
HealthNews (HN) – Este ano, a Escola Superior de Enfermagem S. Francisco das Misericórdias celebrou 75 anos de existência. Que balanço faz deste percurso e quais considera terem sido os marcos mais determinantes na evolução da escola até aos dias de hoje?
Elsa Restier Gonçalves (ERG) – A história da Escola Superior de Enfermagem S. Francisco das Misericórdias (ESESFM) é um reflexo claro da evolução da enfermagem em Portugal, acompanhando e, em muitos momentos, antecipando as transformações sociais, políticas e educativas que moldaram a profissão ao longo das décadas.
Fundada em 1950, num contexto em que a enfermagem era ainda fortemente associada à missão religiosa e à assistência nas colónias, a escola nasceu com um propósito muito específico: formar religiosas, Franciscanas Missionárias de Maria, para o exercício da enfermagem tropical nas províncias ultramarinas. Esta missão inicial, profundamente humanista, marcou o seu percurso e traduziu-se numa formação que integrava não só competências técnicas, mas também uma forte componente ética, pedagógica e missionária.
À medida que o país evoluía, também a escola se foi adaptando. Após o 25 de Abril de 1974, e com a reestruturação do ensino, a escola acompanhou as mudanças profundas no setor da saúde e da educação, nomeadamente com a extinção do curso de auxiliares e a valorização crescente da formação superior em enfermagem.
O grande marco deu-se em 1988, com a integração do ensino de enfermagem no sistema educativo nacional. A ESESFM respondeu a este desafio com autonomia e inovação, assumindo a responsabilidade pelo seu plano de estudos e reforçando a sua identidade como instituição de ensino superior. A valorização da dignidade da pessoa humana e a promoção da autonomia do utente tornaram-se pilares da sua filosofia educativa.
A mudança de tutela em 1997 para a União das Misericórdias Portuguesas, permitiu a continuidade ao projeto educativo.
Em 2021, a integração na Cooperativa de Ensino Universitário, marca uma nova fase de modernização e reforço da qualidade pedagógica, integrando a escola num ecossistema académico mais amplo e inovador.
De acordo com este percurso posso destacar como principais marcos:
- a fundação da Escola em 1950
- A integração do ensino da Enfermagem no Sistema Educativo Nacional, em 1988
- O reconhecimento Oficial como Escola Superior de Enfermagem, em 1991
- A integração da ESESFM na Cooperativa de Ensino Universitário
HN – A ESESFM destaca-se pelo modelo de ensino em alternância, com estágios clínicos obrigatórios desde o primeiro ano. De que forma acredita que esta abordagem precoce ao contexto prático contribui para a formação dos estudantes e para a elevada taxa de empregabilidade registada pela escola?
ERG – Este modelo prevê a integração de estágios clínicos obrigatórios a partir do segundo semestre do primeiro ano, o que permite uma aproximação precoce e progressiva ao contexto real dos cuidados de saúde.
Esta abordagem está cuidadosamente enquadrada numa perspetiva de transição da saúde para a doença e ao longo do ciclo vital, o que significa que os estudantes vão sendo expostos, desde cedo, a diferentes contextos o que permite que os mesmos desenvolvam competências técnicas e relacionais de forma integrada, contextualizada e com enfase no pensamento crítico, raciocínio clínico e tomada de decisão clínica.
Ao entrar em contacto com os contextos de cuidados, desde o início da formação, os estudantes ganham uma perceção mais clara da realidade profissional, o que favorece a consolidação da sua identidade como futuros enfermeiros. Esta vivência prática precoce também contribui para uma maior motivação, sentido de responsabilidade e capacidade de adaptação, fatores que são altamente valorizados pelos empregadores.
HN – Recentemente, a escola mudou-se para instalações próprias, desenhadas de raiz e equipadas com laboratórios de simulação e tecnologias de realidade aumentada. Que impacto têm tido estas condições na qualidade do ensino e na preparação dos futuros enfermeiros?
ERG – A recente mudança da Escola Superior de Enfermagem S. Francisco das Misericórdias (ESESFM) para instalações próprias, em setembro de 2024, representa um salto qualitativo significativo na formação dos futuros enfermeiros, assim como de enfermeiros que frequentam os Mestrados de Especialidade e os cursos de formação avançada, pós-graduada.
Estas novas instalações foram desenhadas com uma preocupação clara com os ambientes de aprendizagem saudáveis, flexíveis e acolhedores, que valorizam o equilíbrio entre exigência académica e bem-estar emocional. As gerações Y e Z valorizam espaços colaborativos, tecnologicamente integrados, com zonas de estudo informal, áreas de descanso e acesso facilitado a recursos digitais — e a ESESFM respondeu a essas expectativas.
Estas novas condições físicas e tecnológicas permitem criar ambientes de aprendizagem altamente realistas e seguros, onde os estudantes podem desenvolver as competências instrumentais, técnicas e relacionais antes de enfrentarem situações reais em contexto de cuidados. A simulação clínica, aliada à realidade aumentada, possibilita a repetição de procedimentos, a gestão de situações complexas e a tomada de decisões em cenários que replicam com grande fidelidade os desafios do quotidiano profissional.
Este ambiente moderno e centrado no estudante favorece não só o sucesso académico, mas também o desenvolvimento pessoal e profissional dos futuros enfermeiros, promovendo uma cultura de cuidado que começa dentro da própria escola. Assim, a ESESFM afirma-se como uma instituição que alia tradição e inovação, mantendo-se fiel aos seus valores humanistas enquanto responde às exigências de um ensino superior de excelência, adaptado às novas gerações.
HN – No âmbito da promoção da saúde mental, a ESESFM integra o “Projeto Superiormente”, em parceria com outras instituições. Que desafios e resultados têm encontrado na implementação deste projeto junto dos estudantes do ensino superior?
ERG – A participação da Escola Superior de Enfermagem S. Francisco das Misericórdias e da Universidade Autónoma de Lisboa, unidades orgânicas do Grupo Autónoma em associação com a Escola Superior de Educação João de Deus, no Projeto Superiormente, financiado pela Direção-Geral do Ensino Superior (DGES), insere-se numa estratégia nacional de promoção da saúde mental no ensino superior, e reflete o compromisso das duas escolas parceiras, com uma formação que valoriza o bem-estar integral dos seus estudantes.
Este projeto tem como objetivo, aumentar a literacia em saúde mental, criar respostas concretas e sustentadas para os desafios emocionais e psicológicos que afetam os estudantes do ensino superior, através de ações de sensibilização, apoio psicológico, desenvolvimento de competências socioemocionais e criação de ambientes académicos mais saudáveis e inclusivos.
Os principais desafios, estão relacionados com o garante de respostas acessíveis, rápidas e ajustadas às necessidades dos estudantes, no âmbito da literacia em saúde mental, na promoção uma cultura de autocuidado, empatia e escuta ativa, envolvendo toda a comunidade académica; criar espaços seguros de apoio psicológico e emocional e reforçar a importância da resiliência e da gestão emocional, como competências essenciais para o futuro exercício profissional.
No caso concreto do dos estudantes do curso de enfermagem, estes lidam desde cedo com situações de sofrimento, dor e responsabilidade, pelo que cuidar da saúde mental é essencial.
Ao integrar o Projeto Superiormente, a ESESFM está a formar profissionais mais conscientes, equilibrados e preparados para cuidar dos outros — começando por si próprios.
De realçar que estão diretamente ligados ao projeto, professores da ESESFM, das áreas de especialidade de saúde mental e cuidados de saúde primários.
HN – A escola estabeleceu uma parceria com o INEM para formação em Suporte Básico de Vida e Desfibrilhação Automática Externa, incluindo a formação de formadores. Que importância atribui a esta colaboração para o reforço das competências dos estudantes e para a ligação da escola ao tecido profissional da saúde em Portugal?
ERG – A parceria entre a Escola Superior de Enfermagem S. Francisco das Misericórdias (ESESFM) e do Grupo Autónoma e o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), no âmbito da formação em Suporte Básico de Vida e Desfibrilhação Automática Externa (SBV-DAE), incluindo a formação de formadores, representa um exemplo claro da concretização de um dos eixos estratégicos da instituição: a ligação à comunidade.
Esta colaboração tem um impacto direto no reforço das competências clínicas e de emergência dos estudantes, preparando-os para atuar com eficácia em situações críticas. Ao mesmo tempo, reforça a relevância social da escola, promovendo uma articulação ativa com o sistema nacional de saúde e com os serviços de emergência médica.
A ligação à comunidade, enquanto eixo estratégico da ESESFM, está também alinhada com os critérios de qualidade definidos pela A3ES, que reconhecem a interação com o meio envolvente como um dos pilares fundamentais da missão do ensino superior. Esta parceria com o INEM é, por isso, não apenas uma mais-valia pedagógica, mas também um instrumento de responsabilidade social e de valorização institucional.
Contamos estar a médio prazo, estar preparados, para a prestação de formação em SBV com DAE, à comunidade, cos mais diversos setores como, autarquias, escolas do ensino básico e secundário, IPSS, empresas, entre outros potenciais interessados.
Ao incluir a formação de formadores, Alumni da ESESFM, a escola assegura ainda a sustentabilidade interna da sua capacidade formativa, criando um efeito multiplicador que beneficia os estudantes, os docentes e a comunidade em geral. Esta abordagem integrada reforça o posicionamento da ESESFM como uma instituição que alia rigor académico, inovação pedagógica e compromisso com a sociedade.
HN – Olhando para o futuro da ESESFM, quais são as principais prioridades e objetivos que gostaria de concretizar enquanto diretora, tanto ao nível da oferta formativa como do posicionamento da escola no panorama nacional do ensino da enfermagem?
ERG – As prioridades estratégicas centram-se no reforço da oferta formativa, na afirmação da Escola como referência no ensino da enfermagem e na resposta ativa à crescente necessidade de profissionais de saúde, amplamente documentada em relatórios da OCDE.
De facto, os dados mais recentes da OCDE alertam para a escassez de enfermeiros em vários países europeus, incluindo Portugal, onde o rácio de profissionais por mil habitantes continua abaixo da média recomendada. Neste contexto, a ESESFM assume um papel fundamental não só na formação de qualidade, mas também na captação de novos candidatos para a profissão, contribuindo para a sustentabilidade do sistema de saúde nacional.
A Escola tem vindo a afirmar-se como uma opção atrativa para os jovens do ensino secundário, graças à sua identidade própria, que alia rigor académico, inovação pedagógica e uma forte componente de proximidade na relação pedagógica. A aposta em metodologias ativas, simulação clínica, realidade aumentada e ensino em alternância, bem como a ligação à comunidade e ao tecido profissional, são fatores diferenciadores que reforçam a atratividade da instituição.
Ao nível da oferta formativa, a prioridade passa por consolidar a licenciatura e expandir a formação pós-graduada e contínua, com aposta em microcredenciais. Esta diversificação permitirá responder às necessidades emergentes do setor e atrair perfis diversos de estudantes, desde recém-licenciados a profissionais em requalificação.
Por fim, a ESESFM continuará a investir no seu posicionamento institucional, reforçando parcerias, promovendo a internacionalização, a investigação e aprofundando a sua ligação à comunidade — um eixo estratégico reconhecido pela A3ES como essencial para a qualidade do ensino superior.
O objetivo é claro: formar profissionais altamente competentes, conscientes do seu papel social e preparados para responder aos desafios de um sistema de saúde em constante transformação.
HealthNews
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