Quando em 2009, no final de uma prova cega de queijos, em Nova Iorque, era revelado o produto vencedor, soaram as trombetas para Portugal. O cantinho luso tinha o melhor queijo do mundo. Um até então quase desconhecido, no cenário internacional, Queijo Amarelo da Beira Baixa. Os provadores reunidos pelas revistas Vanity Fair e Wine Spectator rendiam-se a um produto que nasce nos pastos mistos da região serrana, próximo às serras da Estrela e da Gardunha.
A “Big Apple”, do outro lado do Atlântico, prestava homenagem ao queijo proveniente de pequenas comunidades do interior português. Um produto antigo, apurado ao longo de inúmeras gerações. Columella, escritor e estudioso romano, na sua obra “De re rústica”, cita este queijo a partir do longínquo século I d.C..
Um queijo Denominação de Origem Protegida (DOP) que fascina neste século XXI, Pedro Silveira. Este é um verdadeiro apaixonado pelo mundo do queijo o que, inclui, obviamente, este Amarelo da Beira Baixa. Encontramo-nos com o especialista em Alpedrinha, concelho do Fundão. Estamos no coração do território produtor deste queijo, misto de leite cru de ovelha e de cabra, com coalho de origem animal.
Pedro Silveira dá-nos as boas vindas em jeito de convite de degustação. Sobre a mesa encontramos diferentes queijos. “Temos aqui uma seleção do que de melhor se faz do Queijo Amarelo da Beira Baixa”, adverte o investigador. Sobre as tábuas, descansam queijos que, partilhando a mesma equipa, “vestem” traje diferente. “Dependendo do tempo de cura, da estação do ano em que é produzido, se é picante, ou não, entre outros fatores, assim temos queijos com diferentes características, texturas, cor, sabor”, adverte Pedro, frente à mesa onde uma dúzia de queijos aguarda pela prova.
“Temos de ter em consideração que sendo DOP são queijos que obedecem a um caderno de especificações”, sublinha Pedro Silveira. Na prática é um produto que respeita proveniência, produto envolvido, regras de confeção e manuseio descritas com detalhe.
Estamos perante queijos que quase tocam os extremos no que respeita à consistência da pasta, indo da textura semidura ou semimole até à dura e extradura. O que quer isto dizer, perguntamos ao nosso interlocutor? “A consistência da pasta depende do tempo de cura aplicada ao queijo, ou seja o `amadurecimento` do mesmo. Os queijos de pasta mais mole têm uma maturação superior a 40 dias. Agora, quando a cura é mais prolongada, por exemplo superior a 90 dias, já encontramos um queijo de pasta dura ou extradura”.
Neste último caso o Queijo Amarelo da Beira Baixa passa a denominar-se Queijo Amarelo da Beira Baixa Velho e adquire um tom alaranjado ou amarelo-torrado.
Diferentes características que influenciam, também o tipo de corte. Pacientemente, com gestos conhecedores, Pedro Silveira executa algumas incisões nos queijos. “Uma faca para cada queijo para não termos contaminação de sabores”, adverte. Nos mais duros, o corte é a lascar. “São queijos muito fortes, tiramos-lhes lascas sem grande atenção à uniformidade das mesmas”.
“O processo de cura faz-se do exterior para o interior, dai encontrarmos no mesmo queijo diferentes sabores”
No caso de um queijo cilíndrico de pasta semimole ou semidura há que fazer um corte em cunha desde o centro até ao exterior. “Fazer uma tampa no queijo para o servir à colher é matá-lo”, sublinha Pedro, acrescentando, “o processo de cura faz-se do exterior para o interior, dai encontrarmos no mesmo queijo diferentes sabores”. Ou seja, regra importante, devemos comer um destes queijos “à pastor”, cortado à fatia, colocando-a completa sobre a língua. “Verão como sentem diferentes sabores: doce, salgado, ácido, amargo”, explica o estudioso. E, atenção, ainda no que toca ao consumo, um “queijo de ovelha deve ser ingerido no fim da refeição porque é forte. Também combina com o lanche. Já se for de cabra (mais fraco) pode abrir a refeição”.
“E o picante que se sente em certos queijos?”, perguntamos a Pedro Silveira. “Está relacionado com o teor de sal, elevado. É um queijo curado sobre palha. Reparem, na parte inferior do queijo podemos ver as marcas do estriado da palha”. Por seu turno, aquela “crosta” alaranjada característica de alguns queijos é-lhes conferida pelo pimentão. “Protege das moscas em curas prolongadas, mas não altera o sabor do queijo”, explica o investigador.
Um bom apreciador de queijo não lhe toma apenas o gosto ou aprende o corte. Sabe bater-lhe, “se o queijo for opaco é porque foi produzido no inverno. Se o som da ´chapada´ for sonoro é um queijo de verão”. Melhor erva significa melhor leite e, obviamente, melhor queijo. “E cheirem. No queijo está o odor do tipo de coalho utilizado, o odor do leite”, acrescenta Pedro.
Pedro Silveira não deixa morrer as memórias associadas à produção queijeira, nas práticas e nos artefactos. Aqui, na exposição temporária em Alpedrinha, não faltam objetos que reproduzem o ciclo do queijo no passado. O Pilão, para moer o cardo com o sal; o Picheiro que separava o leite das caganitas das ovelhas; a Fataca, uma pequena vara de madeira para mexer o leite no pote da coalhada; o Aro em madeira, folha-de-Flandres ou alumínio, ajustável e com inúmeros furos. No aro enforma-se a massa do queijo e espremesse-lhe o soro colocando-lhe, por cima, um prato de madeira com uma pedra.
Afinal de contas, há que mimar um produto que resulta de gerações de mãos sabedoras e sucessivas adaptações ao meio e apuramento das raças. No concelho do Fundão, a característica Ovelha Churra do Campo vai escasseando. De pequeno porte, disponibiliza apenas 25 ml de leite por ordenha. Pouco quando comparado com o quase litro de outras raças ovinas e caprinas, mais dadas a produções rentáveis. Atualmente, na região, não restarão mais de mil cabeças de Churra, embora número em recuperação.
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