Em julho deste ano, o chefe de cozinha Henrique Leis, há 19 anos detentor de uma estrela Michelin com o restaurante de nome homónimo em Almancil, no Algarve, inaugurava uma nova era nacional de atitude face ao galardão mais desejado do mundo da gastronomia.
Leis, anunciava publicamente que queria abdicar da estrela Michelin, afirmando: “Tem sido uma grande honra e prestígio que durante 19 anos eu e a minha equipa fazemos parte deste guia, no entanto, gostaríamos a prestar o mesmo serviço mas sem a pressão da manutenção da estrela”.
O chefe de cozinha nascido no Maranhão, Brasil, há 25 anos radicado em Portugal não viu, contudo, a vida facilitada por parte de quem tutela o Guia Michelin. Na altura, Ángel Prado, diretor de relações exteriores da publicação gaulesa, afirmou que “faz parte das regras do guia não poder renunciar à estrela”. Em termos concretos, os critérios que levam à atribuição das estrelas não passam “pela vontade dos chefes, mas pelas avaliações feitas anualmente pelos inspetores” do guia.
Henrique Leis teve de aguardar até 20 de novembro de 2019, momento em que se realizou, em Sevilha, a gala de atribuição das estrelas para o ano de 2020, para saber que o seu desejo tinha sido atendido e seu restaurante já não fará parte do guia no próximo ano.
O caso de Leis, apesar de ser novidade em Portugal, conta já com um número considerável de episódios no estrangeiro.
Recorde-se que já em julho de 2019, Marc Veyrat, um dos chefes de cozinha mais mediáticos de França e que este ano perdeu a sua terceira estrela Michelin, anunciou a sua saída do guia, alegando uma "profunda incompetência". No entanto, tal como no caso de Henrique Leis, os responsáveis do guia recusaram-se a aceitar a solicitação Marc Veyrat de retirar da lista o seu restaurante La Maison des Bois, localizado em Manigod, no leste de França.
Pressão mediática, custos, pouca liberdade criativa, ansiedade, são alguns dos argumentos que nos últimos anos têm levado chefes de cozinha a abdicarem das estrelas Michelin conquistadas, ou mesmo a recusá-las à partida.
Um dos casos mais mediáticos de recusa das estrelas Michelin, prende-se com o temido e intempestivo chefe de cozinha britânico Marco Pierre White ao recusar, em 2018, a visita dos inspetores do Guia ao seu novo restaurante asiático The English House. Um “não” perentório do homem que, já antes, ainda na casa dos 30 anos, devolveu à procedência as três estrelas do seu restaurante. Corria 1999 e White considerava que o galardão não tinha grande significado.
Em 2017, Sebastien Bras, chefe gaulês, cansado da pressão de ostentar as três estrelas Michelin no restaurante Le Suquet, casa que herdade do seu pai dez anos antes, pediu ao guia que suprimisse a distinção. A razão: "ter uma vida mais simples", anunciava Bras.
No feminino, Karen Keygnaert, chefe de cozinha do norte da Bélgica, na região da Flandres e a única mulher daquele país a deter uma estrela Michelin (Restaurant A'Qi) recusou-a quando, em 2016, decidiu abrir um restaurante com uma equipa constituída somente por mulheres, a Cantine Copine.
Bélgica onde parece existir alguma tradição no que toca à recusa de estrelas. O chefe Jo Bussels enviou um e-mail à Michelin informando não querer, sob qualquer circunstância, receber as estrelas.
Também o chefe de cozinha Frederick Dhooge, do restaurante Huis van Lede, na região de Flandres, escreveu na página digital do seu restaurante que recusava a estrela recebida em 2013, assim como a avaliação positiva de um outro guia gastronómico muito considerado, o Gault & Millau. Dhooge pretendia fazer da cozinha um prazer e não uma imposição diária para a crítica e inspetores do guia gaulês.
Alegando falta de meios financeiros para suportar o estatuto conferido pelas estrelas Michelin, o chefe Jérôme Brochot, do restaurante Le France, decidiu abdicar, em 2017, da estrela que havia sido atribuída ao estabelecimento em 2005.
Mais a norte, na Escócia, o restaurante Boath House, instalado num gracioso hotel rural, devolveu em 2017 a estrela Michelin que ostentou sucessivamente por dez anos. A equipa referiu querer praticar uma cozinha mais informal, de acordo com as solicitações dos clientes.
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