Em casos de divórcio ou de separações altamente conflituosas, pode ocorrer um fenómeno em que a criança se alia fortemente a um dos progenitores e rejeita a relação com o outro, sem uma razão aparente ou justificação legítima.

Nestas situações, os comportamentos e crenças negativos de um dos progenitores para com o outro são transmitidos e incutidos à criança, de forma mais ou menos explícita e deliberada. Tal pode resultar na adoção dessas mesmas crenças e atitudes negativas por parte da criança para com o progenitor rejeitado. Assim, a criança pode demonstrar sentimentos de zanga, ódio, indiferença e falta de ambivalência, pela excessiva certeza daquilo que sente e acha sobre o progenitor rejeitado.

O progenitor que promove a rejeição e o afastamento do outro pode fazê-lo por vários meios, tais como expressar opiniões negativas sobre este/a em frente à criança; realizar acusações falsas sobre o outro progenitor; culpá-lo quando surgem problemas que afetem a criança; criar um sentimento de culpa por a criança demonstrar amor e afeto pelo outro progenitor; interferir com a comunicação estabelecida entre a criança e o progenitor rejeitado; criar a impressão de que o outro progenitor não gosta da criança e que é perigoso; entre outros.

Por sua vez, como resultado da influência do progenitor que fomenta a rejeição, a criança pode manifestar diversos comportamentos, tais como denegrir constantemente o progenitor rejeitado a várias pessoas do meio familiar ou fora desse meio; elaborar explicações com fraco fundamento sobre o motivo da rejeição; incapacidade de admitir que os seus sentimentos e crenças de rejeição poderão provir de outras fontes de influência; tomar o partido de forma exclusiva do progenitor que instiga a rejeição; realizar acusações relativas ao progenitor rejeitado que provêm de ideias transmitidas pelo outro progenitor; expandir os comportamentos e sentimentos de rejeição para toda a família do lado do progenitor rejeitado.

É importante diferenciar este fenómeno de situações em que a criança rejeita um dos progenitores devido a uma razão identificável e compreensível, como na sequência de experiências de violência doméstica, abuso ou negligência. Um fator identificável da ocorrência deste fenómeno é o de que a relação estabelecida entre a criança e o progenitor rejeitado era positiva e estava preservada até ocorrer o conflito conjugal, não existindo um motivo real para que o vínculo fosse prejudicado ou interrompido.

Há autores que defendem que este fenómeno deve ser considerado como uma forma de abuso (emocional) à criança ou de violência familiar, no sentido em que o poder de um dos progenitores é utilizado de forma abusiva para controlar e restringir o contacto entre a criança e o outro progenitor. Pode, por isso, ser considerado como uma forma de violência doméstica.

Estes comportamentos podem impactar significativamente a dinâmica familiar, uma vez que os sentimentos de rejeição da criança perante o progenitor rejeitado são cada vez mais fortes e evidentes, contribuindo para o aumento do distanciamento afetivo, psicológico e relacional entre ambos. Adicionalmente, podem surgir sentimentos negativos por parte do progenitor rejeitado, como reação ao afastamento e renúncia evidenciados pela criança, reforçando o conflito familiar.

As consequências deste tipo de abuso emocional para a criança podem ser de curto, médio e/ou longo prazo. Durante a infância e adolescência, podem surgir sentimentos de zanga, raiva, culpa, hostilidade, problemas no controlo dos impulsos, baixa autoestima, ansiedade, depressão, fobias, alterações do sono, ideação suicida, problemas nas relações interpessoais, problemas de identidade, decréscimo no desempenho escolar, entre outros.
Estas dificuldades podem manter-se e/ou agravar-se ao longo da vida adulta, através do desenvolvimento de perturbações do humor (como a depressão) e de ansiedade, sofrimento psicológico generalizado, problemas de autoestima e autossuficiência, problemas de uso e abuso de álcool e drogas, problemas relacionais e de vinculação e menor satisfação e qualidade de vida.

Concluindo, este fenómeno prejudica seriamente não só a dinâmica familiar como o bem-estar da criança. Se não for alvo de intervenção, tem o potencial de causar dificuldades ao longo da infância/adolescência, e de as mesmas se estenderem até à vida adulta. Se reconhece estes sinais – seja na sua família ou em alguém que conheça – é importante procurar apoio por parte de profissionais especializados no âmbito da psicologia da justiça, bem como procurar apoio legal. Uma intervenção precoce pode ser eficaz na proteção do bem-estar da criança e pode ajudar a reconstruir a dinâmica familiar.

Um artigo dos psicólogos Margarida Santiago Santos e Mauro Paulino, da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.