Maria Ana Silva Vieira, Sommelier de chá e Tea Blender conta-nos resumidamente a história do chá, uma epopeia de quatro mil anos.

O chá é um produto com milénios de existência. O registo mais antigo que nos permite comprovar esta afirmação e tomar conhecimento que o berço do chá é a China prende-se com uma lenda acerca da descoberta do chá, por mero acaso, por um imperador chinês Shen Nung, pelo ano de 2750 a. C.

Depois da China, o chá trespassou pela primeira vez as fronteiras, e chegou ao Tibete em 641 d.C., pelas mãos de uma princesa chinesa, que o introduziu como dote, quando casou com o rei Songtsen Gampo. Esse facto originou a mais antiga rota comercial da história: a Rota do Chá e dos Cavalos, que se estendia desde a província de Yunnan - no sudoeste da China - até Lhasa, no atual Tibete.

Breve história do chá, uma narrativa de epopeia, aventura e  determinação
Breve história do chá, uma narrativa de epopeia, aventura e determinação Ilustração que representa graficamente a Rota do Chá e dos Cavalos.

Já no Japão, o chá entrou em 729 d. C., através dos monges budistas japoneses que estudavam na China e se tornaram admiradores desta bebida, um importante tónico que os ajudava na concentração e a evitar a sonolência nas largas horas de meditação.

E assim o chá terá permanecido “oculto” no Oriente durante largos séculos. Felizmente, os navegadores portugueses puseram fim a esse desconhecimento, impulsionados pelas rotas dos descobrimentos. Assim, a partir do início do século XVI, os nossos povos contactaram com o chá, com as suas técnicas de preparação e com os seus costumes.

breve história do chá
breve história do chá Painéis datados entre 1620-1640 que representam a chegada dos portugueses ao Japão. Isto depois da presença na China. Peça em exposição no Asian Art Museum.

O chá era tido como bebida associada à hospitalidade. Uma realidade que estreitou os laços de relacionamento entre a China e o Japão. Durante esse período, inúmeros registos foram enviados para Portugal comprovando a existência do chá. Destaco os escritos de Frei Gaspar da Cruz (1570) e do missionário João Rodrigues- conhecido por "O Intérprete".

Apesar desta familiaridade com o chá, os navegadores tinham uma amplitude de interesses que os impedia de prestar atenção a todos os novos produtos que encontravam. Embora registos históricos nos permitam admitir o consumo do chá em Portugal no século XVI, este terá sido um consumo restrito.

Infelizmente - a somar-, nessa altura, Portugal estava enfraquecido, devido a chamada União Ibérica e, como tal, outros países como a Holanda começaram a dominar as rotas comerciais com o Oriente. Em 1606, com as bases do comércio estabelecidas, os holandeses registaram a importação do primeiro carregamento de chá, tirando essa primazia aos portugueses. O chá foi introduzido no mundo ocidental e começou a tornar-se gradualmente notório em Portugal, Holanda, França, Alemanha e em Inglaterra.

breve história do chá
breve história do chá O cultivo e a preparação da planta do chá na China.

O chá era uma bebida luxuosa, de elevado valor comercial, destinada quase exclusivamente aos grupos sociais mais favorecidos, sobretudo à Família Real.

Foi assim que, em Portugal, D. Catarina de Bragança (1638-1705), filha do rei D. João IV de Portugal, o tomou pela primeira vez, no palácio. Imediatamente tornou-se uma fervorosa adepta da bebida e foi responsável por impulsionar o consumo do chá em Inglaterra, quando se casou com o rei D. Carlos II - corria o ano de 1662. De todos os países europeus, Inglaterra foi aquele que mais se afeiçoou ao chá.

Já em Portugal, o consumo do café estava bastante enraizado. Desta forma, o chá não originou o efeito do consumo desenfreado que se observava no resto da Europa, particularmente em Inglaterra. No entanto, ao longo dos séculos começaram a aparecer alguns estabelecimentos comerciais, distintos e acolhedores, onde o chá era servido com requinte – começaram a designar-se salões de chá.

breve história do chá
breve história do chá Pintura que alude ao "Boston Tea Party", episódio ocorrido em 1773 protagonizado pelos colonos americanos contra o governo britânico. Uma insurreição que se traduziu no lançar ao mar do carregamento de chá de três navios. Os colonos protestavam contra as taxas excessivas praticadas pela coroa britânica o que viria a desencadear a Revolução Americana e a Proclamação dos Estados Unidos da América.

As pessoas associavam o chá às classes mais abastadas, pelo facto do seu consumo se ter iniciado no seio da Família Real. Este aspeto atribuiu-lhe um carácter elitista. Porém, no mesmo espaço eram servidas as infusões de ervas (cidreira, camomila, tília), que faziam parte da medicina popular portuguesa e a que os portugueses erradamente chamavam de “chá”. Aos poucos, a popularidade das infusões de ervas foi crescendo e o consumo do chá foi diminuindo.

Atualmente, apesar deste licor ainda não fazer parte da vida de todos os portugueses, têm-se verificado algumas conquistas. A popularidade do chá, associado aos inúmeros benefícios para a saúde humana, tem vindo a aumentar e a alertar para a importância do seu consumo. Desta forma, os portugueses têm optado pelo poder suavemente estimulante e relaxante do chá em detrimento do efeito excitante repentino do café. Portugal começa, agora, a descobrir as origens do chá e a apreciar os seus inúmeros sabores.

Portugal apresenta ainda outro pioneirismo no admirável mundo do chá. Um deles, o de ter sido o primeiro país da Europa a conseguir cultivar a planta do chá – na ilha de São Miguel- e a utilizá-la para fins industriais, fora do território oriental.