A borra do café, misturada com palha, é a base onde crescem cogumelos que diariamente chegam a restaurantes, mercados e lojas da zona de Marvila, mas tudo é fruto essencialmente de uma paixão.
“Sou um apaixonado pela economia circular e queria um modelo de negócio que conciliasse a economia e a ecologia”, diz Natan Jacquemin, um Belga de 25 anos que criou a NÃM - Urban Mushroom Farm.
Os “cogumelos ostra” que chegam aos restaurantes são o resultado também de uma primeira paixão, esta por Portugal. O jovem belga chegou há quatro anos a Lisboa para fazer um mestrado na Universidade Católica em Gestão e Empreendedorismo e por cá ficou.
Depois defendeu a tese, relacionada com os cogumelos, e começou sozinho a fazer experiências, numa cave de um prédio na zona do Intendente, correndo os cafés e restaurantes da zona a recolher a borra do café, “a aprender, a perceber e a melhorar a mistura”.
“É um modelo de negócio que também há na Bélgica, o de aproveitar o lixo da cidade para criar cogumelos”, diz o jovem, agora instalado num antigo stand de automóveis em Marvila, depois de concretizada uma parceria com os cafés Delta.
A parceria começou há cerca de dois anos, mas foi preciso quase um ano para preparar tudo. A produção começou em agosto e em setembro foram colhidos os primeiros cogumelos, conta Natan Jacquemin, que quer produzir 50 quilos diários “dentro de dois ou três meses” e que gostava de ver o modelo replicado em mais cidades e vilas, porque matéria prima não falta.
As contas são simples. Quando se prepara um café apenas se utiliza um por cento da biomassa, os outros 99% são de imediato lixo. Um lixo limpo pela água quente que por ele passou, rico em nutrientes, que serve de alimentação aos cogumelos e que depois ainda pode ser usado como fertilizante em quintas e hortas. Esse substrato da NÃM está já a ser distribuído para hortas, uma delas, pequena, a que Natan Jacquemin criou nas traseiras da “quinta” dos cogumelos.
“Os portugueses bebem muito café”, diz o jovem a sorrir, para acrescentar: “Calculamos que só em Lisboa são dez mil toneladas de borras de café que vão para o lixo todos os anos”.
“É pena, porque toda esta borra não é um desperdício na verdade. É exatamente isso que a Delta e a NÃM tentam fazer aqui, transformar este desperdício em valor”.
Natan já não anda de porta em porta e a borra que utiliza agora vem de máquinas de vending da Delta. A empresa, líder no mercado nacional e que exporta para dezenas de países, já tinha de recolher a borra, agora só tem de a entregar para um projeto “único no país, de usar um desperdício da cidade e transformar em valor”.
A Delta, conta o jovem belga, já está a levar todos os dias para a “quinta” cerca de 150 quilos de borra de café, que depois é misturada com palha e com sementes de cogumelos, colocada em sacos e depois guardada num ambiente escuro a temperatura constante, onde os cogumelos germinam e se alimentam da borra.
Depois de germinados os cogumelos, os sacos são colocados em contentores que recriam as condições da primavera, com mais luz e humidade e em seis semanas completa-se o ciclo. De um saco de 10 quilos de borra e alguma palha nascem dois quilos de cogumelos. A quinta tem para já quatro contentores, com capacidade para 300 sacos cada um.
“Em outubro já produzimos 300 quilos de cogumelos e já reciclámos quatro toneladas de borra de café”, diz Natan Jacquemin, estimando que quando a “quinta” estiver a funcionar em pleno venha a reciclar três toneladas de borra de café por mês, “o equivalente a plantar 1.200 árvores num ano”, compensando em termos de dióxido de carbono “o equivalente a emissões de 300 carros por ano”, nas contas do jovem.
“A ideia é ter um projeto com um impacto positivo para o ambiente, mas também um projeto de economia circular, que também tem sustentabilidade económica. A ideia é aproveitar uma coisa que não tem valor no mercado e transformá-la em alguma coisa que tem valor no mercado”, resume Natan jacquemin.
Rui Miguel Nabeiro, administrador do Grupo Nabeiro-Delta Cafés, concorda.
“Percebemos que era possível montar um projeto sustentável para o meio ambiente, ao mesmo tempo que era sustentável como negócio”, disse.
“Por isso se chama economia circular. Vamos aqui reaproveitar um resíduo, que era a borra do café, e transformá-lo num subproduto que vai dar um produto que é o cogumelo, que vai de novo ser vendido e que acabou por transformar um resíduo num negócio que cria postos de trabalho. É muito interessante”, acrescenta.
O responsável da Delta não esconde o entusiasmo. “Tudo depende da escala, mas estamos a falar de uma gota num oceano de potencial. Não aproveitamos mais porque temos o constrangimento do espaço”, afirma.
O importante, diz, era começar, ter a prova de que era possível montar o negócio. “O próximo desafio é aumentar a escala o que já se conseguiu fazer até agora”.
Admitindo que com a borra se podem fazer muitos subprodutos, Rui Miguel Nabeiro não esconde estar “a olhar para todas as possibilidades”. Mas é também cauteloso: “Hoje focamo-nos nesta” experiência.
E amanhã? “Quiçá amanhã estamos no Porto”.
Para Natan Jacquemin há um amanhã que já começou hoje. A NÃM também está a vender dois kits para que as pessoas possam produzir os seus próprios cogumelos, um que já inclui o substrato e outro sem substrato, incentivando o consumidor a aproveitar as suas próprias borras de café.
E nas traseiras da quinta dos cogumelos, as borras que já deram cogumelos ajudam a produzir alfaces, pimentos, couves e tomates, especiarias e condimentos, cenouras, cebolas e malaguetas. Só falta, num amanhã, as borras do café ajudarem a produzir café.
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