Viajando para longe deste tempo de mediatismo Michelin, recuemos oito décadas para encontrar algo que, por analogia, podemos ver como os tetravós dos atuais templos da gastronomia passível de merecer estrela. Nas páginas amarelecidas do Guia Michelin de 1936 para Portugal e Espanha ou, preferindo-se, Espanha e Portugal, vamos ver citados seis restaurantes com a digna estrela e uma casa com a dupla distinção.
Nesses anos que antecediam a Segunda Guerra Mundial, período que somado à Guerra Civil de Espanha, ditaria a ausência do guia por estas bandas, o Escondidinho, no Porto, alcançava as duas estrelas Michelin. Também no norte do país, o Santa Luzia (Viana do Castelo) e o Hotel Mesquita (Vila Nova de Famalicão) erguiam a primeira estrela. No sul, o Clube Naval, em Setúbal, e o trio lisboeta Petermann, Chave D´Ouro e Avenida, arrecadavam uma estrela.
A restauração portuguesa já andava pelas páginas do guia desde 1910, ainda os fulgores da República ecoavam frescos. Os já citados Santa Luzia e Mesquita mereciam menção na publicação (teriam a primeira estrela em 1929) que nascera dez anos antes, em 1900, na viragem do século XIX para o XX, como forma de apoio na estrada dos clientes que adquiriam pneus da marca francesa. Uma empresa criada em 1888 pelos irmãos Édouard e André Michelin.
Havemos, adiante, de volver quase cinco décadas. Concentremo-nos no presente, num outro Portugal e num negócio, o da restauração, que muito pode ficar a dever a uma ou nenhuma estrela. Esta pode marcar a diferença na faturação; mais 30 ou 40% com a presença do dito galardão.
Façamos contas rápidas, estabelecendo o antes de 2017 e depois desta data. Andava a restauração de Portugal escondida nas 14 estrelas do guia e nos 17 restaurantes para, em 2017, a organização do guia deixar antever um pouco antes da Gala de atribuição dos galardões, em novembro, “um ano bombástico” para o mediatismo Michelin com chancela portuguesa. A cerimónia a realizar em Tenerife, nas Canárias, embalaria a restauração nacional para a ribalta peninsular. No fim da gala ficaríamos a saber que Portugal subia a fasquia dos 20 restaurantes com estrela Michelin. Mais precisamente 21, somando um total de 26 asteriscos (ver tabela neste artigo).
Números modestos face à nossa vizinha Espanha, onde 227 restaurantes ostentavam 282 estrelas; com 11 estabelecimentos a arrecadar o galardão máximo, as três estrelas.
Foi bom, mas faltou-lhe o “bástico” para fazer um “bombástico”, embora seja de admitir uma boa conquista, passar de um restaurante com dupla estrela em 2015 (o Belcanto), para cinco restaurantes com duas estrelas em 2017. Assim como é positivo alinhavar a tabela de ganhadores de estrelas e verificar que, de 2015 a esta parte, nenhum restaurante perdeu o galardão. Tomando por referência esse ano, verificamos que no mesmo período de quatro anos, nove restaurantes nacionais entraram no panteão sagrado da Michelin.
Ainda no que toca a crescimento, sublinhe-se um incremento modesto aquele ocorrido de 2017 para 2018. Ganhámos dois novos restaurantes com uma estrela Michelin, o Gusto by Heinz Beck, na Quinta do Lago e o Vista, na Praia da Rocha.
Para quem gosta de mapas de distribuição geográfica, atente-se no quase equilíbrio na repartição nacional de restaurantes com estrela: Seis no Norte do país, sete na região Centro e oito a Sul. Em território insular, a Madeira somava em 2017 dois estabelecimentos na lista.
No ano transato, com a Gala da entrega das estrelas Michelin a pisar pela primeira vez território nacional, em Lisboa, as aspirações voaram alto, antevendo-se, inclusivamente, a possibilidade de alcançarmos as tão ambicionadas três estrelas Michelin. No final da noite, a restauração nacional havia conquistado mais um restaurante para a dupla de estrelas, o Alma, de Henrique Sá Pessoa e acenava com uma estrela em mais três casas, a Cozinha por António Loureiro/António Loureiro (Guimarães), a G. Pousada, dos irmãos Óscar Gonçalves e António Gonçalves (Bragança) e o Midori/Pedro Almeida (Sintra).
Ficaram as três estrelas por atribuir, mas, pela primeira vez ma já longa história Michelin em Portugal, o nosso país ultrapassava a fasquia da trintena de estrelas, mais precisamente 32 estrelas, em 25 restaurantes lusos (ver tabela neste artigo). Também positivo, o facto de, uma vez mais, não termos perdido nenhuma estrela do firmamento da restauração nacional.
De sublinhar ainda, no ano que agora finda, o caso ocorrido em julho, quando Henrique Leis, acusando o cansaço de 19 anos a ter de provar a responsabilidade de ostentar a estrela Michelin, anunciou renunciar à mesma, como noticiávamos no SAPO Lifestyle. Uma intenção que não mereceu aprovação do guia Gaulês. Veremos o que nos traz o 20 de novembro em Sevilha.
Recuemos, de novo, no tempo para nos situarmos nos idos de 1939. Teria Portugal de esperar mais de quatro décadas, até 1974, ano da Revolução de Abril, para voltar a ver listados quatro restaurantes com a estrela Michelin. Portucale, no Porto, O Pipas, em Cascais e o Aviz e o Michel, em Lisboa, entravam pela porta grande do guia. Uma quadra que assim se manteria até 1977, altura em que O Pipas e o Portucale saltaram da lista.
Teríamos de aguardar até 2010 para ultrapassarmos a fasquia dos dez restaurantes com estrela Michelin, mais precisamente 12: Amadeus (Almancil), São Gabriel (Almancil), Vila Joya, Henrique Leis (Almancil), Willie´s (Quarteira), Il Gallo D´Oro (Funchal), Arcadas da Capela (Coimbra), Fortaleza do Guincho (Cascais), Ocean (Alporchinhos), Largo do Paço (Amarante), Eleven (Lisboa).
De sublinhar que nos recordes nacionais de permanência com estrela no Guia Michelin, ainda não foi batida a permanência do restaurante Porto de Santa Maria (Cascais). Vinte e cinco anos de presença ininterrupta com uma estrela, de 1984 a 2008.
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