Em maio de 2013, escrevi um artigo com este mesmo título https://healthnews.pt/2023/05/15/a-caminho-de-um-sns-sem-obstetras/, a propósito da publicação da Orientação da DGS nº 02/2023 de 10 de maio e que terminava da seguinte maneira:
“Haja coragem política para tomar decisões estruturais que são difíceis, mas necessárias… anteriormente já foram tomadas medidas complicadas, cujos resultados se mantêm até aos dias de hoje e que agora podem vir a ser colocadas em risco”.
Passaram 2 anos… comecei a questionar-me à medida que ia relendo o artigo, cuja atualidade se mantém. O que foi feito? Estaremos melhorou pior?
Sinceramente, acho que estamos pior.. e já vão perceber as razões!
Em Julho de 2024, decidi voltar a trabalhar no SNS como Prestadora de Serviço. Nessa altura, a política era fazer os possíveis para não fechar as urgências e vim ajudar para que não fechassem.
… Após lidar com alguns dilemas pessoais, pois a prestação de serviços não deve ser solução para colmatar a escassez de recursos humanos, nomeadamente médicos, resolvi vir dar o meu contributo.
Esta atividade só devia ser necessária pontualmente e não ao contrário. Podemos constatar que a maioria dos serviços funciona com os ditos “tarefeiros”, em vez da equipa de elementos dos próprios serviços. Isto ocorre não só na área de Obstetrícia/Ginecologia como também em outras especialidades.
As equipas são cada vez mais jovens e, por contrapartida, as grávidas mais velhas e com mais comorbilidades, o que leva a desafios constantes na atuação das equipas e na rapidez de decisão.
A realidade é variável, de Especialidade para Especialidade e de Hospital para Hospital.
Os decisores têm de ter coragem para analisar, refletir sobre os motivos e perceber o impacto que têm em termos de resultados de Ganhos em Saúde.
… Será que a DE-SNS tem este números? Se sim, esses mesmos números deviam ser publicados a bem da transparência!
Qual a razão de alguns Serviços continuarem a funcionar dentro de limites razoáveis e outros à beira do abismo ou já em queda livre? O que está a ser feito para reverter estas situações mais graves?
Já é tempo de haver responsabilização individual ou coletiva, de deixarmos de conviver diariamente com a impunidade habitual e da conversa diária do poder político, que está tudo bem, que a situação é melhor!!!
Mais Prestadores de Serviços é igual a mais instabilidade nas Equipas!? Não obrigatoriamente, pois depende do ambiente interno do próprio Serviço e da motivação individual do Obstetra Prestador de Serviço em “vestir a camisola” do SNS!
… A introdução da Linha SNS 24 – Grávidas tinha como objetivo regular o acesso ao Serviço de urgência e permitir que as grávidas fossem orientadas de acordo com um algoritmo, que foi aperfeiçoado por uma equipa de peritos de Ginecologia/Obstetrícia.
No entanto, quem está nos Serviço de Urgência é confrontado diariamente com “autocarros de Grávidas” a virem aos Serviços de urgência para esclarecer dúvidas. Tentaram esclarecer junto da referida linha mas a resposta de quem estava do outro lado do telefone, foi para recorrer ao Hospital.
A Linha SNS 24 Grávidas é o maior “Cliente” das Urgências de Ginecologia/Obstetrícia, pelo menos em alguns Hospitais.
O problema será do algoritmo ou de quem está a atender a linha, sem formação adequada? Onde está a informação credível dos resultados da ação do SNS 24- Grávida? Quantos casos foram encaminhados para os CSP?
… Nos dias de hoje, ocorrem cada vez mais situações em que os Obstetras têm menos tempo para falar com as grávidas, não só devido à saída de elementos dos Serviços como também às consultas com agendamentos extra, excesso de burocracia e tempo que dispensam. Os registos são obrigatórios, com programas informáticos obsoletos. Esta falta de tempo faz com que muitas grávidas não sejam devidamente esclarecidas e não tenham o tempo adequado para exporem as suas questões.
A facilidade de acesso à Linha SNS 24 e a perspetiva de respostas válidas e informadas sobre as suas questões permite, perante a ausência de resposta, uma maior procura de cuidados hospitalares a nível do Serviço de urgência.
Mais uma vez uma inversão completa do que se pretendia…. Os Cuidados de Saúde Primários devem ser o primeiro ponto de acesso a Cuidados de Saúde de qualidade e não o Serviço de Urgência Hospitalar. Trabalhar na Prevenção e na Literacia na Saúde pode demorar, mas será a melhor aposta para diminuir os custos em Saúde, de modo a melhorar a qualidade dos indicadores de desempenho e os Ganhos em Saúde.
A machadada final na Obstetrícia e a publicação da lei nº 33/2025 de 31 de Março
O chumbo da moção de confiança a 11 de março ditou o fim do atual Governo, mas não impediu que, no dia 13 de março, fosse votada a lei nº 33/2025 de 31 de março, sobre Violência Obstétrica.
Ser Obstetra é uma missão e o percurso profissional é centrado no bem estar materno e fetal.
O termo Violência é a antítese do que qualquer obstetra pretende de um parto…. Quem faz partos sabe muito bem os momentos de stress por que passa quando os esforços expulsivos não são suficientes, quando é preciso instrumentar, quando a bradicardia fetal é sustentada, quando a reserva daquele feto é baixa. Todos queremos que o bebé nasça bem e a chorar….
Já longe vai o tempo das episiotomias de rotina! Neste momento, a taxa está entre 30%-40% em alguns hospitais e substancialmente menos em outros. Se ainda existe um caminho para melhorar? Claro que sim!
… Nos últimos tempos, as instituições têm elaborado Planos de Parto e o ambiente das salas de parto tem vindo a melhorar, têm aulas de preparação para o parto e parentalidade. Fazem visitas à sala de parto, de modo a que os casais, companheiros/as saibam o percurso que devem fazer e os recursos existentes…. e, no meio destas melhorias hospitalares, publica-se uma lei que pretende que os profissionais de saúde (médicos e EESMOS) sejam alvo de “inquéritos disciplinares” de “responsabilidade civis e criminais”, se usarem “episiotomia de rotina”.
Este será, com certeza, não só um caminho para a saída de mais Obstetras mas também para os que continuam nos serviços arranjarem justificações plausíveis para deixarem de fazer a atividade no Bloco de Partos.
… A gestão das expectativas sobre o parto têm de ser trabalhadas durante os nove meses da gravidez. A informação tem de ser credível e baseada na evidência científica, o consentimento informado tem de ser livre e esclarecido. Deve haver tempo para responder às dúvidas, combater a desinformação e principalmente dar conhecimento das consequências de decisões desajustadas à realidade da evolução da gravidez e parto.
Os direitos, mas também os deveres, da mulher em relação ao nasciturno, devem ser acautelados com equilíbrio nas decisões devidamente fundamentadas e esclarecidas.
… O aumento da taxa de cesarianas, numa primeira gravidez, está a condicionar o futuro obstétrico, em termos de via do parto. Este acontecimento deve-se ao facto de as grávidas estarem a recorrer a hospitais privados para serem assistidas pelos médicos que as acompanham ao longo da gravidez. Existe uma clara e ostensiva divulgação nas redes sociais, mas sem as equipas ajustadas às necessidades, tal como é recomendado no SNS.
É o caminho que a grávida procura de forma a ultrapassar a incerteza e a instabilidade que se vive no SNS e diariamente veiculadas pela comunicação social.
Devido à escassez de recursos médicos para formação no serviço público, é cada vez mais expetável que o setor privado seja chamado para contribuir para a formação específica, no âmbito da Especialidade de Ginecologia-Obstetrícia.
… Mais uma vez, o Colégio de Especialidade de Ginecologia e Obstetrícia não pode deixar de desempenhar o seu papel, de órgão técnico e responsável por definir os critérios e necessidades formativas.
A orientação das mulheres durante a gravidez e o parto deve seguir as mesmas orientações e Guidelines das Sociedades científicas, quer seja no Setor Público ou no Privado.
Em conclusão e, não só pelos motivos enumerados anteriormente mas principalmente devido à falta de coragem política para tomar decisões difíceis de concentração de Blocos de Parto, em algumas áreas geográficas, a situação está fracamente pior.
Veremos o que o Futuro nos reserva e se ainda haverá tempo para reverter a presente situação.
Haja Decência
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