Os ciclos das relações são perpetuados, em parte, pela reduzida autocrítica da pessoa relativamente ao seu próprio funcionamento. O ser humano, quando vivencia sentimentos de insatisfação nas relações, tende a responsabilizar o outro, sem analisar o potencial impacto do seu próprio discurso e comportamento na resposta da outra pessoa. Para além disto, em situações de maior ansiedade ou vulnerabilidade, existe uma tendência para recorrer a estratégias que, apesar de não terem funcionado no passado, são familiares e providenciam alguma tranquilidade, ainda que apenas a curto-prazo. Tome-se como exemplo evitar dialogar sobre assuntos significativos.
Imaginemos uma pessoa que se sente humilhada sempre que o parceiro dialoga sobre as dinâmicas familiares aos amigos. No entanto, em vez de referir ao companheiro como se sente, afasta-se e permanece em silêncio. O que tende a acontecer é que o sofrimento aumenta e a tolerância ao comportamento do outro diminui. Porém, dado que a sensação de humilhação não é partilhada com o parceiro, o seu comportamento não vai mudar e os conflitos vão, consecutivamente, aumentando. À semelhança de uma panela de pressão que necessita de libertar para não explodir, também o ser humano necessita de expressar o que sente para evitar, por exemplo, uma explosão de raiva ou um ataque de pânico.
As estratégias pouco saudáveis presentes no reportório de cada um são desenvolvidas ao longo do processo de desenvolvimento, mesmo enquanto crianças e adolescentes, e, por isso, tornam-se automáticas e profundamente enraizadas no funcionamento de cada pessoa.
Uma criança que ouviu durante todo o seu desenvolvimento que “chorar é feio”, aprendeu que expressar as emoções é errado. Anos mais tarde, esta recorre ao silêncio para, à luz do que acontecia quando era criança, “resolver o problema”. No entanto, esta estratégia não resulta na vida adulta. Por isso, é importante expressar ao companheiro os pensamentos e sensações vivenciadas, em detrimento de recorrer à estratégia de referência, o silêncio. Por vezes, este recurso é também justificado pela ausência de outros recursos emocionais (por exemplo, diálogo assertivo, estratégias de resolução dos problemas).
Ao longo do nosso desenvolvimento, são também construídas crenças acerca de nós próprios, dos outros e do mundo. Por exemplo, quando uma criança sofre de bullying durante a infância existe o risco de serem desenvolvidas crenças como “Eu não valho nada”, “Os outros querem magoar-me” ou “O mundo é um lugar perigoso”. Mais tarde, quando chegada a vida adulta, pode existir uma tendência a evitar relações ou, por oposição, desenvolver relações de dependência emocional.
Por exemplo, uma pessoa que vivenciou experiências negativas durante a infância e adolescência, aquando de uma relação, inclusive amorosa, tende a adotar uma postura de alerta a potenciais sinais de afastamento do outro, mesmo que irracionais. Desta forma, são frequentes os seguintes padrões de funcionamento:
a) Afastar-se do outro com o objetivo de evitar ser magoado. Face a este comportamento, o outro sente-se confuso e impotente, sendo que, após algumas tentativas de reconciliação, acaba por desistir e afasta-se. No entanto, este momento de afastamento é visto como mais uma “prova” de que a postura de alerta e consequente afastamento do outro foram as decisões corretas e o funcionamento é perpetuado.
b) Realizar tentativas de aproximação constantes, para evitar que o outro se afaste. Imaginemos uma pessoa que decide oferecer, consecutivamente, prendas ao outro, no sentido de provar o seu amor e investimento na relação. O outro pode sentir-se manipulado e acabar por, efetivamente, afastar-se. Este afastamento, em parte, provocado pelo comportamento da própria pessoa reforça os esquemas de que “Os outros querem magoar-me” e, por sua vez, a confiança nas relações e em si própria, “Eu não valho nada”. Assim, a pessoa torna-se, consecutivamente, mais atenta a qualquer sinal de potencial rutura da relação.
Estas relações exigem um nível de envolvimento e investimento emocional elevado, originando um enorme cansaço, frustração e sentimentos de arrependimento e culpa. O cansaço tende a facilitar o desinvestimento na relação ou o envolvimento precoce em novas relações, tendencialmente na expectativa de preencher o vazio ou as necessidades que ficaram insatisfeitas na relação anterior. No entanto, estas decisões tendem a culminar numa confusão de emoções, bem como numa crescente descrença na capacidade de ter uma relação gratificante.
Ao longo da vida, o ser humano carrega uma bagagem de experiências e relações anteriores que, de forma irracional, influenciam as relações do presente. Ainda assim, apesar de existirem bagagens mais pesadas do que outras, é importante ir retirando o peso que nada acrescenta, mas apenas diminui. Tome-se como exemplo transformar experiências negativas em aprendizagens a implementar no futuro, as quais podem melhorar o bem-estar e a satisfação em outras relações, ajudar em processos de tomada de decisão ou fazer uma análise do próprio comportamento.
Numa relação não nos compete mudar o comportamento do outro, mas podemos mudar o nosso comportamento e a forma como vemos o mundo. Não basta esperar que o novo ano traga novas relações, se forem mantidos os velhos padrões de funcionamento.
Como quebrar velhos hábitos que lhe têm custado um maior bem-estar na vida amorosa? Eis cinco sugestões:
- Desenvolver esforços para alcançar uma maior autocrítica acerca do próprio comportamento e da forma como pode impactar o comportamento do outro. Por exemplo, refletir acerca de questões “O que poderia ter feito de diferente?”, “De que forma posso ter facilitado o comportamento do outro?”.
- Aumentar a capacidade de sentir empatia pelo outro e pela sua história.
- Comunicar de forma ativa, assertiva e honesta.
- Estar atento às necessidades do próprio e do outro, com o intuito de existir uma satisfação, equilibrada e recíproca, das mesmas. Por exemplo, obter proximidade emocional sem invadir a privacidade e espaço pessoal do outro.
- Fomentar o reportório e a capacidade de distinguir as emoções a comunicar ao outro. A título de exemplo, raiva e tristeza não são sinónimos.
Beneficiar de consulta psicológica constitui-se um importante suporte ao desenvolvimento dos pontos mencionados, permitindo uma maior consciência de como o passado, o presente e a noção de futuro interferem na forma como se está, ou não, numa relação íntima.
As explicações são de Mauro Paulino e Sofia Gabriel, da MIND – Psicologia Clínica e Forense.
Comentários