Percorremos a calçada do Chiado entre turistas, tuk tuk e TVDE. Será que ainda se mantém a tradição de os portugueses irem à Baixa ou ao Chiado ao fim de semana para dar uma voltinha? Não sabemos.
O que sabemos é que ainda podemos encontrar projetos gastronómicos tradicionais escondidos naquelas ruas da capital. O turismo de massas pode ter chegado ao Chiado, mas há segredos que o turismo ainda não levou, apesar da multiplicação de conceitos mais trendy.
É com o Teatro da Trindade à espreita que chegamos ao nosso destino final. Aqui há peixe, restaurante da dupla (em vida e nos negócios) de Miguel e Mafalda Reino – ele, o Ás do peixe e ela a Rainha das sobremesas, que resgatou das avós alentejanas. Mas já lá iremos.
No Aqui há peixe, encontramos um restaurante de matriz tradicional, – apesar de estar decorado segundo o feng shui pela mão do decorador Pedro Espírito Santo – que se instalou por aqui em 2009, depois de uma passagem pela Comporta, na praia do Pêgo, onde esteve 13 anos, e um breve ano no Algarve. Há 15 anos que Lisboa é a sede deste espaço que não tem muito que enganar. O nome é do mais honesto que pode haver: aqui só há peixe. Não há espaço para carne (a não ser que seja um pedido especial).
É na entrada que encontramos a pequena cozinha do restaurante – “conseguimos fazer milagres aqui com tão pouco espaço”, confidencia Miguel Reino – que nos atira um “bem-vinda”, da janela da cozinha. A clientela é essencialmente portuguesa, nesta hora de almoço de um dia de semana, apesar de haver uma ou outra mesa de turistas por ali.
Em 62 anos de vida, 46 foram dedicados à cozinha, em várias latitudes: de Lisboa a Búzios, no Brasil, onde teve durante anos o restaurante Adamastor, e de volta a Portugal. O Aqui há peixe é o mais recente projeto e onde se sente mais à vontade, depois de ter tido também o Picanha, que se dedicava à carne nobre tão apreciada do outro lado do mar.
Como manda a tradição dos mercados de peixe, o restaurante tem como descanso semanal ao domingo e à segunda-feira, nos dias em que não há saída para o mar. “Quando vemos o produto no mercado, temos que idealizar o que é que vai fazer com ele, principalmente não estragá-lo. E isso é que é o maior desafio, é ter o prazer de cozinhar, o prazer de receber. Isso é que é a minha paixão e dá-me até hoje o incentivo e o estímulo”, confidencia, numa ronda pelas mesas.
Uma sopa de peixe (11,50€) – feita com o caldo do peixe, que fica a cozinhar durante horas, umas lulinhas salteadas com alhinho e coentros (15€) ou vieiras salteadas (dose de 3, 19€) são boas opções para começar. Pode seguir para a sugestão de peixe do dia grelhado (29€) – neste caso em particular foi pampo não tão popular como o robalo ou o pregado, mas igualmente saboroso –, acompanhado com batata nova assada na brasa e legumes ao vapor, ou os pratos assinatura de Miguel Reino: arroz negro de choco com maionese de açafrão (22€) ou picanha de tamboril (28€). O prato do dia (17€) é aquele onde o chef diz “poder fazer a sua criatividade”, que vai desde uns carapaus fritos, arroz de ligueirão ou massinhas de peixe.
“Eu só trabalho com peixe fresco, logicamente, que aqui o carro-chefe é o robalo e o pregado porque são os peixes que as pessoas melhor conhecem”, explica. Há outros elementos exclusivos à mesa do Aqui há peixe, sendo um deles o azeite biológico de um pequeno produtor alentejano, o azeite Baronia, mais verde do que aquele a que o nosso paladar se habituou.
Na carta de vinhos, há referências de todo o país, mas sugerimos que acompanhe a refeição com o vinho da casa Aqui há peixe (23€), um branco feito em colaboração e selo de qualidade da Casa Santos Lima.
Já do lado das sobremesas é Mafalda Reino quem mais ordena. As especialidades são a encharcada de ovos (9€) – receita da avó materna Delmira e o primeiro doce que começou a fazer quando começou a trabalhar com a mãe e a vender doces para restaurantes no Brasil – ou a mousse de maracujá (9€), inspirada nos 14 anos em que lá viveu. Mafalda partilha também que os doces e bolos são feitos sem glúten, “com uma farinha especial que vem da Alemanha”, pois percebeu que essa era uma tendência e uma necessidade por parte da sua clientela.
Para além de encontrar peixe de qualidade, se for com tempo, também vai encontrar anfitriões que se demoram nas mesas, atenciosos e que não se recusam a dois dedos de conversa. No final da refeição, uma curiosidade: "Eu nasci em Lisboa, em frente ao Campo Pequeno. Quis ser toureiro", confidencia Miguel Reino. Se se tinha perdido um talento para a cozinha se tal destino se concretizasse? Disso não temos dúvidas.
O SAPO Lifestyle esteve no restaurante a convite do mesmo.
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