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Quando a 15 de maio foi anunciado o regresso do desfile da Victoria's Secret para 2024, as expectativas subiram a pique. Afinal, sem darmos conta, o último desfile da marca, com a despedida de Adriana Lima das asas de anjo, como quem diz, a reforma da marca, aconteceu em 2018.
O empurrão foi dado em 2023, com o lançamento do documentário “Victoria's Secret World Tour” uma tentativa de repensar o tradicional desfile, com uma abordagem mais artística e colaborativa, que incluiu 20 designers independentes de vários pontos do mundo e flash backs dos tempos áureos da marca. O documentário refletiu um novo conceito de desfile, onde a moda se mistura com arte e cultura. Talvez possamos agradecer a Rihanna e à Savage X Fenty por esta nova era.
A verdade é que passaram seis anos e muita coisa mudou. A começar pela liderança com duas saídas importantes: em 2019, Ed Razek, ex-diretor de marketing, envolto em polémicas – comentários desrespeitosos sobre modelos transgénero e plus size, conduta inapropriada com acusações de assédio sexual por parte de modelos, assim como a promoção de um ambiente de trabalho tóxico ou a ligação a Jeffrey Epstein; e em 2020, Les Wexner, ex-CEO da L Brands, que detinha a Victoria's Secret, também com ligação a Jeffrey Epstein e com o peso de carregar o declínio da marca, com uma crise de vendas – as baixas audiências do desfile já eram um sinal disso mesmo – e a necessidade de reestruturação e mudança no modelo de negócio.
A nova CEO da empresa, que tomou posse no passado dia 9 de setembro, é Hillary Super, que veio da Savage X Fenty, e que sucedeu a Martin Waters, cuja liderança (entre 2021 e 2024) tentou reinventar a marca. O que nos leva à mudança seguinte, com o foco na inclusão e diversidade, além de buscar uma nova identidade no mercado de lingerie, que se tornou altamente competitivo com a ascensão da marca de Rihanna. Assim, a Victoria’s Secret passou a incluir modelos de diferentes tamanhos, etnias, idades e identidades de género, com Valentina Sampaio, a ser a primeira modelo transgénero a trabalhar com a marca.
Outra mudança importante foi o fim das chamadas "Angels" e a criação, em 2021, do VS Collective, um grupo de porta-vozes que inclui figuras como Megan Rapinoe (futebolista e ativista pelos direitos LGBTQ+), Priyanka Chopra (atriz), Naomi Osaka (tenista), Hailey Bieber (influenciadora) ou a própria Valentina Sampaio (modelo e ativista pelos direitos LGBTQ+). O objetivo foi claro: associar a marca a mulheres influentes, com experiências abrangentes e cujo trabalho fosse centrado no ativismo nas mais diversas áreas. Além disso, as mulheres que fazem parte deste coletivo também colaboram em designs e campanhas, como aconteceu com a coleção Victoria's Secret x Naomi Osaka, que além de lingerie também incluiu o que chamaram de "roupa de dormir mais casual".
Mas focando no desfile, a grande mudança foram as plataformas escolhidas. Se antes o evento era gravado e passado na televisão mais de um mês depois, desta vez foi transmitido ao vivo, nas redes sociais da marca (Instagram, YouTube, TikTok), e também na Amazon Prime Video, onde podemos ver o “Victoria's Secret World Tour”.
Além das novas caras, o regresso de modelos veteranas, como Tyra Banks, da primeira geração de “Angels”, do duo dinâmico Alessandra Ambrosio e Adriana Lima, ou a rainha do “catwalk” da marca Candice Swanepoel eram alguns dos momentos mais esperados do desfile.
O desfile
Passavam quatro minutos da meia-noite, em Portugal, quando a contagem decrescente começou. Imagens de Nova Iorque mostravam alguns pontos da cidade a ficarem rosa, ao mesmo tempo que uma misteriosa motard percorria as ruas ao estilo do videoclip “Toxic” de Britney Spears.
A grande expectativa de todos os desfiles da Victoria’s Secret passava por saber quem abria e quem fechava o show. Foi a Gigi Hadid que coube as honras de abrir a passerelle, ao som de uma versão de “Never Tear Us Apart” dos INXS.
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Gigi nunca chegou a ter o estatuto de anjo, mas nunca perdeu o estatuto de “it girl”, consolidando-se como modelo, tendo desfilado nas principais semanas de moda por marcas como Tommy Hilfiger, Marc Jacobs, Michael Kors, Chanel, Balmain, Givenchy, Versace ou Fendi.
Um dos momentos mais aguardados era o regresso de Adriana Lima. Sendo anunciada como “um regresso a casa” depois de uma despedida emotiva, em 2018, a sua primeira aparição aconteceu no fecho do primeiro segmento numa versão mais comedida – quem acompanhou a trajetória da modelo brasileira, entenderá.
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O segundo segmento da noite contou com a apresentação de Tyla e com Candice Swanepoel a começar o desfile.
Com grandes supresas pelo meio (já lá vamos) faltava saber quem seria a modelo a encerrar o espetáculo, que foi nada mais, nada menos do que Tyra Banks (que brotou literalmente do chão), numa espécie de “ciclo completo”: se quem abriu foi uma das representantes da nova geração, o encerramento coube a uma veterana, que fez parte da primeira geração de “Angels”, e que pousou as asas em 2005.
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O seu “catwalk” foi também quase que uma espécie de homenagem, com todas as modelos a segui-la, o que nos recordou a razão para ela ser uma das modelos mais icónicas da marca. Foi uma vibrante Tyra Banks que encerou o desfile que foi visionado no Youtube, por mais de 2,1 milhões de espectadores em direto.
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“O Victoria's Secret Fashion Show de 2024 vai oferecer precisamente o que os nossos clientes têm pedido — o glamour, a passerelle, a moda, a diversão, as asas, o entretenimento — tudo através de uma lente poderosa e moderna que reflete quem somos hoje”, prometia a marca nas suas redes sociais. A verdade é que prometeram e cumpriram.
As atuações
Como tinha sido anunciado, o elenco musical ficou a cargo de três nomes: Cher, como a grande cabeça de cartaz, mas também novos nomes da indústria como a artista revelação de 2023, a sul-africana Tyla, que não deixou de cantar o seu êxito “Water”, e Lisa, um dos elementos do grupo de K-Pop Blackpink, que abriu o desfile com o mais recente êxito “Rockstar”.
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Esta foi a primeira vez, em quase 30 anos (o primeiro desfile aconteceu em 1995), que as apresentações musicais pertenceram exclusivamente a artistas femininas.
“É um mundo de mulheres, pelo que se compreende que não se pode ter um desfile de moda sem a mãe da moda, Cher”, anunciava a marca nas suas redes sociais a 17 de setembro. Diva é sempre diva, mesmo aos 78 anos, e Cher mostrou isso quando aos 30 minutos de desfile abriu a sua apresentação com “Strong Enough” seguido do incontornável “Belive”. “Do you belive in life after love?” (Acreditas na vida depois do amor?). A Victoria’s Secret acreditou.
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Os regressos
Além dos nomes já mencionados, Behati Prinsloo, Taylor Hill, Grace Elizabeth, Josephine Skriver e Jasmine Tookes foram as ex-anjos que regressaram ao desfile. Mas outros nomes conhecidos também marcaram presença, como Isabeli Fontana, que participou em oito desfiles da Victoria’s Secret, entre 2003 e 2014, Irina Shayk, que esteve no show de 2016, quando desfilou grávida, ou Joan Smalls, que tinha desfilado pela última vez em 2015.
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Já Bella Hadid, que participou nos últimos shows da marca, é que encarnou o espírito das antigas “angels” e fez aquilo que nem as próprias voltaram a repetir: mandar beijos para a câmara.
As novidades
Foram vários os nomes que vieram diversificar o elenco para mostrar que a marca estava mais inclusiva como Ashley Graham, conhecida modelo plus size, mas também Kai Soleil, Devyn Garcia, Paloma Elsesser ou as transgénero Valentina Sampaio e Alex Consani. Trouxeram frescura e novidade a um desfile que foi quase parecido ao que era, mas com estas grandes diferenças – não vamos esquecer que a modelo Bárbara Palvin foi considerada plus size na outra vida da marca.
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O que podemos dizer: descansa em paz, Ed Razek. Afinal também é possível sonhar, incluindo no desfile todos os tipos de corpos e pessoas - entendedores, entenderão.
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As surpresas
O elenco que ia completar o desfile, além dos nomes avançados, era uma das revelações da noite, e logo no primeiro segmento, uma Doutzen Kroes, que pousou as asas em 2014, surgiu em palco quase despercebida.
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Atrevemo-nos a dizer que a grande surpresa da noite aconteceu cerca de 20 minutos depois do início do espetáculo, quando Kate Moss surgiu na passerelle para abrir o terceiro segmento, ao som de “I Love Rock & Roll”.
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Mas esta não foi a única supermodelo “do tempo de ouro” a participar no desfile. Eva Herzigova e Carla Bruni também deram o ar de sua graça e mostraram que "velhos são os trapos".
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