfermeiros passaram com distinção, apesar das dificuldades. Os decisores políticos devem-lhes mais do que aplausos; devem-lhes compromisso de garantir que não mais se vão sentir profissionalmente desprotegidos, subvalorizados e desrespeitados na sua função.
Se algo ficou provado, é que sem enfermeiros, sem enfermeiros gestores, não há resposta eficaz na saúde, mas a lição mais valiosa que os decisores, políticos e estrategas da saúde, como os referidos no início deste texto, não aprenderam que investir no desenvolvimento dos enfermeiros não é apenas uma questão de reconhecimento profissional, mas sim de segurança e resiliência dos sistemas de saúde.
Se queremos sistemas resilientes, devemos colocar a enfermagem no centro do planeamento estratégico em saúde, começando pelo mais elementar: Respeitar os profissionais na sua integridade profissional.
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