Nascido em Hamburgo, Karl Lagerfeld sempre manteve uma aura de mistério em torno da sua data de nascimento. Vários jornais alemães, baseados em documentos oficiais, afirmam que nasceu a 10 de setembro de 1933.
O estilista disse ter nascido em 1935, numa entrevista à revista francesa Paris-Match em 2013, quando revelou que a sua mãe havia mudado a data do seu nascimento.
Teve uma infância feliz, mas monótona numa área remota da área rural alemã durante o nazismo, com um pai industrial sempre a viajar e a mãe de personalidade forte, grande leitora, mas pouco afetuosa, que, no entanto, incutiu no filho a paixão pela moda.
O pequeno Karl desenhava vestidos e sonhava com Paris, para onde se mudou na adolescência.
Em 1954, ganhou um concurso organizado pela Sociedade Internacional da Lã, empatando com Yves Saint Laurent, com quem simpatizou antes de se tornarem grandes inimigos.
No início dos anos 1960, trabalhava como estilista independente, colaborando com diversas maisons.
"Eu sou o primeiro a fazer um nome com um nome que não era meu. Devo ter uma mentalidade mercenária", costumava dizer.
De 1963 a 1984, trabalhou para a marca parisiense Chloé. Desde 1965, também criava para a italiana Fendi, que entretanto passou a integrar o grupo de luxo francês LVMH.
A sua própria marca, lançada em 1984, teve diversos problemas antes de se tornar num sucesso há alguns anos. Lagerfeld também estabeleceu colaborações esporádicas com marcas como Wolford, Diesel, Volkswagen, Coca-Cola, entre outras.
Em 2004, criou toda uma coleção prêt-à-porter para a gigante sueca H&M, uma atitude depois imitada por muitos criadores.
O "Kaiser" tinha o talento para descobrir top models: a francesa Inès de la Fressange, que assinou um contrato exclusivo com a Chanel em 1983, assim como a alemã Claudia Schiffer, a britânica Cara Delevingne ou franco-americana Lily-Rose Depp.
Ainda queria que elas fossem muito magras, apesar das crescentes demandas por diversidade.
"Ninguém quer ver mulheres gordas nas passerelles (...) São as mulheres gordas sentadas com sacos de batatas diante da televisão que dizem que as modelos magras são horríveis", afirmou à revista alemã Foco, em 2009, que o fez ser denunciado por uma associação de defesa de pessoas com excesso de peso.
Sobre a sua própria morte, também tinha, como em tantos outros assuntos, uma opinião consolidada.
Questionado pela revista Number se queria um funeral espetacular, afirmou: "Que horror, não haverá funeral". "Eu só quero desaparecer como os animais da floresta virgem", afirmou, em outra ocasião, numa entrevista à France 3.
Karl Lagerfeld e a arte de se reinventar
O estilista foi responsável por três marcas - Chanel, Fendi e a marca homónima -, mas o seu nome é principalmente associado à maison Chanel, onde não hesitou em revolucionar os códigos existentes e para quem organizou desfiles espetaculares.
Com ironia, costumava dizer que Gabrielle Chanel "odiaria" o seu trabalho. Quando chegou à Chanel, em 1983, a marca estava a passar por um mau momento.
"Todos me disseram: 'não mexas nisso, está morta, acabou' e foi isso que me divertiu, foi um desafio e funcionou cem vezes melhor do que eu pensava", afirmou Lagerfeld.
O estilista lembrava do que Alain Wertheimer, coproprietário da Chanel e o seu irmão Gérard, lhe haviam dito: "Faça o que quiser. Eu venderei a maison de qualquer maneira, não funciona. E eu respondi: 'escreva isso num pedaço de papel'".
Lagerfeld adotou os clássicos da marca, como os tweeds, as pérolas e as correntes douradas.
"Foi o primeiro a repensar todos os códigos da casa para usá-los de outra maneira", explica a historiadora de moda Catherine Örmen. Segundo esta, o toque de Lagerfeld era mais um estado de espírito do que um estilo reconhecível e estava em constante evolução.
"Na década de 1980, as suas silhuetas tinham costas muito largas. Na década de 1990, eram muito 'skinny', sempre de acordo com a época", explica.
Em 2014, apresentou um vestido de alta-costura com bordados de crochet e, em 2015, fatos tridimensionais.
"No entanto, cometeu alguns sacrilégios", recorda Örmen, citando um modelo de alta-costura de 1986 com crinolina, aquelas armações sob as saias rodadas para dar volume. "A senhora Chanel certamente que deu voltas no túmulo!", acrescentou.
Mas a liberdade foi o que o estilista alemão sempre reivindicou para a sua arte.
"Karl era insaciável, sempre curioso, pedindo emprestado de diferentes áreas, especialmente a rua ou o universo dos motociclistas, do surf", lembra a britânica Emma Baxter-Wright, autora de "Little Book of Chanel", que destaca a "insolência" do criador.
Amante de livros
Na sua vida privada, um homem ocupou um lugar central no coração do estilista: Jacques de Bascher, que também teve um relacionamento com Yves Saint Laurent. A sua morte - vítima de SIDA em 1989 - abalou Lagerfeld, sempre muito reservado sobre esta questão.
Viciado em trabalho ("Nunca pensei em reforma", dizia ele), combinava a criação das coleções com o seu trabalho fotográfico. Era ele quem assinava as campanhas da Chanel.
Os livros também ocupavam um espaço importante na sua vida. Tinha entre 250.000 e 350.000 volumes, de acordo com estimativas da imprensa, espalhados pelas suas diversas residências. O menino obrigado pela mãe a aprender diariamente uma página do dicionário tornou-se num apaixonado pela literatura do século XVIII e início do XX.
Duas das suas paixões encontraram-se em 1999 quando fundou a própria editora e livraria "7L", que edita obras de arquitetura, fotografia ou os seus autores preferidos.
Fã de arte, vendeu em dois leilões, realizados em 2000 e 2003, duas das suas coleções do século XVIII (por 3,54 milhões de euros) e de arte decorativa (por 1,1 milhão de euros).
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