Marta Casanova é hoje um dos rostos que comanda a Quinta da Côrte, no Douro. Não se trata de uma quinta grande, em termos de dimensão, mas como quase tudo no Douro, tem uma grande história.
No início do ano tivemos oportunidade de conhecer um pouco melhor a Quinta da Côrte, hoje ficamos a conhecer Marta Casanova.
Do começo da profissão, em 1999, num Douro “muito mais machista” do que é hoje, apesar de ainda o ser um pouco, ao Douro da atualidade, analisamos as mudanças e o estado das coisas. Pelo meio descobrimos paixões.
Tirou Engenharia Agrícola. Havia alguma relação com esta área rural? Como é que foi essa decisão?
Eu realmente nasci na cidade, na Maia, no Porto. Mas, sinceramente, acho que nunca me integrei muito no ambiente de cidade. Depois, desde pequena, sempre gostei de animais, portanto o meu objetivo era ser veterinária. A minha avó tinha uma pequena quintazinha, no Porto, e eu adorava estar lá, mexer na terra, nas plantas, estar com os animais. Se calhar foi isso que me despertou um bocadinho o gosto pelos animais e o objetivo era ser veterinária.
Fiz todo o meu percurso sempre no Porto e depois entrei, em 1992, para Vila Real, em Engenharia Agrícola porque a média, na altura, de veterinária era muito alta, era 18 ou 19, e eu tinha média de 14. Já tinha uma amiga lá, em Agrícola, e que me convenceu. Disse "anda, que é giro e depois pedes transferência". Foi por aí que eu fui parar em Engenharia Agrícola. E depois, durante aquele ano, comecei a perceber que Veterinária, embora continuasse a gostar de animais, não era o que eu pensava e gostei mais do meu curso. Além de que eu sempre tive uma vida social muito intensa. Uma vida social normal, de uma pessoa com 20 anos, e gostava de sair. E Veterinária não permitia muito esse tipo de vida social porque tinham muito que estudar.
E como surgiu o vinho neste percurso?
Entretanto, na Maia, a minha vizinha do lado é de uma família que tem uma quinta aqui no Douro, que é a Quinta de Santa Eufémia. E a irmã, que era enóloga, trabalhava na quinta. Um dia convenceu-me a ir lá. Estava sempre a dizer "ah, então se entraste em Agrícola, estás a tirar o curso da minha irmã, tens de ir fazer uma vindima". Assim, em 1994, fui fazer a minha primeira vindima. Aí fiquei rendida. Adorei o trabalho, adorei a paisagem do Douro, fiquei apaixonadíssima, e permitiu-me, sobretudo, trabalhar com o vinho do Porto, com vinhos distintos também, na altura. E a partir daí, mesmo estando a estudar em Vila Real, ia fazer a vindima à Quinta de Santa Eufémia. Durante o ano, mesmo alguns trabalhos que, a Alzira, esta minha amiga, precisasse de ajuda, eu ia ter com ela. E, portanto, foi assim o meu primeiro contacto com o mundo do vinho. Depois comecei a fazer cadeiras mais especializadas para viticultura e enologia, e quando terminei o curso ainda fiz alguns trabalhos noutras áreas. Mas em 1999 comecei a trabalhar numa empresa grande, na Brunheda. Na altura, chegámos a produzir mais de um milhão de litros entre vinhos do Douro e Porto, que vendiam a granel. Tínhamos muitos fornecedores de uvas e fazíamos vinho a granel para grandes casas exportadoras de Porto.
Em 1999 que Douro existia?
Era completamente diferente, os acessos eram completamente diferentes. Na altura estava a morar em Vila Real e demorava, para a Brunheda, uma hora, uma hora e um quarto. Hoje em dia, com a IC5, em 20, 30 minutos estamos em Carrazeda de Ansiães, que era o concelho da Brunheda. A estrada é impecável. Antes era difícil, no inverno as estradas com gelo. Não se punha sal. Hoje em dia já se põe sal à noite, já se preparam as coisas. Eu saía de casa cedo e não sabia o que me esperava. Cheguei a ter um acidente na IP4 por causa do gelo.
Era outro tempo.
Era outro tempo. Parece que foi há pouco tempo, mas realmente as coisas evoluíram imenso nestes últimos anos. E não só em termos do tempo, que é muito importante, porque aqui no inverno faz frio e as estradas tornam-se perigosas com gelo, com neve, com a chuva. E não é fácil. Hoje em dia os acessos estão muito melhores. Ir trabalhar para ali era uma epopeia. E no verão era o contrário, era muito calor, era extremamente quente.
Como avalia essa primeira experiência a sério no mundo dos vinhos?
Gostei. Estive lá sete anos. Deu-me muita experiência porque era uma empresa grande e eu fui para lá gerir tudo. Tinha o dono com dois filhos na altura, um senhor já com idade. Foi com quem aprendi imenso. E no fundo fui parar num meio que era só homens, praticamente.
Como foi começar neste mundo de homens, em 1999? Havia mais mulheres?
Não havia muitas. Eu sei que em 1999 começámos algumas. Eram sobretudo homens. Contávamos, pelos dedos de uma mão, as enólogas que existiam em adegas no Douro. Hoje em dia já são bastantes e ainda bem. Na altura não. E é difícil porque, mesmo agora é um meio machista. Obviamente, na altura ainda mais. O Douro era mais fechado. Com estes acessos permitiu muita troca de informação, as pessoas já conseguem ir mais facilmente a Vila Real ou ao Porto. Isto é muito bom, as infraestruturas permitem isso. Mas na altura não havia. E ao não haver, as pessoas ficam fechadas nas suas aldeias e, portanto, vir alguém de fora, uma miúda nova, achar que sabe, que manda, foi complicado. Mas como sempre tive uma postura de que quando estou a fazer o meu trabalho, não estou a pensar se sou homem ou mulher, eu faço o meu trabalho e as pessoas têm de o fazer. Tive de ser forte e ser, se calhar, mais dura do que sou hoje. Tinha que ser por mim. Mas acho que consegui porque também mostrei que sabia, também não fui com aquela arrogância de quem sabe, que saiu da universidade. Não ia com essa postura. Tentei dar o meu melhor com as pessoas que já lá estavam, alguns homens já com 50 anos, que já trabalhavam lá há 20 ou mais. Tentava lidar bem com essas pessoas, tive alguns problemas que afastei, tive que despedir algumas pessoas. Mas acho que consegui.
Quais foram os principais obstáculos que teve que enfrentar? Lembra alguma situação?
Lembro-me de uma. Foi com os caseiros dessa quinta, que estavam habituados a estar sozinhos. Os donos moravam no Porto e o filho trabalhava na adega e ele não tinha quem o controlasse, nem em horários, nem o trabalho. E a partir do momento em que fui para lá, comecei a impor coisas, tinha que haver horários. Tínhamos, em janeiro, camiões de carregamento para os vinhos que vendíamos, para as casas exportadoras. Os camionistas chegavam cedo, era preciso preparar documentos, começar a encher os camiões. E muitas vezes tinha de o chamar porque não aparecia. Isso acabou por criar alguns atritos e foi uma das pessoas que tive de mandar embora. Tive alguns problemas, mas fiz finca-pé e nunca mais trabalhou ali, porque precisava de alguém responsável. E não era só com horários, era preciso deixar-se a adega arrumada. Tinha de haver um método.
Hoje em dia já há mais profissionalização?
Sim, muito. Com esta nova vaga de novos enólogos que entraram na mesma altura que eu, houve, sem dúvida, um melhoramento, mesmo a nível das condições de higiene das adegas e de métodos de trabalho, de profissionalismo. Daí é que se viu a evolução das vendas de vinho e da qualidade do vinho Douro.
Esta foi a maior quinta onde trabalhou. Mas acabou por estar ligada a projetos mais pequenos.
No fundo era grande, mas era pequena. Se calhar, na vindima, fazíamos muito, mas depois vendíamos a uva a granel, e em janeiro/fevereiro a maior parte ia. Também tínhamos algum stock nosso e começámos a desenvolver algum vinho Douro. Quando cheguei percebi que havia potencial. Os vinhos tintos eram bons. Depois o branco também. E, portanto, começámos a entrar no mercado com os vinhos engarrafados, uma vez que na altura só vendiam a granel. Entrámos com os vinhos Douro engarrafados e não com vinho do Porto porque isso iria criar alguma concorrência com os clientes. O primeiro que lançámos teve logo uma medalha de prata num concurso e isso deu-nos alento para continuar. Na altura também eram poucos os vinhos no Douro, portanto não havia a concorrência que há agora.
O facto de trabalhar em quintas mais pequenas acaba por lhe dar uma visão diferente?
Sim. Sempre tratei não só de vinhos, como de vinha, como de burocracia, de azeite, tudo, incluindo projetos agrícolas, a parte de promoção – ida a feiras e a jantares vínicos.
Tem uma visão mais abrangente do setor?
Sim e isso é bom porque quando nos centramos muito na enologia só temos a noção de fazer vinho. Mas depois esquecemos que quando vamos para o mercado o cliente tem que gostar do vinho. E muitas vezes, quem se centra só na enologia pode não ter, por exemplo, noção de custos. Se for sabendo o que se gasta no granjeio da vinha consigo perceber o que custa fazer um vinho. Tendo esta linha toda, desde a vinha até ao consumidor conseguimos perceber o que ele gosta ou então adaptar a nichos de mercado que partilham dos nossos gostos. Na Quinta da Côrte tentamos fazer vinhos de elevada qualidade, vinhos bem feitos, com boa apresentação. São vinhos de um nível de preço médio/alto, mas a qualidade acompanha. E temos de procurar mercados que nos entendam, que valorizem bom produto, um bom vinho, e não o vinho de 5€ que se compra no supermercado. Não estamos nesse mercado.
E como surgiu o convite para a Quinta da Côrte?
Na altura, em 2013, estava a fazer consultoria. Fiz um vinho meu em 2011, estava com a comercialização do vinho. Trabalhava por conta própria. Entretanto soube através de um amigo, o Dirk Niepoort, que havia um senhor francês que queria comprar esta quinta e que precisavam de uma pessoa para vir ocupar-se do projeto. Entrei aqui em junho de 2013, embora a compra desta quinta tenha demorado um ano. Começaram as negociações em janeiro 2013 e só assinaram a escritura em dezembro desse ano. Mas não queriam perder a vindima, até para experimentar as uvas e ver como é que como é que se saía. Vim trabalhar com o Stéphane Derenoncourt, que é nosso consultor de vinho Douro. Fiz a vindima praticamente sozinha, em 2013. Também fizemos pouco vinho. Daí veio o Quinta da Corte 2013.
Em 2014, como a quinta já estava já estava comprada, começámos com obras, a fazer a nova adega, o restauro da adega antiga, a recuperar vinha para a melhorar porque como (a quinta) tinha muitos herdeiros, não digo que a vinha estava abandonada, mas ninguém investia, fazia-se o mínimo. Foi preciso tratar, podar. E estamos a ver os resultados agora. A vinha está a produzir mais, com mais qualidade. Olha-se para a vinha e tem bom aspeto. Isso foi um trabalho que está agora a fazer 10 anos.
A Marta teve a oportunidade de pegar num projeto a partir do zero. Como é ter uma folha em branco e começar a desenhar?
É giro porque eu fiquei a gostar muito de obras. O Phillippe (Austruy), dono da quinta, gosta muito de obras, tem que estar sempre fazer obras. E eu fiquei a gostar desta parte, de perceber de construção, de desenhar uma adega. Fui visitar algumas adegas e fiquei com várias ideias e falei que já tinha uma na cabeça. Como temos uma pendente grande, daria para fazer por gravidade. Pela geografia do terreno, é mais fácil.
Ajudou a desenhar a nova adega?
Tivemos um arquiteto e um decorador francês muito conhecido (Pierre Yovanovitch). Mas, no fundo, só olham para a estética. Sim, ficou um trabalho muito bonito, mas a parte técnica tive que ser eu porque somos nós que trabalhamos aqui e a adega tinha de estar funcional. É bonita e há coisas que são mais difíceis de manter, mas a nível de funcionalidade, a parte técnica está bem feita e ainda bem que consegui impor um bocadinho a minha visão.
Como a Marta afirmou, o projeto Quinta da Côrte é muito focado em nichos. Isso faz com que pensem no projeto mais em pormenor?
Já por mim sou assim, sou muito sou perfeccionista e gosto que tudo esteja impecável, não pode haver erros. E no fundo, se estamos a querer posicionarmos no mercado com qualidade e de preços mais elevados, nada pode falhar. Não podemos mandar um rótulo torto, não pode ter erros.
Vocês têm uma máquina de rotular muito particular.
Sim, foi porque escolhemos uma garrafa muito bonita, mas não é prática. Estive dois anos à procura de uma rotuladora e mesmo assim, muitas vezes, tem que ser à mão. Mas o que é certo é que a garrafa, no fundo, é a imagem de marca da Quinta da Côrte e dos nossos vinhos do Porto. Não podemos mudar a garrafa? Ok, então vamos adaptar e fazer o melhor possível.
Qual é o perfil de vinhos que a Marta gosta mais?
Eu gosto de provar tudo, de experimentar novidades. Mas acho que os vinhos Douro têm uma característica muito própria, conseguem-se fazer vinhos muito bons, com estrutura, com potencial de envelhecimento, o que não se consegue muito nas outras regiões. São vinhos que aguentam anos e anos. Se bem que uma pessoa diz que aguentam no mínimo uns 10 anos. Mas se calhar aguentam 20, 50 anos, se forem bons vinhos.
Gosto de trabalhar vinhos com potencial de longevidade e estrutura, vinhos do Douro limpos e bem feitos. Não vou muito nesta onda dos vinhos naturais, não sigo isso. Acho que o vinho tem que ser uma bebida agradável e que dê gosto beber, acompanhado com comida ou só o vinho.
Encontraram boas surpresas nas pipas que estavam na quinta?
Quando comecei, na altura da compra da quinta, havia um stock de vinhos velhos, e eu fui provar tudo o que havia, todas as pipas. Havia dois tonéis que também tinham vinho. E lembro-me de provar com os meus colegas franceses, eles queriam mandar destilar. “Não fiques com isto”. Mas depois penso que o vinho do Porto tem muita história, estava ali há muitos anos. Portanto, havia aquele respeito. Eu disse “vou tentar recuperar estes vinhos. Se não conseguir mandamos destilar, mas vou pelo menos tentar”. Então o que é que eu fiz? Tirei o vinho de cada pipa, lavei-as por dentro e por fora, corrigi os vinhos, porque alguns tinham pouco álcool e estavam um bocadinho mais desequilibrados. Voltei a pôr cada vinho na sua própria pipa, portanto não misturei os vinhos, e o que é certo é que, seis meses depois, fizemos nova prova com os meus colegas franceses e eles ficaram admirados. Pensavam como era possível ser o mesmo vinho. O vinho só precisava de ser cuidado. Porque o vinho do Porto não fica na adega e fica para ali, é preciso cuidá-lo. Mesmo um vinho que esteja lá 100 anos, de vez em quando temos de arejar o vinho, de o analisar e ver como está, porque ele vai perdendo álcool, por exemplo, vai evaporando e se calhar temos que acertar com um bocadinho de aguardente vínica, há este cuidado que é preciso ter regularmente, não é deixar e abandonar. As pipas, só o facto de as arejar e de limpar melhoraram bastante. E depois com esses vinhos, começámos a fazer os nossos 10 anos, 20 anos.
Entretanto, houve algumas pipas em que eu não mexi, deixei para evoluir. Fizemos o lançamento, no ano passado, do nosso 30 anos, que é uma colheita especial, o Pipa 28, que é só daquela pipa. E em 2022 lançámos o Colheita 2014, que é o nosso primeiro colheita, porque o vinho do Porto de Colheita tem que ter um mínimo de sete anos em cave. E este foi o primeiro ano em que nós declarámos, foi em 2014. Porque em 2013 só fizemos Douro tinto. Em 2014 já fizemos vinho do Porto e declarámos como ano de colheita. Ou seja, o que tínhamos em stock não tinha ano de colheita. A partir de 2014, todos os anos, declarámos com o ano de colheita. O que quer dizer que passado sete anos conseguimos fazer o Colheita 2014. No caso do vintage, o primeiro que fizemos foi em 2015, depois em 2017 e agora o 2020.
E só vão fazer anos que se justifique?
Sim, não sigo muito as modas. Acho que hoje em dia está-se a banalizar e todos os anos se declara vintage. Não deveria ser assim, deveria ser quando os anos são mesmo excecionais e não são todos os anos. Obviamente que há quintas que conseguem fazer vinhos e são os single quinta vintage. Embora na região não seja declarado, mas há quintas têm as características ok e fazem. Mas nós temos a política de só fazer exatamente quando o vinho tem características para vintage, que é o melhor em termos de qualidade.
O ano de 2020 não foi muito bom no geral, mas para o vintage foi bom.
Sim, foi muito bom, sim.
E qual foi o vinho que mais lhe deu prazer fazer?
Se calhar o meu vinho, o meu projeto, que fiz em 2011. No fundo, foi provar a mim mesma que conseguia fazer tudo sozinha. Porque, no fundo, uma pessoa quando trabalha numa empresa, tem alguma liberdade. Por exemplo, aqui, no caso dos vinhos do Porto, tenho mais liberdade. No caso dos vinhos Douro, não tenho tanta liberdade, cinjo-me um bocadinho ao que os consultores e os donos querem. Temos que estar todos de acordo, não é só o que eu quero, o que eu acho que se deve fazer. No meu vinho, não tive de estar a discutir ou receber ordens de ninguém. Foi mesmo tudo feito por mim. E foi um sucesso. Ainda hoje as pessoas me perguntam quando é que eu faço mais, mas honestamente, não tenho tempo. E o que é certo é de vez em quando abro garrafas e o vinho ainda está muito novo, muito jovem e está excelente. Esse foi o vinho que me deu mais prazer fazer.
Como se chama?
Chama-se Marta Casanova Nº 1 Friends Collection. E "Friends Collection" porque com estes meus amigos da Maia, tenho uma relação desde o liceu. E ainda hoje, mesmo estando cada um para seu lado, juntamo-nos (ainda nos juntámos esta passagem de ano). Eles vieram ajudar-me na colheita das uvas, foram uvas compradas, e depois fiz na adega de um amigo. Portanto, foram estes meus amigos que vieram na vindima e depois também fazer a escolha das uvas na mesa de escolha. E não só. Quando foi para rotular, foi tudo à mão, com lacre, numa altura em que quase nem se usava o lacre. As caixas eram muito personalizadas. E vieram ajudar a fazer algumas rotulagens e a preparar caixas. Dei o nome "Friends Collection", porque realmente foram estes meus amigos que ajudaram.
Olhando para o rótulo, vemos aqui outra das suas paixões, os animais.
Eram os meus cães na altura, o Cenoura, atrás a Lolita. Sempre tive labradores, tenho agora duas cadelas. Adoro cães, não consigo viver sem cães, e achei que era giro fazer esta homenagem. Hoje em dia já se vê mais rótulos com animais, mas na altura não se via. Em 2011 não havia.
Voltando ao seu trabalho na Quinta da Côrte, têm vindo a fazer um trabalho de georreferenciação das vinhas. Têm encontrado boas surpresas?
Na Quinta da Côrte toda a vinha está dividida em parcelas. Em cada parcela, foi identificado e georreferenciado cada pé de videira com o nome da casta, com o ano de plantação. Temos um programa de computador que nos permite georreferenciar os pés de vinha, o nome das castas, depois cada pontinho tem uma cor que corresponde a uma casta, nós vemos aqui os pontinhos. Por exemplo, vemos que há no meio algumas videiras que não são de Touriga Franca, que são, imagine, Touriga Nacional ou Tinta Barroca. O que sabemos é que que aqueles pés de vinha não vamos apanhar quando queremos apanhar Touriga Franca. E ajuda-nos a ter esta noção das quantidades depois na vindima. É um trabalho que nos permite, antes da vindima, delinear onde é que vamos apanhar e dizer "ok, vamos colher estas uvas desta subparcela para esta cuba, esta vai para aquela cuba". A adega tem cubas pequenas, portanto são lotes pequenos, o que nos permite trabalhar assim.
É uma maneira de trabalhar muito diferente se formos a pensar naquilo que que se fazia há uns anos.
Sim, no fundo é o que se chama hoje de viticultura de precisão, que é o que nós praticamos aqui na quinta. E o que é isto? É trabalhar quase videira a videira, ir buscar estas uvas aqui, aquelas uvas ali. E durante a vindima, temos os lotes já mais ou menos feitos.
Como vê o Douro hoje em dia, de uma forma transversal?
Eu vejo com muito bons olhos e ainda bem. A pandemia fez-me recordar um bocadinho o Douro de 99 em que às 4, 5 da tarde, as quintas fechavam os portões e não se via mais ninguém na rua. E isso foi um bocadinho assustador porque já estamos tão habituados à confusão de turistas que vêm visitar, de carros, as quintas estão abertas, recebem as pessoas. O turismo desenvolveu imenso no Douro, há já muitos hotéis. Quase todas as quintas têm enoturismo. Traz muitas pessoas, gente de fora, muitos estrangeiros, que ficam maravilhados com a nossa região, que é de facto extraordinária. Mas acho que o Douro tem que pegar nisso. Isto tem sido muito bom, mas temos de ter o apoio das instituições públicas. O Douro tem que ser valorizado, os vinhos têm que ser valorizados. Nós não podemos vender vinhos a 5€ porque isso é perder dinheiro. Alguém está a perder dinheiro. E normalmente é o viticultor que grangeia as suas uvas ou vai vender as uvas. Quem vai comprar, normalmente, não consegue comprar ao preço de custo. O Douro tem que vender caro. Eu digo que tem que ser uma Borgonha e tem todas as condições para ser uma. E eu espero, sinceramente, que olhem para isto com esse valor acrescentado. Mas neste momento não sentimos muito a ajuda da parte dos organismos públicos, infelizmente.
Continuamos a ter aquela visão de que lá fora é melhor do que aquilo que temos?
Sim. E depois vamos criticar o nosso vizinho, em vez de nos ajudarmos uns aos outros para isto melhorar. É muito esta mentalidade do português, que é uma pena, porque em vez de nos ajudarmos e valorizarmos, só gostamos de deitar abaixo. E se o outro começa a ter alguma projeção, começamos a criticar. Infelizmente é assim. Espero que esta mentalidade mude e quando isso mudar, acho que o Douro vai dar o salto. Porque é uma questão também de mentalidade.
Mas não se nota que essa mentalidade vai mudando também com as gerações mais novas que começam a tomar conta das quintas?
Nota-se e ainda bem. Há um longo caminho a percorrer ainda, mas obviamente noto desde que comecei a trabalhar no Douro, sim. Com esta gente nova, estes investimentos novos, mesmo estrangeiros. Eu sou completamente a favor deste investimento estrangeiro que valoriza o nosso património, coisa que às vezes não valorizamos. Às vezes é preciso irmos para fora para dar valor ao que temos. E eu acho que toda a gente devia fazer isso, devia ir para fora ou até trabalhar por conta própria e depois voltar e dar valor ao que tem, dar valor à paisagem, ao que temos aqui no Norte.
Imaginava-se a trabalhar noutra região de vinho que não o Douro?
Talvez o Alentejo, que é completamente diferente. É o oposto do Douro.
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