
E os números confirmam esta tese: em 2024, o relatório anual de Segurança Interna registou 543 denúncias de violação, ou seja, cerca de 38 por mês. Paralelamente, o Instituto Europeu para a Igualdade de Género revelou que quase 15% das pessoas responsabilizam a mulher se estiver alcoolizada, um indicador preocupante de culpabilização da vítima. A estes dados somam-se casos como o da adolescente violada por três tiktokers numa arrecadação, ou o feminicídio brutal em Sesimbra, que destruiu duas vidas e evidenciou, mais uma vez, a letalidade da violência doméstica. Por todo o país, multiplicaram-se as manifestações e reportagens, mas mantém-se a pergunta: até quando a indignação pública permanecerá apenas simbólica?
É neste "hiato de ação" que a cultura emerge como plataforma de resistência. Ao representar histórias de abuso no palco e ao dar rosto e voz às mulheres, o teatro afirma-se como uma forma de denúncia convertida em gesto político. Peças como As Ressuscitadas e, mais recentemente, Teoria King Kong, produzidas pela Companhia de Teatro de Sintra - Chão de Oliva, ensaiam a subversão cultural e confrontam o público com manifestações performativas que desconstroem o que é ser mulher.
Neste espaço íntimo, o espectador deixa de ser mero observador para assumir um papel ativo, como cúmplice e questionador. O teatro transforma-se, assim, num "laboratório social", onde se testam interrogações urgentes: O que é o consentimento? De que forma as estruturas sociais perpetuam a violência?
Questões que fazem todo o sentido num país onde, segundo o Boletim Estatístico de 2023, nove em cada dez vítimas do crime contra a liberdade e autodeterminação sexual são mulheres.
Não obstante, há quem acuse o feminismo de ser "extremista" ou "desnecessário". O feminismo não é o oposto do machismo – é, pelo contrário, o seu antídoto. Não pretende o domínio de um género sobre o outro, mas sim equidade, respeito e justiça. E, quando se elogia o teatro pela sua capacidade de denúncia, está-se também a reconhecer o valor do feminismo, que constrói espaço para o diálogo e para a mudança, além de converter estatísticas em nomes e histórias.
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